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Tenha a gentileza de responder, senhor Presidente da República – Pacheco da Silva

Longo vai o caminho que nos trouxe da proclamação da independência até aqui. Um caminho de cinquenta anos. Qual vereda de liberdade, de paz e de prosperidade abriu- se diante dos olhos obstinadamente esperançosos. Caminho que estendeu-se e ofereceu-se para acolher a planta dos nossos pés. Para nele caminharmos com fé num futuro fraterno e magistral. Porque não, se logo à nascença o chão que à lei da gravidade põe limite continha tesouros para os seus. Aquele que o nosso corpo teceu, que a terra que pisamos criou, sob o nosso chão escondeu dádivas que bafejou como sementes promissoras.

Hoje, porém, as acções de quem governa, daqueles que lideram os destinos do país, atiram os nossos olhos contra distantes e escalavradas paisagens. Inerte e indiferente fala-nos a razão que de nós não se compadece. É dura e é áspera; é crua é impiedosa e é normalmente implacável. Instantes haverá sobre braços de surtos alucinatórios que quase nos transportam até às portas do olimpo. No seguinte instante, hadopelágico lugar abate risos a bandeiras despregadas e estilhaça os ânimos. No inferno nenhuma centelha de luz se acende para conforto de vivalma.

Sensações, sim, sussurram; descrevem a realidade e nos transportam como para uma nébula hospicial. Chegamos ao ponto de confundir o nosso país com longas paredes claustrais. Vivemos entre muros surdos e vazios, escuros e ocos, frios, sem luz e sem emoções. O acúmen do génio do mal traduz-se no perfeito esboço psicológico da governação. É ele que dilacera o país e, metafisicamente, excrucia desde a criança mais inocente ao velho exausto e esperando um fim digno dos seus aziagos dias.

Aqui e agora, enquanto faço essa reflexão sem sair da minha natureza humanamente “difusa”, o meu corpo e todo meu pensamento são só um. São só uma coisa a imensidão das dores que do meu vexado corpo se libertam. A esperança no espírito meu, resolutamente, choca com uma realidade acabrunhada; gera um sentimento de impotência atroz. Que posso eu fazer que não fez já todo este povo? Vejo e assisto o que vejo arfando em gemidos. O bem que esperava de mim foge e não para de se afastar. Com os meus pensamentos balbuciam as secreções da minha pele cada vez que tropeço na realidade do meu país. Tudo à minha volta está estropiado e maniatado. Todo eu sou um poço de ansiedade, languidamente paroxismo da exasperação de um futuro certo e mau para todos. Toda minha pessoa tornou-se num antro de angústia profunda. Prostrado, lá no fundo, nas enseadas da alma, um golpe de voz interpela: Que fiz eu? Que fizeram «eles» às promessas do ditoso destino que se vocalizou na noite das catanas e das tochas flamejantes? Onde está a voz do chamamento da nobre convivência igualitária? Aquela voz estridente que o ultraje da alma da nação angolana repelia? Que fizemos nós do idealizado legado embebido do suor e do sangue lutado?
JUNTA MÉDICA EXTINTA, VIDAS OBLITERADAS Diga senhor Presidente:

Se o país já atingiu o princípio <do pico> de um estado de capacidades plenas de resposta à demanda pela saúde, ou quase conquistou autossuficiência em matéria de prestação de cuidados de saúde, por que razão as pessoas vivem diariamente o pavor e o terror da morte precoce agarrada aos seus pés? Porque mesmo ali ao seu lado, mesmo no círculo familiar e aqui na vizinhança, nada escapa, ninguém sai incólume?
Por que motivo os funerais continuam a aumentar de dia para dia? Pois, eu que não sou um mero espectador, sim, uma vítima potencial da sua governação, confesso que não fui bem-sucedido no desafio de encontrar resposta. Em lugar algum deste mundo vislumbrei inteligência capaz de me assistir na aquisição de uma resposta razoavelmente convincente. Por favor, poupa-me de ter lhe confrontar com carências inadmissíveis. Nomeadamente, a crónica falta de ligaduras e algodão, substâncias desinfetantes, etc., etc. Porquanto, se para explicar a carência de tais materiais não é expectável uma resposta decente, tudo o mais <por exemplo equipamento de apoio ao diagnóstico médico e de aplicação terapêutica> responde-se por arrasto e automaticamente. Se o menos não garante, não garante o mais. Não assegurando o básico e baratucho e irrisório, não assegurará o mais complexo e economicamente mais dispendioso.

