Decorrem de incompetência, ingenuidade política ou mera vaidade pessoal os movimentos erráticos que vamos assistindo da parte do Presidente da República e que estão a conduzir gradualmente o país a um beco sem saída? Consideramos que já se impõe um olhar mais atento ao perfil de quem esteja actualmente à frente dos órgãos de soberania para que se possa fazer uma adequada avaliação de desempenho de cada um dos titulares.
É que a ameaça de descarrilamento que estamos a assistir no país, como bem
o demonstram as dramáticas e violentas ocorrências da última semana, tem também
muito a ver com o perfil daqueles que nos conduzem, muitos dos quais não fazem
por investir o mínimo no bom-senso e na inteligência emocional para garantir o
normal funcionamento das instituições, em conformidade com os requisitos do
Estado Democrático de Direito, e assegurar o bem-estar das populações e do país
em geral.
É facto que isso se verifica desde 1975. Mas não é menos verdade que a
situação se degradou ainda mais com o fim do consulado de José Eduardo dos
Santos. No regime de JES, há que reconhecer que havia alguma elegância e tacto
na condução das instituições, independentemente de que se possam tecer,
legitimamente, críticas a aspectos do seu longo consulado como a corrupção
generalizada, o açambarcamento e rapina dos recursos do Estado pela elite, a
repressão e a limitação das liberdades.
Neste quesito, talvez o segredo consistisse em pormenores respeitantes à
selecção e escolha das figuras que presidiam os órgãos de soberania e
institutos públicos como Assembleia Nacional, tribunais superiores,
ministérios, etc. Individualidades de incontestável experiência política,
elasticidade intelectual e idoneidade a exemplo de França Van-Dúnem (em
memória), o veterano Roberto Victor de Almeida e o mui carismático Fernando da
Piedade Dias Dos Santos “Nandó”, tinham o condão de estabelecer pontes de diálogo
e de equilíbrio, seja entre pares, seja com aqueles que fossem de cor política
diferente.
Com essas figuras os consensos eram possíveis e alargados. Ademais,
assumiam-se como verdadeiros titulares do órgão de soberania Assembleia
Nacional, coisa que desapareceu nesta Quinta Legislatura. O Presidente Nandó
era um verdadeiro líder nas Reuniões Plenárias. O Deputado sentia-se seguro e
respeitado na sua acção, independentemente do partido a que pertencia. Aferir a
avaliação de desempenho de cada um dos titulares.
Na sua obra sobre estratégia, o historiador e teórico militar britânico
Liddell Hart (1895-1970) afirma que «os maiores impostores fazem de tudo para
encobrir as suas virtudes traiçoeiras. Cultivam um ar de pessoas honestas, numa
área, para disfarçar a sua desonestidade noutras áreas. E uma das ferramentas
eficazes que usam para deixar os restantes desorientados é a falsa
sinceridade”. Ou seja, como geralmente as pessoas confundem sinceridade com
honestidade, o primeiro instinto delas é o de confiar nas aparências, e como as
pessoas valorizam a honestidade dos que as rodeiam, raramente irão duvidar de
si ou perceber o que está a fazer.
Coincidência ou não, trazendo para a realidade de Angola o pensamento de
Liddel Hart, verificamos que a sua ideia retrata no todo o comportamento do
actual inquilino do Palácio da Cidade Alta. No início, antes de lá chegar,
parecia uma personalidade calma e serena, tendo conseguido ludibriar tudo e
todos, até o seu próprio mentor político. Mas mal o colocaram no “trono”, a sua
verdadeira personalidade veio ao de cima.
Ora, o rumo de uma sociedade avalia-se pela cabeça da estrutura que tem a
incumbência de organizar e fazer funcionar o aparelho do Estado. Quando há
desequilíbrio cognitivo da estrutura superior, o descarrilamento da máquina se
torna inevitável e pode, eventualmente, conduzir aos caos.
Por isso, não decorre de nenhum acaso que Angola esteja hoje num perigoso
cenário a abeirar-se do caos. Tudo isso tem a ver com as más, más práticas que
o novo timoneiro do regime vem cometendo na gestão da coisa pública, cujo
inventário já é bastante sintomático. Na presidência da União Africana, foi
desalojado da mediação da paz entre as repúblicas do Ruanda e RDC exactamente
devido ao comportamento dúbio. A nível doméstico, a promessa do combate à
corrupção e a fenómenos nocivos como o nepotismo, monopólios e bajulação não
passou de uma quimera, resultando numa implosão de sentido inverso.
Processos como os da CIVICOP, o sepultamento do general Ben-Ben e a entrega
das ossadas do Dr. Jonas Malheiro Savimbi à família e a UNITA, que a princípio
pareciam ser iniciativas nobres e convergentes com o ideal genuíno de unidade e
reconciliação nacional, degeneraram-se subitamente, transformando-se em arma de
arremesso contra a UNITA, o seu patrono, e Adalberto Costa Júnior, actualmente
combatido até à exaustão.
