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Cancelado ou “esquecido” nas homenagens? - Duarte Carvalhais

Um velho adágio nos ensina que é difícil agradar a gregos e troianos. Vem isto a propósito das homenagens que vêm sendo feitas nas celebrações dos 50 Anos da Independência de Angola. São vários os casos de personalidades que foram ostensivamente canceladas, apesar de terem dado ao país muito de si ao longo deste meio século de liberdade. Se Jonas Savimbi e Holden Roberto são casos à parte e merecedores de uma análise também diferenciada por tudo o que representam para a história contemporânea de Angola, o mesmo não se pode dizer em relação a figuras do próprio MPLA, o partido que governa o país desde 1975.

Há cancelamentos que só podem ser explicados pela vocação autofágica do MPLA/Governo. Naturalmente que nessas circunstâncias a escolha de figuras a condecorar encerra sempre algum subjectivismo. Mas não é menos óbvio que as duas listas até agora publicadas estão prenhes de inúteis que pouco ou nada fizeram no decurso desse meio século, fossem quais fossem os critérios adoptados para a escolha. Não é sobre estes, entretanto, sobre quem este apontamento a propósito das homenagens pretende referenciar.

Nos mais diversos sectores da vida nacional há figuras cujo inestimável contributo para o país é inquestionável. Manuel Rabelais ou Graça Campos, na Comunicação são exemplos disso mesmo, mas foram “deletados”. Pelo menos até agora. Estes dois casos podem ser “entendíveis”, porque, cada um da sua forma, terá “indisposto” o MPLA/Governo. Há, porém, “esquecimentos” nada “entendíveis”. Um dos mais flagrantes é o de Bento Kangamba, um dedicado “cabo eleitoral” do MPLA, daqueles que deu a cara nos bons e nos maus momentos do Partido de que é membro. Quando em 2008 o orçamento da campanha eleitoral do MPLA se esfumou a meio do caminho, Bento Kangamba foi um dos maiores contribuintes singulares para que o “seu” Partido não parasse a campanha. Então, respondeu imediatamente à petição com a “injecção” de uns bons milhões (milhões e não milhares) de dólares. Outro grande contribuinte, na ocasião, foi Higino Carneiro, que está entre os homenageados, tendo sido reconhecido principalmente pelo seu empenho em diferentes negociações de Paz para Angola.

Goste-se dele ou não, tenha ele uma dicção que não agrada a muitos, seja ele pouco ou nada urbano, Bento Kangamba parece ter méritos mais do que suficientes para figurar em qualquer das listas. Não propriamente por ser o “empresário da juventude”, como se autoproclama, mas por outras e muitas atendíveis razões. Em meados da década de 1990, um momento crucial da história de Angola, foi uma das figuras-chave das FAA na ofensiva contra as Forças Militares da UNITA (FMU) na região diamantífera do Cuango, de onde eram extraídos os “diamantes de sangue” que alimentavam a guerra pós-eleitoral. Durante meses, na sua qualidade de logístico, esteve ao lado do Comandante Pepé na operação que condicionou a capacidade militar das FMU na região Leste de Angola. Foi esta acção que permitiu a retomada funcional dos projectos mineiros de Luzamba e de Cafunfo. Também esteve na alta hierarquia do Batalhão que fez o asseguramento militar da mina de Catoca, o maior empreendimento diamantífero do país, durante o tempo da guerra. É igualmente conhecida a sua intrepidez na “Operação Kangamba”, na década de 1980, de onde lhe veio a alcunha.

Se isso é pouco para merecer o reconhecimento como figura de destaque dos 50 Anos de Independência, é bom não perder de vista o enorme contributo que Bento Kangamba deu, com o seu Kabuscorp FC, ao desporto nacional. Com todas as dificuldades mantém o clube “vivo”, sendo já uma referência incontornável do desporto nacional, não só no futebol, mas também no andebol (a modalidade mais titulada do país) e no atletismo, modalidade a qual deu o melhor de si ao contratar atletas de primeira grandeza mundial para participarem na tradicional Corrida de São Silvestre.

É também sobejamente conhecida a sua actuação como mecenas da Cultura e do Desporto, sectores nos quais contribuiu de forma generosa para empoderar talentos. Muitos nomes da Cultura nacional conheceram o estrelato porque tiveram atrás de si a mão solidária de Bento Kangamba. A lista dos beneficiados é extensa e não cabe neste espaço. Para justificar o reconhecimento que merece, nem vale a pena trazer aqui a sua faceta de “cabo eleitoral”. Esta os seus correligionários do Partido conhecem-na de cor e salteado.

Possivelmente nos próximos dias o nome de Bento Kangamba venha a figurar numa lista de homenageados. Mas será sempre uma espécie de “condecorado de 3.ª ou de 4.ª Categoria”. Ao que parece, à medida que as listas vão sendo publicadas o peso dos homenageados baixa. Portanto, havendo várias inutilidades a “engordar” as listas de condecorados, não seria crime de lesa pátria se Bento Kangamba figurasse na longa relação nominal dos “eleitos”. Ou será que a ligação à família Dos Santos atrapalhou?

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