“Adilson, faz-me uma foto nesta licença…”, pedi no dia 02 de Abril de 2025, quando o relógio marcava 15 horas e 07 minutos, ao mais novo dos meus companheiros.
O documento, em nome de Domingos Paulo Salomão Gonga,
seria o ponto de partida de uma investigação que ligaria Cabinda à Vida
Pacífica por um fio de influência política, protagonizada por Mara Quisosa,
actual vice-presidente do MPLA.
Com base nos registos oficiais, a 20 de Junho de 2023, a então “manda chuva” de Cabinda nomeou Domingos Gonga para o cargo de assessor para a Área Política e Cooperação da governadora, conforme atesta o Despacho n.º 2300/23, publicado no Diário da República n.º 112, II Série.
Despacho de Nomeação publicado em Diário
da República
Esta nomeação despertou interesse e levantou
interrogações sobre o modo como Gonga, de quem se desconhecem as actuais
funções políticas, obteve uma licença de ocupação de um terreno que estava na
lista de bens imóveis apreendidos em Luanda pelo Serviço Nacional de
Recuperação de Activos (SENRA), órgão afecto à PGR.
A licença n.º 545/2024, emitida a 27 de Dezembro de
2024 por Demétrio António Brás de Sepúlveda, autorizava a ocupação de tais
terrenos, como se os mesmos já tivessem saído da esfera do SENRA, por uma
eventual anulação do processo que fez com que fossem arrestados.
Licença n.º 545/2024
Com a ascensão de Maria Quiosa ao cargo de
vice-presidente do MPLA, houve a necessidade de reenquadrar alguns dos seus
colaboradores directos que o acompanharam do Bengo para Cabinda e de Cabinda
para o Cuanza Sul, província de onde terá saído com dois recordes difíceis de
serem ultrapassados: o de primeira mulher a ocupar o cargo de governadora e o
de governante que menos tempo terá permanecido em funções.
Voltando aos seus colaboradores de confiança, Mara
Quiosa incitou contactos com os seus “camaradas” para que fossem colocados em
diversos departamentos governamentais.
Os municípios de Calumbo, Viana, Luanda e Sambizanga
foram prioritários na colocação e nomeação de pessoas próximas à segunda
responsável máxima do partido no poder, sobretudo em áreas ligadas à gestão
territorial e à habitação.
Em Icolo e Bengo, Quiosa impôs ao governador Auxílio
Jacob a nomeação de Miguel de Almeida, que por sua vez designou Joelson Joaquim
da Costa Gomes — esposo de sua irmã mais nova, residente na Vida Pacífica
(Prédio 15, Zona 2) — para o cargo de administrador municipal adjunto para a
Área Técnica, Infra-estruturas e Serviços Comunitários do Calumbo.
Deste modo, a teia familiar e política de Mara Quiosa
passou a ter controlo da distribuição de terrenos valiosos na Urbanização Vida
Pacífica, o que acabou por resultar num contratempo envolvendo o então
administrador municipal do Calumbo, Miguel de Almeida.
Recentemente, o então “homem forte” de Calumbo, que é
por sinal primo (como irmão) de Adão de Almeida, o “poderoso” ministro de
Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, embargou a demarcação
de um terreno adjacente ao Bloco 15, sem saber que estava ocupado por um
colaborador da vice-presidente do partido que sustenta o Governo.
Pouco depois, um homem de óculos escuros, que se
transportava em uma Land Cruiser, surgiu no local, ameaçou os fiscais que
tiveram tamanha ousadia (achando que estavam a fazer cumprir a lei) e os
advertiu de que qualquer material apreendido seria devolvido: “Da mesma forma
como estão a levar, vão trazer o material”.
Essa posição espantou a vizinhança, pois, duas horas
mais tarde, as obras de vedação constada na licença n.º 545/2024, emitida a
favor de Domingos Gonga, seguiram o seu curso normal, sendo que todo o material
foi restituído, tal como o homem havia anunciado.
Não se conhece a origem da ordem que determinou a
reversão do embargo. Contudo, Miguel de Almeida ordenou aos fiscais para não
voltarem a intervir naquele espaço, legitimando assim uma ocupação irregular.
No entanto, essa medida não o salvaria da exoneração. O seu destino já estava
traçado.
Entretanto, no dia 03 de Novembro de 2025, aquando da
exoneração de Miguel de Almeida, o governador Auxílio Oliveira Martins Jacob
informou a existência de vários processos encalhados no IGAI e na PGR,
relacionados com escândalos fundiários, sem, no entanto, mencionar os nomes dos
envolvidos.
Vedação constada na licença n.º 545/2024,
emitida a favor de Domingos Gonga
O ministro de Estado Adão de Almeida, primo de Miguel
de Miguel, tentou dissuadir o governador de afastar o seu familiar, mas sem
sucesso. O mesmo fez Mara Quiosa mas Jacob, sentindo-se com plenos poderes de
determinar o futuro do seu subordinado, decidiu manter a sua posição, dando a
entender que goza da protecção de alguém superior a Adão e Quiosa.
Na verdade, Mara Quiosa, vice-presidente do MPLA, que,
enquanto governadora de Cabinda foi assessorada por Domingos Gonga, é sobrinha
e antiga secretária pessoal do general José Tavares, amigo pessoal do
Presidente João Lourenço.
Os primos Adão de Almeida e Miguel de Almeida são
sobrinhos de Roberto de Almeida, líder histórico do MPLA, e de Deolinda
Rodrigues, a patrona da OMA, o braço feminino do partido no poder.
Já Auxílio Oliveira Martins Jacob, governador de Icolo
e Bengo, é próximo a Cerqueira João Lourenço, irmão do Presidente João
Lourenço, e foi o responsável directo pela exoneração de Miguel de Almeida. Até
à data, não obtivemos qualquer resposta à solicitação de contraditório aos
envolvidos, excepto de Miguel de Almeida que em resposta negou estar envolvido
em qualquer esquema de terreno: “Não acredito que o meu nome esteja vinculado a
algum embargo. A nível da Administração Municipal os embargos resultam de
processos conduzidos pela Fiscalização no quadro das suas Atribuições e sempre
em obediência a Lei”.
Segundo Miguel de Almeida a sua nomeação foi fruto de
um convite feito pelo governador da província do Icolo e Bengo: “na manhã do
dia 5 de Janeiro do Ano corrente, recebi a ligação do Sr. Governador
Auxílio Jacob a convidar- me para exercer o cargo de Administrador Municipal de
Calumbo, depois de explicar- me os objectivos da missão, verificando que
tratava -se de servir o interesse público, aceitei o Cargo” disse.
“Na minha curta gestão nunca por acto ou omissão
alguém foi favorecido a fazer ocupação ilegal de terreno. Se por lapso alguém o
fez então os órgãos competentes devem actuar para repor a legalidade e
responsabilizar quem se provar culpado” disse Miguel de Almeida.
De realçar que, à semelhança das ocupações, na
Centralidade Vida Pacífica decorrem também as ocupações na centralidade do
Kilamba, sem que se saiba quem são os proprietários, uma vez que a maioria das
obras são executadas sem exibição de licença.
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