No Conselho da República, a ausência de vozes realmente independentes é um luxo que João Lourenço já não pode pagar.
Não precisamos de sondagens para saber: vivemos aqui, conhecemos as dificuldades do povo, conversamos com as pessoas na rua. E, por isso, é impossível ignorar que os índices de popularidade do Presidente João Lourenço estão no ponto mais baixo desde que tomou posse, em 2017. Tenho saudades daquele João Lourenço do primeiro mandato, que sabia ouvir discursos fora da caixa e agia de imediato.
Alguém sequestrou o Presidente da República —
exactamente o mesmo que aconteceu com José Eduardo dos Santos. Mas João
Lourenço ainda pode terminar a sua vida neste mundo pior do que o seu
antecessor, porque, a cada semana que passa, mais gente se afasta do discurso
oficial, não porque adira à oposição, mas porque deixou de acreditar que o
poder escuta; que tem sensibilidade e empatia com o povo — o suposto patrão de
João Lourenço.
E o que faz o Conselho da República — órgão que deveria ser o espaço de
reflexão estratégica e de aconselhamento plural ao Chefe de Estado? Reúne-se,
fala em “estabilidade” e “retorno à normalidade”, condena — com razão — a
pilhagem e a arruaça, aponta as redes sociais como ameaça e apela à ordem. Tudo
correcto, mas tudo previsível. Tudo igual ao que já se ouve.
O problema não é o que disseram; é o que não tiveram coragem de dizer. E é
o que não tiveram coragem de dizer que pode salvar a imagem do Presidente João
Lourenço.
Estabilidade de vitrina
Quando o comunicado fala de “estabilidade” e do restabelecimento dos serviços,
descreve uma fotografia de curta exposição: limpa, mas enganadora. É
estabilidade policial, não social. Não há tumultos, mas continua a haver fome,
desemprego, preços de combustíveis a sufocar famílias, escolas e hospitais em
situação crítica. Sem nomear estas causas, o Conselho da República limita-se a
enfeitar a vitrina enquanto a mercadoria apodrece.
As redes sociais como bode expiatório
Apontar “desinformação” e “incitação à violência” nas redes sociais é
repetir a velha desculpa de que a instabilidade nasce de fora. É verdade que há
manipulação — mas não há manipulação que crie desespero onde existe dignidade.
As redes não inventam o fogo; apenas mostram o fumo. E, quando o país já está a
arder, atacar o mensageiro é perder tempo precioso.
Apelo à ordem sem reciprocidade
Pedir ordem ao povo é legítimo. Mas é um contrato de duas vias: também as
autoridades devem respeitar os direitos e liberdades dos cidadãos. O comunicado
nada diz sobre as execuções sumárias, as detenções arbitrárias e o uso desproporcionado
da força denunciados em Julho. Ignorar isto é rasgar metade do filme — e, pior,
fingir que não existe.
O grande ausente
No texto do Conselho não há uma linha sobre o que realmente mina a paz
social: políticas públicas ineficazes, serviços em colapso e um Estado que não
assume a sua quota de responsabilidade. É tentar curar febre com maquilhagem. É
pintar a fachada de uma casa cujas fundações estão a ceder.
Presidente, ouça quem o contradiz
Neste momento, João Lourenço só ganharia em ter no Conselho da República
figuras realmente independentes, com coragem de lhe dizer o que ele não quer
ouvir. Rodear-se de quem apenas confirma o que já pensa é dar aos adversários a
maior arma: deixá-lo falar sozinho, sem confrontos, sem questionamento, sem
alternativas.
Num cenário em que a popularidade do Presidente está em queda livre, os
comunicados que ignoram as causas reais e preferem slogans de ordem pública não
apenas falham em resolver problemas — fabricam novos. E, Presidente, os
adversários agradecem: nem precisam de fazer campanha.
Segurança pública não é ausência de gritos nas ruas. É presença de justiça,
de pão, de dignidade. Enquanto não entender isto, o país continuará a arder — e
o Conselho da República a segurar apenas o extintor para as câmaras.
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