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Alta autoridade baixa vontade - Jorge Eurico

O antigo bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) tem andado particularmente inspirado nos últimos tempos. Luís Paulo Monteiro move-se com destreza entre tabuleiros distintos. Quando não assina artigos no Novo Jornal, ressurge no Pungo-a-Ndongo, o hebdomadário associado aos interesses pessoais do secretário-geral do MPLA, onde se dedica a despertar memórias adormecidas, sobretudo aquelas que parte do país preferia manter, por conveniência ou cálculo, sepultadas no esquecimento.

Luís Paulo Monteiro recorda, num dos seus últimos artigos, que a lei que dá luz verde à criação da Alta Autoridade Contra a Corrupção em Angola foi aprovada em 1996. Há 29 anos que essa lei existe apenas para responder à pressão internacional num contexto pós-guerra, como forma simbólica de demonstrar compromisso com reformas institucionais. Nunca houve verdadeira intenção de implementá-la. Foi uma lei criada para gringo ver.

Vinte e nove anos depois da sua criação, a Alta Autoridade Contra a Corrupção continua a ser uma promessa ornamental. Porque a sua concretização implicaria o impensável: Autonomia real num país onde tudo converge para o centro do poder. Talvez o antigo bastonário da OAA desconheça (o que não acredito), mas há três factores políticos e estratégicos que estão na base da não criação efectiva da Alta Autoridade Contra a Corrupção em Angola. Ei-los:1. Falta de vontade política real; 2. Preferência por mecanismos sob controlo do Executivo; 3. Temor de abrir uma caixa de Pandora.

Traduzindo: 1) Falta de vontade política real significa que uma Alta Autoridade com autonomia ameaçaria a cadeia de controlo político e económico que sustenta o Sistema. Criar um órgão com liberdade para actuar colocaria em causa a cultura de impunidade hierarquizada. Uma cultura onde apenas os descartáveis (os filhos de ninguém ou os não nacionalistas) são política e judicialmente sacrificados.

2) Preferência por mecanismos sob controlo do Executivo: A alegada luta contra a corrupção está centralizada na IGAE, na PGR e no SIC. Todos estes órgãos estão subordinados directa e exclusivamente ao Presidente da República (PR) e Titular do Poder Executivo (TPE). Funcionam como instrumentos de selectividade política: Escolhem onde e a quem perseguir, mantendo o verniz de legalidade. Tudo isso é feito com o assentimento do PR e TPE. Criar uma Alta Autoridade independente retiraria essa vantagem estratégica.

3)Temor de abrir uma caixa de Pandora: A institucionalização da Alta Autoridade Contra a Corrupção, enquanto órgão verdadeiramente autónomo e composto por cidadãos probos, poderia investigar antigos e actuais membros do Executivo e expor redes de corrupção enraizadas em sectores como petróleo, diamantes, telecomunicações, obras públicas, Defesa e Segurança. É isso que se pretende evitar. Tal acto provocaria uma crise institucional sem precedentes e poderia desestabilizar o país. E isso… não convém!

Para encurtar razões, ilustre arauto do Direito, tenho a dizer o seguinte:
A não implementação da Alta Autoridade Contra a Corrupção é um sintoma do modelo de poder concentrado que vigora no país. E tudo indica que vai perdurar por longos e (in)felizes anos. Criar um órgão com autonomia real significaria transferir poder de investigação e punição para fora do controlo presidencial. Isso é inconveniente. A corrupção é um negócio político que permite “dar-se bem” social e economicamente. É também uma ferramenta de controlo interno sobre quem beneficia da podridão e depois tem a tentação de botar a boca no trombone sobre os seus agentes.

Fim de prosa: Não há espaço para uma Alta Autoridade Contra a Corrupção verdadeiramente independente em Angola, quando a vontade política é baixa e o medo de transparência é alto. Por enquanto. Mas, como neste país nada é tão simbólico que não possa ser transformado em negócio, uma fonte digna de fé garantiu-me que alguém na Casa Civil do Presidente da República está a facturar feio com a atribuição de medalhas e diplomas em nome do Chefe de Estado.

Eis a explicação para a recente salada de condecorações: Mistura-se tudo com tudo (alhos com bugalhos ) e, quanto mais nomes, mais proveito. Mais dinheiro. Vulgariza-se, assim, uma iniciativa que tinha tudo para ser nobre. Exemplos? Nomear Nagrelha para ser condecorado e deixar de fora Jacinto Tchipa. É o triunfo e a sobreposição do clientelismo à meritocracia.

Fica aqui a pista para que o IGAE, a PGR e o SIC, tão diligentes nuns casos e tão cegos noutros, abram uma linha de investigação para apurar se esta informação é apenas fumo… ou se há mesmo fogo.

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