1. O Episódio da Crise: Ajuda e Perceção de Ingratidão. Em 2009, enquanto Portugal enfrentava os efeitos devastadores da crise financeira global, Angola emergia como potência petrolífera: produção próxima de 2 milhões de barris diários e preços acima de US$100. Segundo o ex-ministro Carlos Feijó, o então presidente José Eduardo dos Santos questionou: "É tempo de ajudar os portugueses?".
A resposta materializou-se em investimentos angolanos em setores
estratégicos portugueses — finanças e energia —, visando proteger reservas e
garantir retornos. Contudo, Feijó acusa Portugal de posteriormente
"maltratar ingratamente" Angola, gerando um "sofrimento
prolongado" nas relações bilaterais . Este episódio simboliza a assimetria
histórica: ajuda sul-norte celebrada como gesto magnânimo, mas seguida de
ressentimento quando a reciprocidade falha.
2. O Debate das Reparações: A Posição Portuguesa.
Em 10 de junho de 2025, Portugal reafirmou publicamente sua oposição a
reparações financeiras pelos passados colonialistas. Esta posição, embora
coerente com a postura de outras ex-potências europeias, ignora dimensões
críticas:
- Dívida Moral vs. Legal: Enquanto o direito internacional não obriga a
compensações retroativas, a dívida histórica persiste no imaginário coletivo. A
recusa portuguesa contrasta com gestos simbólicos de outros países, como a
Alemanha no caso da Namíbia.
- Neocolonialismo Econômico: Investimentos angolanos em Portugal (como
bancos e energia) perpetuam uma dependência mútua, mas desequilibrada. Portugal
beneficia de capital angolano, enquanto Angola pouco ganha em transferência
tecnológica ou diversificação produtiva .
3. Patriotismo Econômico: Por uma Reorientação Estratégica.
A exortação para que "os angolanos sejam mais patriotas" não deve ser
mero nacionalismo
retórico, mas um projeto de soberania económica. Argumenta-se:
Diversificação Geográfica: Países como Namíbia e África do Sul oferecem vantagens comparativas: estabilidade jurídica, mercados em crescimento e complementaridades setoriais (mineração, energias renováveis, logística portuária). A Namíbia, por exemplo, tornou-se hub de hidrogénio verde, atrai investimentos europeus diretos .
Redução de Riscos: Concentrar investimentos em Portugal expõe Angola a volatilidades políticas e económicas. A crise bancária portuguesa (2023-2024) e mecanismos europeus de filtragem de investimentos estrangeiros [COM(2024)0023] demonstram a precariedade do status quo .
Soberania Financeira: Aplicar reservas em infraestruturas africanas (como
corredores logísticos ou energéticos) geraria retornos mais alinhados com
prioridades nacionais, como industrialização e segurança alimentar.
4. Europa: Parceira ou Contraparte? Uma Análise Realista.
Declarações recentes de líderes europeus confirmam que o continente não é
"amigo" dos africanos no sentido político — é um ator interessado:
Interesses Securitários: A UE prioriza controle migratório e acesso a recursos (petróleo, minerais críticos), como evidenciado no Fórum de Nice sobre Economia Azul (junho/2025). Jorge Moreira da Silva (ONU) alertou: sem investimentos em países em desenvolvimento, tratados oceânicos e climáticos falharão — mas a Europa direciona apenas 0.5% do necessário .
Protecionismo Dissimulado: O bloqueio francês ao acordo UE-Mercosul, sob
alegações ambientais, revela duplo padrão quando subsídios agrícolas europeus
persistem. Para Angola, isto sinaliza: a Europa não é parceira confiável para
integração económica estruturante.
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