Tal como se verifica em relação à CIVICOP, o processo de condecorações
actualmente em curso também se mostra viciado, inquinado e direcionado para
esse “combate até à exaustão”, senão vejamos:
1. Tratando-se de uma iniciativa inscrita na comemoração dos 50 anos de
Independência Nacional, nada mais lógico que a prioridade dos condecorados
recaísse sobre os três grandes líderes do processo de emancipação e libertação,
historicamente reconhecidos como os “pais da Independência” – designadamente
Álvaro Holden Roberto, António Agostinho Neto e Jonas Malheiro Savimbi. Mas,
complementarmente, reconhecendo-se o contexto complexo da época (1979) em que
chega ao poder e os anos que marcam o seu extenso consulado, é justo que José
Eduardo dos Santos seja integrado ao grupo dos três, perfazendo quatro grandes
senhores.
2. O segundo patamar dos condecorados caberia ao actual Presidente da
República; aos presidentes e ex-presidentes de partidos políticos com assento
parlamentar; aos presidentes e ex-presidentes dos órgãos de soberania
(Assembleia Nacional, Tribunal Constitucional, Tribunal Supremo e Tribunal de
Contas).
3. O terceiro grupo dos condecorados caberia, então, a um restrito número
de individualidades devidamente seleccionadas, com contributos inescamoteáveis
aos processos de Independência Nacional ou pela Paz e Desenvolvimento.
Afinal, uma condecoração é uma honra, uma distinção atribuída a
individualidades como forma de reconhecimento pelo mérito dos serviços
prestados em âmbitos como a ciência, carreira militar, política, artística,
civil, assistência humanitária, etc. É sempre, portanto, uma distinção com
elevado grau de simbolismo.
Mas quando as condecorações são feitas de forma hiperbólica e na base da
filiação política, o simbolismo e a elevação desaparecem e o acto em si se
torna num instrumento de mera propaganda política, como é o caso vertente. Tal
como se apresentam as actuais condecorações, dúvidas não sobram de que configuram
um desvio populista, com o fim de consagrar a hegemonia dos 50 anos do MPLA no
poder. Trata-se de um processo claramente alinhado aos interesses do partido no
poder, num momento em que a sua imagem e a dos seus líderes não só se mostram
nitidamente desgastadas, como atingiram o fundo do poço.
Verifica-se perfeitamente que estão de fora das condecorações muitas outras
figuras. que não apenas os “pais da Independência, com feitos notáveis na luta
pela emancipação e soberania de Angola, como pela realização de acções
significativas que têm minimizado o sofrimento dos seus concidadãos no
quotidiano difícil do país. A pequena abertura dada a personalidades da
sociedade civil e a um número escasso de figuras críticas do regime é pouco
significativa e não passa de um truque de prestidigitação e branqueamento da
imagem política , que visa confundir a opinião pública. Tudo, na verdade,
calculado até como forma de cooptar adversários políticos e comprar
consciências.
Mas no afã de atingir tais objectivos perversos, o processo de
condecorações acabou por ficar não apenas controvertido, como também assumiu
contornos de uma enorme banalidade. Pelo mundo afora, não há exemplo de
condecorações com essa proporção estapafúrdia de figuras distinguidas. Não se
vê nada parecido nem em Estados com regimes fechados ou países de grande
magnitude populacional, como é o caso da China.
Daí que as pessoas questionem, justamente, o que se pretende com
condecorações tão populistas e banais, que na verdade estão a cavar fendas na
sociedade, dividindo a população em cidadãos de primeira e de segunda; e em
muitos casos perfeitamente comprovados degenerem na frustração de inúmeros
quadros nacionais, semeando a desconfiança entre os mesmos?
É meu entendimento, por conseguinte, que o fim último deste acto populista
das condecorações não passa de mais uma peça instrumental do tal combate “até à
exaustão” que se tem vindo a mover contra a UNITA e o seu líder. Daí, aliás,
que a selecção e introdução de figuras do partido entre os condecorados não passe
de uma acção com objectivos provocatórios e de ataques à sua coesão.
De resto, não nos surpreenderia nada que, pelo andar da carruagem, a
qualquer momento se venha a introduzir, na calada da noite, o nome do Dr. Jonas
Malheiro Savimbi na lista dos condecorados. Não temos quaisquer dúvidas de que,
se e quando isso acontecer, seria uma manobra engendrada unicamente com o fito
de humilhar a figura maior da UNITA e provocar dissensões internas. Ou seja,
tratar-se-ia de colocar o actual presidente em xeque com a história do partido
e em colisão com todos aqueles que, declinando a condecoração em protesto
contra a exclusão do presidente-fundador, poderiam eventualmente remeter ao
líder o ônus desse posicionamento. Esta é também, no fundo, a estratégia perseguida
pelo regime.
Por isso, o povo e a juventude em particular devem perder o medo contra os
opressores. Com discernimento, devemos todos cerrar fileiras em torno da UNITA
e do seu Presidente Adalberto Costa Júnior que lidera a oposição, para se
inverter o quadro caótico instalado pelo regime há 50 anos no poder.
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