Paulo de Carvalho (sociĂłlogo, deputado Ă Assembleia Nacional e membro do ComitĂ© Central do MPLA) lançou uma verdadeira pedrada no charco da pusilanimidade que domina a direção do seu prĂłprio partido e, por extensĂŁo, a governação do PaĂs. O ensaio intitulado “SubsĂdios da Desgraça” Ă© um libelo vigoroso. LĂșcido e oportuno. Um ensaio que arrasa a paisagem da cobardia polĂtica e do modismo da conveniĂȘncia. ExpĂ”e o MPLA ao espelho sem maquilhagem nem desculpas. Coloca-o frente a frente consigo prĂłprio. Um verdadeiro subsĂdio Ă cegueira, Ă complacĂȘncia e Ă ruĂna do PaĂs. Um texto que abala os pilares das estruturas cĂșmplices da governação.
O artigo de Paulo de Carvalho deveria ser encadernado e colocado à cabeceira dos auxiliares do Titular do Poder Executivo, com especial destaque para a equipa económica. Mais do que uma anålise, trata-se de um alerta. Um diagnóstico e um apelo. Todos os dirigentes do MPLA deveriam estudar este texto como um manual de governação responsåvel.
Paulo de Carvalho problematiza. PropĂ”e. Denuncia e mobiliza consciĂȘncias. Diz,
com coragem e rigor, aquilo que muitos dos seus camaradas apenas murmuram em
privado, por medo de perder privilégios.
No seu artigo, Paulo de Carvalho quebra o silĂȘncio cĂșmplice e fala com o
peso de quem conhece o partido por dentro e a sociedade por inteiro. Ă fogo
contra um enxame de abelhas. Uma crĂtica implacĂĄvel Ă passividade estrutural da
direção do MPLA perante a forma como os destinos do Estado angolano tĂȘm sido
conduzidos. A mensagem Ă© clara: Ou o MPLA se reforma, ou serĂĄ afastado. Pelas
urnas ou pela força. à o grito que faltava. E mais: se o partido continuar no
actual compasso de alienação polĂtica, o sistema poderĂĄ implodir.
Paulo de Carvalho recorre Ă memĂłria de momentos de ruptura na histĂłria
recente de Angola (1974, 1977 e 1992 ) para lembrar que, quando as lideranças
se afastam do cidadĂŁo e da realidade, a HistĂłria volta para ajustar contas. E
avisa: os sinais de colapso estĂŁo Ă vista. Este texto poderia ter sido escrito
a vĂĄrias mĂŁos, pelos membros do Bureau PolĂtico e do ComitĂ© Central do MPLA,
como gesto de responsabilidade polĂtica e histĂłrica. Seria um sinal de
patriotismo. Mas ninguĂ©m ousa falar. Por medo. Por comodismo. Por conveniĂȘncia.
Paulo de Carvalho assumiu o barulho e carregou, nos ombros, o peso que deveria ser partilhado por toda a direção do partido. Pensou em voz alta num partido que vive de silĂȘncios. Onde a “gestĂŁo do silĂȘncio” se tornou cultura dominante, usada para disfarçar a incompetĂȘncia polĂtica.
Paulo de Carvalho mostrou a sua bravura intelectual e polĂtica num manifesto
contra a mordaça no MPLA. Um clamor pela decĂȘncia polĂtica no seio do partido
no poder. Esperemos que agora nĂŁo lhe mordam os calcanhares. Que nĂŁo tentem
silenciĂĄ-lo ou marginalizĂĄ-lo por ter feito o que os outros nĂŁo tĂȘm coragem de
fazer: Pensar em voz alta e dizer a verdade.
“SubsĂdios da Desgraça” Ă© tambĂ©m um subsĂdio de graça e de coragem no sentido
polĂtico, moral e intelectual. Ă uma contribuição rara que merece ser lida e
relida por todos os que ainda acreditam que Angola pode mudar pela via da
lucidez e da coragem. Um marco ético da parte de Paulo de Carvalho, num cenårio
em que o silĂȘncio se tornou polĂtica de Estado. Houvesse mais polĂticos dentro
do partido com a coragem e a clarividĂȘncia de Paulo de Carvalho, talvez a
destruição do MPLA por JoĂŁo Lourenço nĂŁo corresse a “bom ritmo”, como se
constata. O PaĂs nĂŁo estaria Ă beira do abismo.
Pergunta de algibeira: Quantos mais alertas como este sĂŁo precisos para que
o MPLA ouça o PaĂs? Quantas vezes mais tem de ser dita a verdade, atĂ© que deixe
de ser tratada como afronta?
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