"Um exército de ovelhas liderado por um leão pode vencer um exército de leões liderado por uma ovelha", provérbio árabe.Presidente Samora, há 50 anos, quando proclamaste, no simbólico e histórico Estádio da Machava, a Independência "total e completa de Moçambique e a sua constituição em República Popular", lançaste a semente para a construção de uma Nação africana livre, assente na solidariedade e na dignidade humana.
Por isso, a escolha de um estádio de futebol, lugar interclassista, de todos os
credos religiosos, e de todas as raças e grupos sociolinguístico-culturais, bem
como de todas as camadas sociais e géneros, mostrava o nascimento de uma
República que se pretendia inclusiva.
Tinhas menos de 42 anos, mas para ti já era muito claro que Popular significava "dar substância às aspirações dos milhões de moçambicanos dominados e explorados, para quem a independência é uma condição para o fim da exploração e o estabelecimento de um regime popular". República Popular era, nesse entendimento, sinónimo de "Independência" e de "Revolução".
Significava igualmente edificar uma "economia avançada, próspera e
independente" que asseverasse "o controlo dos recursos naturais a
favor das massas populares", e baseada no "princípio justo de a cada
um segundo o seu trabalho e de todos segundo as suas capacidades".
Nesse 25 de Junho de 1975, o País nascia depois de 10 anos de Luta Armada
de Libertação Nacional contra o colonialismo português, desencadeada pela
FRELIMO, em nome de "moçambicanas e moçambicanos, operários e camponeses,
trabalhadores das plantações, das serrações e das concessões, das minas, dos
caminhos de ferro, dos portos e das fábricas, intelectuais, funcionários,
estudantes, soldados moçambicanos no exército português, homens, mulheres,
jovens e patriotas", de acordo com a declaração do movimento, de Setembro
de 1964, início da luta armada.
Nessa altura, a FRELIMO proclamava "solenemente a insurreição geral
armada do Povo Moçambicano contra o colonialismo português, para a conquista da
independência total e completa de Moçambique", e assegurava que o combate
"não cessará senão com a liquidação total e completa do colonialismo
português".
Nesse tempo, Presidente Samora, não vacilaste porque já tinhas a firme
convicção de que o recurso à luta armada era a única solução para a libertação
do País, dado o carácter retrógrado do regime colonial fascista e racista
português.
E assim participaste e dirigiste essa missão heróica e histórica, a Luta
Armada de Libertação Nacional, para que os moçambicanos fossem donos da sua
terra e do seu destino.
E, para isso, enquadrado na FRELIMO, recebeste treinos militares na
Argélia, na Tanzânia e no interior do território moçambicano. E compreendeste a
importância da solidariedade africana, nomeadamente panafricanista, para a
emancipação do continente, incluindo económica. E passaste a considerar "a
Unidade dos Povos" africanos como fundamental para a conquista da Independência
Económica.
Depois desses 10 anos de luta que, conjuntamente com as lutas da
Guiné-Bissau e de Angola, forçaram o golpe de Estado militar e revolucionário
do 25 de Abril de 1974, em Portugal, o País nasce "fruto da vontade
inquebrantável, da determinação férrea do Povo Moçambicano de reconquistar a
liberdade, gozar do direito supremo e inalienável de todos os povos a
independência nacional".
Proclamas o novo Estado que tem na agricultura a base e na indústria o
factor dinamizador da economia, com o objectivo de proporcionar bem-estar
cultural a todos, contando, para isso, com as próprias forças e o apoio dos
aliados naturais.
Nesse teu projecto político, fazes da Educação instrumento central para a
"criação do Homem Novo" e "base para o Povo tomar o poder",
expressão tão bem cantada e amplificada, décadas depois, por Azagaia,
revolucionário da música de intervenção e da geração Z. Ainda na Machava,
asseguraste o compromisso de descolonizar o conhecimento, promover a difusão da
Educação a todos os níveis, através da sua democratização, da eliminação do
elitismo e da discriminação educacional baseada na riqueza, e a formação de uma
"nova mentalidade popular e revolucionária no seio das novas
gerações".
No País de Albino Magaia, Josina Machel, Luís Bernardo Honwana, Ntaluma,
Malangatana, Paulina Chiziane, Xixel Langa, Lourdes Mutola e outros, no reino
da Capulana, Timbila e da Mbira, logo no momento do parto, garantiste a
responsabilidade do Estado na promoção do conhecimento e difusão nacional e
internacional da cultura, "elemento de consolidação da unidade nacional e
parte essencial da personalidade moçambicana".
