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República do medo - Jorge Eurico

 Sebastião Penelas, 63 anos, desaparece sem deixar rasto na capital angolana. Uma semana depois, o seu corpo é encontrado dentro da viatura, num lugar ermo, nos arrabaldes do município de Viana. Sinais de execução. Funcionário sénior de um órgão do Estado: O SIE. O SIC deu de ombros. Não investigou. O Estado angolano calou-se. Nada disse.

Luanda. Outubro de 2025.
O tenente-coronel Paulo Kulenga, conhecido como Kalili, das Forças Armadas Angolanas (FAA), é raptado à luz do dia por homens armados com crachá do SIC. Pouco depois, o seu corpo aparece morto na morgue central de Luanda. Dois oficiais. Duas instituições do Estado. Dois cadáveres. Momentos diferentes. Circunstâncias distintas. Padrão sistémico. Uma só conclusão: O aparelho de Segurança em Angola entrou em colapso moral. É o Estado a caminho da falência.

Kalili era membro das Forças Armadas Angolanas (FAA). Uma instituição republicana, acima dos partidos. Baluarte da estabilidade constitucional. Guardiã da democracia.

Penelas, do SIE, servia o País no terreno invisível da defesa externa. Ambos alegadamente mortos por mãos que juraram proteger a mesma bandeira.

O SIC tem feito tudo para ser visto e tratado como o que é: Um antro de malfeitores com distintivo oficial. De serviço de investigação passou a central de raptos. Torturas e execuções. Um Estado dentro do Estado. Uma polícia sem lei, com licença para matar. Há recorrência. Há impunidade. Perpetuação da violência e do mal. O SIC lembra as facções de traficantes de drogas das favelas do Rio de Janeiro. Age como um Estado paralelo.Fora da lei. Sem controlo.

O silêncio do Ministério do Interior é culpa. O silêncio das FAA é medo. O silêncio do Presidente é consentimento. Não é coincidência. É padrão.

Quando os agentes do Estado começam a morrer nas mãos do próprio Estado, já não há República. Há desordem com uniforme. Há insegurança total e absoluta. Qualquer um pode desaparecer. A qualquer momento. A segurança dos angolanos está numa mão circunstancialmente aberta.

Fecha-se quando quer. Quando apetece.

O SIC degenerou-se. Um órgão de segurança onde a impunidade é sistémica. A desordem é o fio do prumo dos seus agentes. Precisa de ser desmantelado. Precisa de ser expurgado. Urgentemente. Tal como Agostinho Neto teve a coragem de refundar a DISA depois dos episódios de triste memória de 27 de Maio de 1977. O SIC tem de ser desmontado. Pedaço por pedaço. Refundar o aparelho de segurança com base em valores. Não em fidelidades. Sem isso, a palavra Justiça vai continuar a ser uma farsa.

Ontem foi Penelas. Hoje foi Kalili. Amanhã, quem será o próximo? Pode ser qualquer um de nós. A sorte está lançada. Os dados também. Ninguém está seguro. O medo governa. Quando o Estado começa a matar os seus, o País inteiro entra em luto. Só falta um decreto presidencial para formalizar uma “noite de cristal” à angolana. A insegurança e a impunidade estão confortavelmente à vontade. Angola está a ser transformada numa República do medo, sob o consentimento cúmplice e olhar silencioso permissivo do Presidente João Lourenço.

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