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Manifesto pela decĂȘncia - Jorge Eurico

Paulo de Carvalho (sociĂłlogo, deputado Ă  Assembleia Nacional e membro do ComitĂ© Central do MPLA) lançou uma verdadeira pedrada no charco da pusilanimidade que domina a direção do seu prĂłprio partido e, por extensĂŁo, a governação do PaĂ­s. O ensaio intitulado “SubsĂ­dios da Desgraça” Ă© um libelo vigoroso. LĂșcido e oportuno. Um ensaio que arrasa a paisagem da cobardia polĂ­tica e do modismo da conveniĂȘncia. ExpĂ”e o MPLA ao espelho sem maquilhagem nem desculpas. Coloca-o frente a frente consigo prĂłprio. Um verdadeiro subsĂ­dio Ă  cegueira, Ă  complacĂȘncia e Ă  ruĂ­na do PaĂ­s. Um texto que abala os pilares das estruturas cĂșmplices da governação.

O artigo de Paulo de Carvalho deveria ser encadernado e colocado Ă  cabeceira dos auxiliares do Titular do Poder Executivo, com especial destaque para a equipa econĂłmica. Mais do que uma anĂĄlise, trata-se de um alerta. Um diagnĂłstico e um apelo. Todos os dirigentes do MPLA deveriam estudar este texto como um manual de governação responsĂĄvel.

Paulo de Carvalho problematiza. PropĂ”e. Denuncia e mobiliza consciĂȘncias. Diz, com coragem e rigor, aquilo que muitos dos seus camaradas apenas murmuram em privado, por medo de perder privilĂ©gios.

No seu artigo, Paulo de Carvalho quebra o silĂȘncio cĂșmplice e fala com o peso de quem conhece o partido por dentro e a sociedade por inteiro. É fogo contra um enxame de abelhas. Uma crĂ­tica implacĂĄvel Ă  passividade estrutural da direção do MPLA perante a forma como os destinos do Estado angolano tĂȘm sido conduzidos. A mensagem Ă© clara: Ou o MPLA se reforma, ou serĂĄ afastado. Pelas urnas ou pela força. É o grito que faltava. E mais: se o partido continuar no actual compasso de alienação polĂ­tica, o sistema poderĂĄ implodir.

Paulo de Carvalho recorre Ă  memĂłria de momentos de ruptura na histĂłria recente de Angola (1974, 1977 e 1992 ) para lembrar que, quando as lideranças se afastam do cidadĂŁo e da realidade, a HistĂłria volta para ajustar contas. E avisa: os sinais de colapso estĂŁo Ă  vista. Este texto poderia ter sido escrito a vĂĄrias mĂŁos, pelos membros do Bureau PolĂ­tico e do ComitĂ© Central do MPLA, como gesto de responsabilidade polĂ­tica e histĂłrica. Seria um sinal de patriotismo. Mas ninguĂ©m ousa falar. Por medo. Por comodismo. Por conveniĂȘncia.

Paulo de Carvalho assumiu o barulho e carregou, nos ombros, o peso que deveria ser partilhado por toda a direção do partido. Pensou em voz alta num partido que vive de silĂȘncios. Onde a “gestĂŁo do silĂȘncio” se tornou cultura dominante, usada para disfarçar a incompetĂȘncia polĂ­tica.

Paulo de Carvalho mostrou a sua bravura intelectual e polĂ­tica num manifesto contra a mordaça no MPLA. Um clamor pela decĂȘncia polĂ­tica no seio do partido no poder. Esperemos que agora nĂŁo lhe mordam os calcanhares. Que nĂŁo tentem silenciĂĄ-lo ou marginalizĂĄ-lo por ter feito o que os outros nĂŁo tĂȘm coragem de fazer: Pensar em voz alta e dizer a verdade.

“SubsĂ­dios da Desgraça” Ă© tambĂ©m um subsĂ­dio de graça e de coragem no sentido polĂ­tico, moral e intelectual. É uma contribuição rara que merece ser lida e relida por todos os que ainda acreditam que Angola pode mudar pela via da lucidez e da coragem. Um marco Ă©tico da parte de Paulo de Carvalho, num cenĂĄrio em que o silĂȘncio se tornou polĂ­tica de Estado. Houvesse mais polĂ­ticos dentro do partido com a coragem e a clarividĂȘncia de Paulo de Carvalho, talvez a destruição do MPLA por JoĂŁo Lourenço nĂŁo corresse a “bom ritmo”, como se constata. O PaĂ­s nĂŁo estaria Ă  beira do abismo.

Pergunta de algibeira: Quantos mais alertas como este são precisos para que o MPLA ouça o País? Quantas vezes mais tem de ser dita a verdade, até que deixe de ser tratada como afronta?

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