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A Carga Tributária Ideal: Uma Análise Positiva e Normativa das Reformas Fiscais em Angola - Armando Coutinho

Nos últimos anos, Angola tem enfrentado o desafio de equilibrar as suas finanças públicas num cenário de receitas petrolíferas instáveis e necessidade crescente de investimento social. Neste contexto, o debate sobre a **carga tributária ideal** ganha relevo tanto sob a lente da análise **positiva** (o que é), quanto sob a perspectiva **normativa** (o que deveria ser).

De forma positiva, é inegável que o Governo angolano tem feito progressos significativos no alargamento da base tributária e na modernização do sistema fiscal. A introdução do IVA, a reforma do Código Geral Tributário, a criação da Administração Geral Tributária (AGT) e os investimentos em digitalização demonstram um esforço claro de construção de um sistema mais eficaz e abrangente.

Contudo, os dados mostram que a carga tributária em Angola ainda concentrada nas grandes empresas e no setor petrolífero é desequilibrada. Micro e pequenas empresas enfrentam um sistema complexo, com obrigações burocráticas pesadas, enquanto a informalidade continua dominante em grande parte da economia real. Além disso, as famílias de baixa renda sofrem com uma tributação indireta (via IVA e taxas administrativas) que muitas vezes é regressiva.

Do ponto de vista normativo, a carga tributária ideal em Angola deve ser **equilibrada, progressiva e promotora do investimento produtivo**. Isso significa:

1. **Aliviar a pressão sobre os pequenos contribuintes**

O Estado deve simplificar o regime fiscal para as microempresas e empreendedores informais, com taxas fixas, plataformas digitais simples e incentivos à formalização. O atual sistema, ao exigir contabilidade organizada e múltiplas declarações, torna-se inacessível para a maioria.

2. **Aumentar a progressividade do sistema fiscal**

É urgente rever o Imposto sobre o Rendimento do Trabalho (IRT), tornando-o mais progressivo e justo, protegendo os salários mais baixos. Ao mesmo tempo, tributar com mais eficiência os rendimentos do capital, lucros extraordinários e grandes patrimónios.

3. **Focar nos impostos que não distorcem a economia**

A tributação deve recair mais sobre o consumo de luxo, a propriedade urbana ociosa, os dividendos não reinvestidos e os fluxos financeiros ilícitos. Um sistema tributário moderno deve penalizar comportamentos improdutivos e recompensar a reinversão produtiva.

4. **Melhorar a transparência e a qualidade do gasto público**

A questão não é apenas *quanto* se cobra, mas *como* se gasta. Sem transparência na aplicação dos recursos arrecadados, a legitimidade da carga fiscal é corroída. A cidadania fiscal só é construída quando o contribuinte vê retorno tangível: escolas, hospitais, estradas, segurança.

5. **Articular a política fiscal com a diversificação económica**

O sistema tributário deve ser um instrumento de política industria. Reduções fiscais temporárias para setores estratégicos — como agroindústria, pescas, turismo ou TICs — podem acelerar a diversificação da base económica e reduzir a dependência do petróleo.

A política fiscal não pode ser apenas um mecanismo de cobrança — deve ser uma alavanca de desenvolvimento. Uma carga tributária ideal em Angola não será medida apenas em percentagem do PIB, mas na sua capacidade de equilibrar justiça social, simplicidade administrativa e estímulo à produtividade.
O país precisa de um **novo contrato fiscal**, em que Estado e contribuinte caminhem juntos rumo à prosperidade. A economia positiva explica os desequilíbrios atuais; mas é a economia normativa que nos desafia a imaginar e construir um sistema mais justo, mais eficiente e mais humano.

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