Finalmente, Angola descobriu a chave-mestra para resolver os complexos problemas de avaliação de danos económicos causados por actos de vandalismo: a certidão da Polícia Nacional! Esqueçam economistas, auditores e peritos em seguros. O novo oráculo da verdade e da justiça empresarial veste farda azul e carrega um bloco de papéis carimbados.
Os Decretos Presidenciais n.º 150/25 e n.º 151/25, publicados no Diário da
República de 4 de Agosto de 2025, surgem como resposta relâmpago aos actos de
vandalismo de finais de Julho. Palmas para o Executivo, que correu como um
bombeiro sem mangueira para salvar as empresas. Mas, como já é tradição, a
pressa matou a ponderação.
A exigência de uma certidão da Polícia Nacional de Angola como único
documento válido para provar prejuízos empresariais é, no mínimo,
revolucionária. Quem diria? A mesma instituição que se atrasa para acudir a um
assalto ou que nos manda “voltar amanhã” virou agora autoridade máxima em
avaliação de perdas patrimoniais e financeiras. Digno de um Nobel de Gestão
Pública Improvisada.
1. Polícia Nacional: de segurança pública a perito financeiro?
Afinal, por que não? Segundo esta lógica brilhante, se um polícia pode
verificar que houve uma briga na esquina, por que não confiar-lhe também a
tarefa de calcular os danos materiais, a depreciação de activos, os fluxos de
caixa perdidos e até a quebra da cadeia de fornecimento? Peter Drucker que se
cuide. Em Angola, o verdadeiro especialista em gestão empresarial tem apito e
algemas.
Como dizem Ferreira e Pina (2021), com um tom que agora soa quase ingénuo,
“a boa governação pública exige a atribuição de funções específicas a
instituições competentes”. Competência? Para quê? Temos a polícia, temos o
carimbo. Que venha o cheque.
2. Onde estão a ASAN e a OCPA? A passear na marginal?
Ora, incluir a Associação de Seguradoras de Angola (ASAN) e a Ordem dos
Contabilistas e Peritos de Angola (OCPA) na avaliação dos danos seria pedir
demais. Estamos a falar de técnicos que entendem de avaliação de riscos,
contabilidade, seguros e auditoria. Que luxo desnecessário.
Michael Power (2007) falava de confiança nas instituições com base na sua
capacidade técnica. Mas aqui em Angola, nós confiamos é no “agente Manel”, que
já fez quatro “certidões” ontem e duas delas eram para familiares. Afinal, o
importante é carimbar, não entender o que se está a certificar.
3. Manual da corrupção simplificada: carimbo e amizade
Com um processo destes, não faltará emoção. Empresas verdadeiramente
lesadas serão ignoradas por não conseguirem a famosa certidão policial. Já os
oportunistas de sempre, com as suas conexões e envelopes gordos, aparecerão
magicamente na lista dos beneficiários.
O Banco Mundial já alertou em 2021 que “apoios em contextos frágeis devem
ser acompanhados de mecanismos de verificação independentes”. Mas quem precisa
disso quando se tem um sistema assente na lógica do “conheço alguém na
esquadra”?
4. Proposta para um roteiro de comédia institucional
Sim, vamos fingir que ainda dá para salvar os decretos. Propõe-se:
Que a certidão policial fique apenas como prova de vandalismo e não da
queda do lucro empresarial de Julho.
2. Que a avaliação dos prejuízos materiais e financeiros seja atribuída à ASAN,
à OCPA ou a peritos independentes certificados.
3. Que se crie uma comissão técnica interinstitucional para acompanhar e
validar os processos, composta por representantes da Polícia, da banca, das
ordens profissionais e dos Ministérios das Finanças, do Comércio, da Indústria
e do Planeamento, com a coordenação do Ministro de Estado para a Coordenação
Económica.
4. Que os relatórios de avaliação sejam arquivados digitalmente numa base de dados acessível aos órgãos de controlo como o Tribunal de Contas e a IGAE.
5. Final feliz? Só se for na novela!
Amartya Sen, em 1999, já dizia que “uma boa política é aquela que produz
resultados justos, sustentáveis e verificáveis”. Mas em Angola, temos uma
política que produz relatórios, papelada e longas entrevistas em canais
públicos. Os resultados, esses, entram para o departamento de ficção
científica.
Deixar tudo nas mãos da Polícia é como pedir a um pescador para fazer uma
cirurgia cardíaca. Vai tentar, mas o doente pode não sair vivo.
Conclusão irónica: entre o caos e a certidão, o carimbo é rei!
Enquanto isso, seguimos em frente. As empresas esperam, os oportunistas
avançam, os decretos acumulam pó e as certidões da Polícia tornam-se o
documento mais poderoso do país. Mais do que o BI, mais do que o alvará, mais
do que o diploma universitário. Quem diria que o caos administrativo renderia
tanta comédia?
Senhor Presidente, ministros e técnicos do Executivo. Não basta parecer que
se está a governar. É preciso mesmo governar com seriedade. E, por favor,
deixem os polícias fazer o seu trabalho e entreguem os cálculos a quem entende
de números.
Porque reconstruir Angola não se faz com improviso e boa vontade. Faz-se
com competência, fiscalização séria e, acima de tudo, vergonha na cara.
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