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Sonhei com nobreza política - Luzia Moniz

 Na noite passada, sonhei que o Presidente do meu País foi ao Parlamento para, sem truques, dirigir uma mensagem ao Povo, o soberano, sobre a verdadeira situação do Estado, seus fracassos e formas de, em conjunto, encontrarmos soluções para a pior crise social e económico-financeira da nossa História pós-Independência.

Nessa comunicação centrada na dignidade humana, o Presidente do meu País pediu a todos os deputados, “todos, todos, todos” que ignorassem as cores políticas, como ele fizera, e que colocassem a salvação e a dignidade dos cidadãos acima de “estúpidas” querelas partidárias.

Disse com todas as letras que a Pátria vivia numa situação de emergência, numa “tragédia socio-económica”, causada pela herança interna (partidária) e externa (colonização, descolonização e luta contra o apartheid), mas também por “clamorosos erros” seus que inviabilizaram a transformação do Pais num lugar bom para se viver e com uma classe política consciente de que o “mais importante é resolver os problemas do Povo”

Aberto a críticas, o Presidente do meu País foi sozinho ao Parlamento, sem o exército de vice-presidente, ministros de Estado, ministros, secretários, assessores ou acessórios disto e daquilo para “evitar que a bajulaçao”, esse “cancro promotor da corrupção política” atrapalhasse o momento e a mensagem que decidira dirigir ao Povo.

Começou por reconhecer que o modelo político ainda em voga no País é gerador de desigualdades e de pobreza, “melhor de miséria” e com isso, coloca a maioria da população na indigência.

Assim, pediu aos deputados e através deles, a “todos os agentes políticos” que reconheçam que está esgotado o actual modelo político, “em que somos (a classe política) os únicos privilegiados e benificiários das riquezas do País”.

Pediu desculpas pelos milhões de crianças fora do sistema de ensino, por termos escolas sem condições dignas para ensinar e aprender, apesar dos gigantescos recursos que o Pais possui. “Temos de reconhecer que falhámos, que não falhou apenas Presidente, falhou o País”, disse embargando a voz e assegurando que “eu passo, estou a passar, mas o País fica e tem de ficar”.

Perante tantos aplausos, na sua comunicação, transmitida em directo por todas as rádios do País, canais de TV, incluindo piratas e outras plataformas de informação e comunicação, o Presidente apelou ainda aos deputados a assumirem as suas responsabilidades na construção de um novo modelo que, “sem ser milagroso, não deixe ninguém para trás e transmita esperança ao Povo.

Reconheceu que, contrariamente ao que dissera antes, a fome e a pobreza não são relativas e, citando os sindicatos nacionais, sublinhou que a ”fome não é escolha”. Divulgou as verdadeiras estatísticas sobre o desemprego, nomeadamente o jovem, a falta de assistência médica e medicamentosa, os projectos falhados e o cancro social, as desigualdades, base do fosso entre a classe política e o resto da população.

“A fome não pode esperar, a miséria não pode esperar”, disse, garantindo que “mais nenhuma criança vai morrer à fome” no Pais. Para tal, disse que “temos todos (a elite política) de perder os nossos luxos para salvarmos as nossas crianças”.

O Presidente sublinhou que a grave situação de Angola vem dar razão ao filósofo moçambicano José Castiano que insistentemente nos tem lembrado de que “se queres criar bancarrota de um País, é só desorganizar a Educação”.

Para combater a pobreza, as desigualdades, a criminalidade e “deixarmos de ser um Estado pária”, transmitir valores culturais, éticos e morais, o Presidente do meu País elegeu a Educação como o maior desígnio nacional. “Temos de ter todas as crianças no sistema de ensino e escolas de qualidade que ensinem também a pensar e onde a criança e/ou o jovem são o centro do sistema”, propôs.

Com ar circunspecto, mas seguro, contou humildemente que a sua mudança deve-se, sobretudo, a tomada de consciência (histórica e política) de que é preciso libertar o País das amarras da indignidade que há décadas escraviza o Povo.

Nesse contexto, chamou os deputados “com humildade e reponsabilidade” a unirem-se a si para dar início a construção de uma nova Nação, centrada na dignidade das mulheres, das crianças e dos homens. “De todos, sem excepção”, repetiu.

Por outro lado, propôs que se substitua “o País de militantes por um Estado de cidadãos iguais, em direitos e justiça social, onde o tenebroso passado recente seja encarado de frente como um percurso, mau, mas passageiro, e sobre o qual estamos dispostos a trabalhar para que nunca mais volte”.

Pela dignidade das populações e para que cada cidadão nacional se sinta bem na terra que o viu nascer, defendeu a criação de uma “ Pátria de inclusão, contra todo o tipo de discriminação de género, étnico-racial, territorial, política e económica.”

