Com grande júbilo e profundo sentido de justiça histórica, tomei conhecimento de que o Profeta Simão Gonçalves Toko foi agraciado com a Medalha dos 50 Anos de Independência Nacional, distinção conferida pelo Presidente da República, João Lourenço, durante a cerimónia comemorativa do Dia da Paz em Angola, celebrado a 4 de Abril. Este reconhecimento, tão merecido quanto simbólico, honra não apenas a memória de um homem, mas corrige uma omissão prolongada na narrativa oficial da nossa História.
Infelizmente, persistem ainda vozes que ignoram a verdadeira dimensão desta figura. Há quem questione os contributos de Simão Toko para a paz, para a independência ou para o povo angolano. Mais grave ainda, há quem — por ignorância ou má-fé — duvide da sua nacionalidade, insinuando que não seria angolano, mas sim oriundo da República Democrática do Congo. Trata-se, sem dúvida, de um equívoco lamentável.
Simão Toko nasceu em Sadi-Zulumongo, na província do Uíge, em 24 de Fevereiro de 1918. Viveu e consagrou a sua vida à causa de Angola e dos angolanos. Realizou grande parte da sua formação académica em território nacional e foi colega do primeiro Presidente da República de Angola independente, Dr. António Agostinho Neto.
Relembrador da Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo, a 25 de Julho de 1949, e fundador do Tocoismo, nome atribuído pelas autoridades coloniais aos seus seguidores, a missão de Simão Toko transcendia o domínio espiritual. Num tempo em que Angola ainda não conhecia movimentos políticos organizados — pois os primeiros surgiram apenas em 1958 — Toko lançou, já em 1946, os fundamentos de um movimento que viria a consolidar-se três anos depois. A sua visão era clara: não existe libertação material sem uma correspondente libertação espiritual.
Embora o movimento por si liderado não tivesse orientação político-partidária,
foi reiteradamente considerado, pelas autoridades coloniais portuguesas, como
uma ameaça
de carácter político, o que motivou forte repressão. Diversas foram as formas
para silenciar a sua voz: tentativas de morte, foi exilado nos Açores por 11
anos e submetido a cerca de 15 prisões. E, mesmo assim, jamais desistiu.
Prosseguiu a sua missão com coragem e serenidade, promovendo a elevação moral, espiritual e social do povo angolano, construindo comunidades coesas, organizadas e orientadas para a paz. Homem dotado de visão profética, antecipou os perigos que Angola enfrentaria na transição para a independência. Nesse sentido, realizou um périplo diplomático e espiritual, reunindo-se com os líderes dos principais movimentos de libertação: Agostinho Neto (MPLA), Holden Roberto (FNLA) e Jonas Savimbi (UNITA). A todos advertiu sobre a iminência de um banho de sangue, apelando ao entendimento e à reconciliação, num momento em que as forças políticas se encontravam profundamente divididas.
Importa sublinhar que Simão Toko nunca procurou protagonismo. Em 1974, durante o processo de descolonização de Angola, foi convidado pelo General António de Spínola, então Presidente da República Portuguesa, a chefiar um eventual Governo de Transição. Recusou de forma categórica, afirmando que essa responsabilidade deveria caber àqueles que haviam empunhado as armas na luta pela libertação. Acrescentou ainda que os cargos de liderança deveriam ser repartidos entre os dirigentes dos três principais movimentos de libertação, a sua luta era outra “com a Biblia na mão”.
Este aspecto da sua trajectória — tantas vezes ignorado — merece ser resgatado. A luta pela independência de Angola não se fez apenas com armas. Também se fez com orações, com mensagens de esperança, com acções de reconciliação e cura colectiva. Simão Toko protagonizou uma verdadeira revolução espiritual e cultural, descolonizando consciências e devolvendo ao angolano a convicção de que Deus também fala com o africano; que a salvação pode ter rosto negro e voz africana; e que os povos negros jamais foram uma raça amaldiçoada, ao contrário do que era apregoado pelas ideologias dominantes da época.
A sua influência transcendeu as fronteiras nacionais, inspirando comunidades na
diáspora e deixando marcas indeléveis em todo o continente africano. Pregava a
autodeterminação espiritual, mas também defendia a liberdade política, cultural
e identitária. E não se limitava à retórica: organizou estruturas, formou
líderes, educou, pacificou.
A atribuição da Medalha da Independência, neste contexto, representa mais do que um acto simbólico. É um gesto de coragem histórica, um reconhecimento da verdade e uma homenagem aos milhares de angolanos que foram perseguidos, encarcerados ou mortos por partilharem da sua visão profética.
Simão Toko é, inquestionavelmente, um dos grandes patriotas do século XX angolano, um nacionalista de excelência. A sua história deve ser ensinada nas escolas, estudada nas universidades, celebrada nos nossos espaços culturais e religiosos. O seu legado transcende a esfera do movimento Tocoista: pertence a toda a nação angolana que acredita numa independência assente na fé, na ética e na reconciliação.
Como dizia o próprio, por intermédio do seu sucessor espiritual, Bispo Dom
Afonso Nunes: “Um povo sem História é um povo sem alma.”
0 Comentários