Terá o país conseguido uma proeza estratosférica com uma quase inexistente curva ascendente de pessoal especializado? Ou seja; podem-se fazer maravilhas sem materiais de primeiros socorros, sem meios, sem tecnologia e sem recursos humanos a altura do contexto compagináveis <qualitativa e quantitativamente>? Se entende que sim, então porque não começar já a vender o génio a todos àqueles Estados <grandes> investidores no sector da saúde. Portugal e África-do-Sul são só alguns do lote. Aliás, Portugal tem mesmo absorvido esforços significativos prestando serviço adiantado ao Estado angolano; seria uma ajuda grande, a eles e aos nossos doentes. Mais importante e realista: Por que motivo a modalidade da deferência dos pagamentos <em Portugal> não relevou na ponderação de uma decisão de vida ou de morte para milhares de cidadãos?

Na história mal contada da ponderação <do seu executivo> sobre o assunto sobejam contradições. Primeiro, no final de Maio, reuniram com os doentes de junta médica. Comunicaram o alegado termo do protocolo com estado português. Portanto, o repatriamento iniciar-se-ia logo ao princípio do mês de Junho, disseram. Entretanto, suspenderam quase imediatamente o fornecimento das refeições aos doentes, facto que originou pela parte dos afectados uma corrida às instituições de solidariedade social, de Lisboa. Desta circunstância resultou um alarido social que levou a embaixadora de Angola às residenciais vender a sua banha da cobra. Alegando desconhecimento total da situação, encenando um ar de um misto de surpresa e indignação, a diplomata lá fez o seu número disparando e distribuindo culpa para todos lados. Menos o seu. Mandou restabelecer imediatamente a distribuição das refeições, entretanto, o guião manteve-se fiel ao rol de contradições. Fora as autoridades angolanas, ninguém logrou conceber como seria possível doentes sobreviverem sem fornecimento de refeições. Por sinal no entendimento dos governantes angolano não há incompatibilidade entre a fome e a preservação da vida. A prova desse entendimento está patente no cotidiano dos angolanos. Voltemos ao ponto;

Na primeira reunião presencial com os doentes, falou-se que o envio de doentes para Portugal cessava imediatamente a partir do mês de Junho. Depois, passou-se a dizer que apenas cessava até o termo de seis meses a contar de Junho. Em que ficamos, a final? Ao mesmo tempo que ainda se perspectiva enviar para Portugal novos doentes, doentes atuais, pessoas em situação de dependência plena dos tratamentos médicos em curso, são repatriados, forçadamente, de Portugal para Angola?

Argumenta-se com envio alternativo das vítimas do repatriamento para a África-do- Sul. Se esta é a alternativa, se é real, se é funcional, se é credível, se é uma atitude humanista, logo, por que razão os novos doentes não seguem <eles> imediatamente para àquele destino? Qual o racional de certos doentes <novos beneficiários da junta médica> tomarem o lugar de doentes escoicinhados que se encontram em pleno tratamento, em Portugal? O futuro não passa já pela África-do-Sul e pela autossuficiência do sistema de saúde nacional?

Três perguntas objectivas:

Quanto custou aos cofres do estado angolano o envio e a permanência em Portugal, por mais de um mês, uma delegação de mais de dezena de pessoas para realizar a alegada auditoria ao sector local da junta médica?

Quanto e em que medida se esperam dividendos financeiros, económicos, sociais e políticos da preferência da África-do-Sul, onde exige-se pagamento à pronto, em detrimento de Portugal onde não há lugar a custos com a tradução e o pagamento é deferido em prazos bastante generosos?

Quando pensa, V. Exa., submeter-se a si e a sua família aos cuidados médicos prestados, não exclusivamente pelo sistema nacional de saúde, mas, em qualquer instituição hospitalar dentro de Angola? Sim, porque sendo o país autossuficiente nessa matéria parece de todo coerente. A nossa pergunta/sugestão assenta na coerência da postura dos Presidentes da África-do-Sul e de Portugal. Ambos não sujeitam o país a despesas avultadas com a sua saúde e da sua família.

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