Para que a mulher assumisse o seu papel de cidadã de pleno direito,
contribuindo política, cívica e socialmente para o País, também elegeste o
combate pela sua emancipação, pela "libertação total das diversas formas
de opressão tradicional e capitalista" uma das prioridades políticas.
Contigo, a luta pela emancipação da mulher era "uma batalha ideológica
contra concepções derivadas de tradições decadentes e contra as múltiplas
tentativas da burguesia em desvirtuar o combate libertador".
Apesar de consciente da imprescindibilidade da ajuda e solidariedade dos
aliados africanos e socialistas, peremptoriamente advertiste: "Não
busquemos a solução dos nossos problemas em paliativos miraculosos vindos do
exterior, mas contemos antes de tudo com as nossas próprias forças,
empenhemo-nos determinadamente no trabalho com um programa claro e objectivos
claros".
Por outro lado, para respeitar a liberdade de consciência, disseste com a
clareza de quem conhece bem o preço da Liberdade e os perigos de um Estado
teocrático por inteiro ou parcial, "o Estado não se pode confundir com
nenhuma religião, nem aparecer ligado a qualquer delas".
Presidente SamoraContigo, Moçambique defendia, "integralmente", a
"dimensão internacionalista do combate pela libertação de África e da
Humanidade".
Nasce como "trincheira da dignidade dos Povos", como disseste em
1979, em Maputo, num banquete oferecido ao teu amigo-irmão-camarada de luta
Agostinho Neto, pai da Independência de Angola, quando lhe agradecias pela sua
"grande contribuição para a vitória comum e de África".
Entretanto, para deixares bem vincados os ideais da nova nação e seus
dirigentes, com a proclamação da Independência, iniciaste um processo de
mudança da toponímia colonial das cidades, vilas, lugares e lugarejos para
nomes panafricanistas.
E rebaptizaste a principal artéria da capital do País que alberga a
Presidência da República, departamentos governamentais e representações
diplomáticas, com o nome de Julius Nyerere, o Mwalimo da Tanzânia, quartel
general e retaguarda segura da FRELIMO, durante a Luta de Libertação Nacional.
Nessa nova toponímia, homenageaste, igualmente, a OUA, Patrice Lumumba, Amílcar
Cabral, Kennetn Kaunda, Kwame Nkrumah, Agostinho Neto, Marien Ngouabi, Sekou
Touré e outros, com nomes em avenidas, e Luís Cabral, cujo nome foi atribuído a
um bairro de Maputo.
Em Cabo Delgado, Luanda é nome de uma Escola e Rainha Njinga Mbandi de uma
rua, num País que do Rovuma ao Maputo é fácil encontrar homenagens a figuras
africanas de relevância e da esquerda mundial, juntamente com heróis
moçambicanos como Eduardo Mondlane, fundador e primeiro presidente da FRELIMO,
o "arquitecto da unidade nacional".
Nyerere para ti era um irmão mais velho e titio dos mais novos, como nos
ensinaste, porque se a "família constitui a célula base da
sociedade", o panafricanismo representa a célula base da integração e
desenvolvimento de África.
Nyerere, arquitecto do Comité de Libertação da OUA e da Linha da Frente, de
que foste um dos mais activos membros, juntamente com os líderes de Angola,
Botswana, Zâmbia e, posteriormente, Zimbabwe, num dos mais marcantes actos de
solidariedade intracontinental.
Presidente, Certamente que te recordas dos constantes ataques, acções de
sabotagem e chantagem dos regimes do Apartheid da África Sul e racista de Ian
Smith na Rodésia do Sul contra Moçambique por causa do apoio político,
logístico, militar, financeiro e humano que o novo Estado concedia aos
movimentos de Libertação da região, principalmente da África do Sul e do
Zimbabwe.
Num desses ataques, Pretória assassinou cobardemente com uma carta bomba,
em 1982, em Maputo, Ruth First, intelectual e política sul-africana.
O País pagou muito caro a opção socialista revolucionária, mas, não
obstante, disseste: a Luta Continua, não somente por Moçambique, "mas
também noutros lugares e pelos outros", como escreveu Thomas Sankara, num
texto em tua homenagem. Por causa dessa opção, foste assassinado em Outubro de
1986, e Moçambique mudou de rumo.
Maharaba, Moçambique! pelos 50 anos de Independência, a maior conquista do
Povo no último século e por essa semente de dignidade e solidariedade que se
espalha pelo País, África e Mundo e que dará os seus frutos.
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