Na sua opinião, com “as portas da miséria escancaradas, sobretudo na nossa capital, é imperioso negociarmos com os sindicatos questões como a melhoria das condições laborais e salariais, acabar com a prepotência e imposição de decisões unilaterais”. E, citando Julius Nyerere, lembrou que os políticos devem ter sempre “as portas abertas para o diálogo”.

Nesse contexto e pensando na dignidade de quem trabalha, principalmente dos que auferem o salário mínimo, e na equitativa distribuição da riqueza, revelou a sua intenção de negociar, na concertação social, a indexação dos salários da função pública e da administração do Estado ao salário mínimo nacional, depois de revisto, bem como a eliminação das despropositadas regalias dos políticos.

Assim, propôs um salário minino que sirva de base para a construção de todos os salários, incluindo o seu, para que os trabalhadores possam com o rendimento do seu trabalho viver com dignidade, mas também para que o Estado deixe de ser fonte de enriquecimento desproporcional e ilícito de alguns e promotor de injustiças sociais.

Deu como exemplo de desmesuradas regalias dos políticos “que custam milhões ao País” e que devem ser “imediatamente eliminadas” os inúmeros subsídios, as viagens de “familiares e proto familiares” dos políticos bem como férias e visitas privadas dos governantes, familiares e “apêndices” em locais luxuosos com “comitivas exorbitantes”

O Presidente do meu País advertiu que “se não fizermos isso, as gerações vindouras, tal como os nossos pais, avôs e tataravôs terão igualmente de lutar contra novas formas de dominação vindas do estrangeiro, algumas das quais subtis”.

Por conseguinte, aproveitou para contar as dificuldades que tem enfrentado nas tentativas de renegociação da dívida externa nacional, nomeadamente com os credores que já perceberam que “quanto mais escondemos do nosso Povo a questão, mais os credores nos chantageiam, porque sabem que estamos reféns da nossa própria estratégia de opacidade”.

Lamentou e assumiu a responsabilidade pela intolerância política, consubstanciada em assassinatos e outro tipo de violência, praticada pela polícia nacional, serviços de segurança e até por militares que instruídos ou perante o silêncio da “minha voz crítica de comandante em chefe e de mais alto magistrado da Nação”, praticam actos ignóbeis.

Consciente de que estava a propor uma revolução com a participação de todos os actores, assegurou-se de que o seu apelo chegava realmente a todos os angolanos, no País e na Diáspora, para que, imbuídos do espírito e da letra do Hino Nacional, ajudassem a construir o verdadeiro poder popular com a realização das autarquias, com o Povo a escolher livremente “como e por quem quer ser governado”.

Em matéria de Liberdade de Imprensa e de Expressão, assegurou o fim da captura dos órgãos de comunicação social de capitais públicos, a libertação dos presos políticos e de consciência, bem como o livre exercício dos jornalistas para que “objectiva e responsavelmente” façam o seu trabalho de “escrutinadores e fiscais dos nossos desvios e falhas”.

Aos juízos e magistrados, disse “não à busca de Justiça sem Liberdade, mas também, Não à Liberdade sem Justiça, parafraseando os filósofos moçambicanos Severino Ngoenha e José Castiano, no “Manifesto por uma terceira via”.

A medida que a longa e manuscrita intervenção do Presidente ia avançando, em frente ao Parlamento centenas de milhares de cidadãos concentravam-se espontaneamente e cheios de esperança de um futuro melhor para as gerações vindouras.

Zungueiras, estudantes, sindicalistas, kunangas, professores, médicos, enfermeiros, operários, camponeses, funcionários públicos, artistas, intelectuais e até doentes internados no hospital Josina Machel, numa só voz gritavam e cantavam “Angola renasceu! Viva Angola! e “o mais importante é a dignidade do Povo!”.

Dentro do Parlamento, o Presidente preparava o País para um Novo Pacto de Sociedade assente no respeito da dignidade humana de todos, incluindo dos prevaricadores, sem vinganças, sem justiça pelas próprias mãos, nem revanche, para a construção de um Pais melhor para as próximas gerações

Por fim, o Presidente do meu Pais não se esqueceu da luta dos povos oprimidos, como o da Palestina, dos “inaceitáveis conflitos” em África, nomeadamente no Sudão, na RDC, em Moçambique e outros, bem como a urgência da integração africana para “unidos vencermos o inimigo” e as novas formas usadas para dominar os “nossos” povos.

Quando acordei, aqui em Moçambique, meu lugar de felicidade e de bons sonhos, fui meditar sobre o País que (ainda) não temos, contemplar o Indico e ouvir o meu mano Jorge Ferrão, panafricanista, reitor da Universidade Pedagógica de Maputo, recordar provérbios moçambicanos como este: “não há ninguém tão grande que não precise de ajuda, nem ninguém tão pequeno que não possa ajudar”.

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