Ticker

10/recent/ticker-posts

A Institucionalização da Pobreza em África - Carlos Kandanda

Historicamente, a pobreza e a fortuna andam lado a lado. É um contraste entre viver bem e viver mal. A pobreza e a fortuna são dois fenómenos milenares que existiram em todas as etapas da transformação humana. Porém, acontece que as suas dimensões e características têm estado a alterar-se gradualmente de acordo com as transformações profundas que ocorrem constantemente nas sociedades humanas. Em transição do nomadismo ao sedentarismo, do nudismo ao vestuário.

Em função disso, em cada fase da transformação social, na medida em que surgem novas técnicas e novos meios de produção, ocorrem mudanças profundas na estrutura económica. Quer dizer, a pobreza ganha uma nova dimensão na sua estrutura social em termos de equilíbrio ou de assimetria que são geradas pela estrutura económica. Pois que, a mudança do sistema económico tem impacto sobre as estruturas sociais e económicas que têm o reflexo directo sobre os meios de produção, as forças produtivas, o modo de produção e o sistema da distribuição do rendimento.

Nesta base, há países do mundo que superaram definitivamente o sistema primitivo e deram saltos qualitativos na transformação tecnológica. Há países, como da África Subsaariana, não conseguiram vencer esta etapa, do sistema agrário primitivo. Com o surgimento de centros urbanos, sem estruturas económicas sólidas, criou o despovoamento do campo e a sobre população das cidades africanas. Historicamente, na Europa Central a transição da produção agrícola e artesanal primitiva para a produção industrial de grande escala, ocorreu durante a Revolução Industrial, entre 1760 e 1840. Na altura verificou-se o êxodo populacional do campo para as vilas urbanas.

Em África, constatamos que o êxodo populacional do campo para as cidades, após as independências, provocou o colapso da produção agrícola, agravando assim os níveis de pobreza tanto nos centros urbanos quanto nas zonas rurais. Além disso, nota-se o incremento da escravatura moderna em África, que se manifesta em várias formas, sem haver capacidades para contê-la. Para ser mais exato, a «escravatura moderna» é um fenómeno universal que afecta mais de 50 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com os dados de 2022 da Organização Internacional de Trabalho (OIT).

A globalização e o neoliberalismo, de laissez-faire, constituem um dos factores que estão na origem do agravamento da pobreza e da escravatura moderna. Pois, o capital financeiro está cada vez mais concentrado em pequenos núcleos de magnatas e de empresas multinacionais, que monopolizam o mercado internacional, maximizam os lucros, exploram a força do trabalho e pilham os recursos minerais dos países subdesenvolvidos, com maior incidência na África Subsaariana.
É interessante constatar que, os países asiáticos desenvolveram as suas economias através da industrialização, da modernização e da inovação tecnológica, investindo fortemente nas infraestruturas, no desenvolvimento comunitário, nas energias renováveis, na agropecuária, na educação de qualidade, no empoderamento das comunidades locais, na abertura ao mercado internacional, na estabilidade macroeconómica, na diversificação da economia, e sobretudo, na estabilidade institucional.

No fundo, a estratégia asiática incidiu na promoção da classe média, isto é, na construção da classe média vasta, estável e confortável. Para este efeito, implementaram programas concretos de tirar as pessoas da pobreza para a classe média. E transformaram a classe média num «esteio sólido» para sustentar a pirâmide do Estado. Em poucas palavras, investiram fortemente no homem, como factor-chave do progresso.

Infelizmente, a África Subsaariana tem andando à deriva. Ela não tem metas fixas de combate à pobreza, e não tem programas concretos e específicos para este efeito. A pobreza tornou-se o meio lucrativo de enriquecimento rápido das classes dominantes no poder. Ou seja, a pobreza é parte integral da estratégia da manutenção do poder.

Essa narrativa extensa sobre a pobreza em África visa especificamente servir-me de base fundamental da minha tese, segundo a qual: “a pobreza africana está institucionalizada, estruturada e politizada. Ela constitui um instrumento poderoso da manutenção do poder político, integrado numa ampla estratégia, concebida pelas potências industrializadas, que visa limitar e controlar a dimensão, o angulo, a qualidade e a velocidade do desenvolvimento da África Subsaariana.”

Isso apoia-se na visão de que: “a África Subsaariana deve ser mantida na condição permanente de atraso, de subdesenvolvimento, do obscurantismo e da pobreza, para que os recursos minerais desta região vasta sejam explorados e transformados nos países industrializados com fim de suportar as estruturas económicas dos países industrializados, com a perspectiva de garantir a sustentabilidade do bem-estar social dos povos do mundo civilizado.”

De acordo com esta visão estratégica, em referência: “suponhamos que, se a África Subsaariana alcançar os mesmos níveis de desenvolvimento industrial dos outros continentes, as suas matérias-primas serão transformadas localmente, nas suas indústrias, com valores acrescidos. Superando, deste modo, a dependência económica e tecnológica da África. Se o cenário for este, as consequências serão devastadoras para as indústrias pesadas e transformadoras da Europa, da América do Norte e da Ásia.”

Os estrategas desta teoria imperialista, acham que, «é fundamental desenvolver políticas subtis que sejam capazes de manter a África Subsaariana na condição permanente de inferioridade, de subdesenvolvimento, de dependência e de obscurantismo. Pois, a ignorância é o instrumento mais poderoso do obscurantismo, que viabiliza oprimir os povos e mantê-los na condição de atraso e da pobreza extrema». Fim da exposição da Tese.

Para já, o sistema do regime político, exposto acima, é mais evidente em Angola, com características perturbadoras, que ofende a consciência humana. A título de exemplo, no final da guerra civil, em 2002, com a política da «reconciliação nacional», desabrochava uma classe média crescente, que tinha acesso aos créditos bancários e aos outros circuitos financeiros. Infelizmente, com o surgimento do actual Presidente do MPLA, João Manuel Gonçalves Lourenço, «que aposta no absolutismo e nos monopólios», a classe média ficou totalmente destruída e a pobreza agravou-se no país, desarticulando toda a estrutura social e económica.

Há medidas sistemáticas que têm sido tomadas pelo Regime do João Lourenço que, em vez de superar a crise económica, estão a destruir todas as estruturas económicas do país, com o agravamento da inflação, da depreciação da moeda, da erosão do poder de compra, da falência de dezenas de milhares de empresas privadas e públicas e do colapso do mercado de trabalho. Erguendo, deste modo, um enorme exército de desempregados, que vagueia pelos centros urbanos. Uma pobreza extrema e faminta ao serviço do poder político.

Tudo isso tem sido feito na base das recomendações do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, que celebrou o Acordo Alargado do Programa de Financiamento Ampliado (EFF). Este “Acordo” consistia na assistência financeira, no acompanhamento da implementação do programa e na avaliação do desempenho do governo angolano. Além disso, o “Acordo” visava apoiar reformas económicas, melhorar a governação, reduzir os riscos associados às empresas públicas e promover o crescimento do sector privado. Infelizmente, quando olharmos ao «estado actual» da economia angolana, existe um contraste abismal entre as metas estabelecidas pelo FMI e a realidade actual da económica angolana. Pelos vistos, o Programa do FMI afundou Angola, mergulhando-a na crise económica profunda, agravando-se pela dívida púbica insustentável e pela ausência efetiva da boa governação.

Em suma, como ficou expresso no início deste texto, a pobreza é milenar. Ela prevaleceu durante o sistema primitivo. Só que, ao longo dos tempos o ser humano evoluiu, buscando a civilização. Por isso, a pobreza sofreu uma alteração profunda na sua estrutura social. