Há um momento revelador no agora infame confronto de estúdio entre Carlos Rosado de Carvalho e o moderador Alves Fernandes quando este último, exasperado, declara: “Eu mando aqui, porque sou pago para isso.” Essa única frase, proferida com autoconfiança teatral, encapsula uma disfunção central na atual cultura mediática de Angola: a confusão entre ego e julgamento editorial, crítica institucional e afronta pessoal, e moderação com autoridade.
O confronto começou quando Rosado, um comentador conhecido pelas suas
opiniões apaixonadas e grande audiência, levantou uma preocupação legítima
sobre o Telejornal—o boletim informativo principal da emissora estatal
angolana, TPA. A sua crítica era clara: o programa carecia de rigor editorial,
servindo mais como plataforma para mensagens institucionais do que para
jornalismo de serviço público. Em vez de se envolver com a substância do
argumento, Fernandes tratou o comentário como um ataque pessoal ao jornalista
Joaquim Jaime, convidado no estúdio. Mas seria Jaime uma flor tão delicada que
precisava de ser tão veementemente defendido?
O resultado não foi debate, mas colapso—uma espiral rápida em direção à
defensiva, discurso interrompido e ameaças de expulsão. O intercâmbio revela
uma falha profunda de comunicação enraizada em três questões interligadas:
poder, emoção e falta de foco profissional.
Primeiro, houve uma ausência marcante de escuta ativa. Nenhum dos homens
permitiu ao outro completar um pensamento. Esclarecimentos foram interrompidos,
e tréplicas foram atropeladas enquanto falavam um pelo outro. A invocação de
controlo por parte de Fernandes—“eu mando aqui”—fechou a porta a qualquer
espaço colaborativo, transformando o estúdio numa sala de tribunal onde ele era
simultaneamente juiz e procurador.
Isto transformou o desacordo de uma discussão sobre o Telejornal numa luta
de poder crua sobre quem podia definir a narrativa naquele momento. Segundo, a
cena estava emocionalmente carregada ao ponto da combustão. Acusações de
provocação (“Tu estás-me a provocar”) voaram com ritmo maníaco. Isto é o
clássico afogamento emocional, um estado onde a excitação elevada compromete o
processamento cognitivo. Nesse estado, nenhum conseguia escutar, quanto mais
pensar claramente. Cada frase tornou-se um gatilho, e os apelos de Fernandes à
calma (“Calma, Carlos”) foram tornados inúteis pelo seu próprio tom
autoritário.
O verdadeiro objeto da crítica—o Telejornal da TPA—é um símbolo do
mal-estar mais profundo que aflige as instituições públicas de Angola. Quando
Rosado insistiu, “não estou a avaliar o Jaime, estou a avaliar o órgão”,
articulou o ponto central: isto não era pessoal, era sistémico. Mas Fernandes
não conseguiu ouvir dessa forma, talvez porque os média públicos em Angola
estão tantas vezes apanhados no fogo cruzado da suspeita política. Numa
sociedade onde a confiança pública é frágil, até a crítica justa pode parecer
sabotagem.
Há também algo distintamente cultural no intercâmbio. A franqueza, o volume
elevado e a familiaridade de usar os primeiros nomes—Jaime, Carlos—sinalizam
uma cultura mediática onde a informalidade e o confronto coexistem. O apelo de
Fernandes à sua própria antiguidade—“Eu sou diretor de informação da MFM e
mando aqui”—fala de uma hierarquia relacional que é profundamente pessoal, não
meramente profissional. Em muitos contextos angolanos, os confrontos públicos
carregam uma dimensão performativa, um ritual de afirmação de autoridade onde o
respeito, estatuto e antiguidade são centrais.
No seu cerne, este confronto foi sobre duas figuras mediáticas proeminentes
presas numa colisão de identidades, papéis e histórias não resolvidas. O apelo
à autoridade de Fernandes não foi apenas profissional—foi pessoal. A recusa de
Rosado em ceder não foi apenas intelectual—foi existencial. Cada um estava a
defender não apenas um ponto de vista, mas um lugar no ecossistema mediático.
Devo declarar um interesse nesta questão por uma questão de transparência:
Carlos Rosado de Carvalho é um amigo com quem partilho conhecidos. Certamente
adoraria conhecer Alves Fernandes e participar no seu programa.
Em última análise, o que aconteceu naquele estúdio é um reflexo da luta
mais ampla de Angola para construir uma cultura de discurso democrático. Uma
paisagem mediática forte não pode ser construída se cada desacordo termina num
impasse, se a crítica é confundida com traição, ou se os jornalistas não
conseguem confiar uns nos outros. Para avançar, os média angolanos precisam de
uma nova banda sonora. Que seja jazz—improvisacional, colaborativo e construído
na escuta—não a sirene estridente da autoridade a calar o debate.
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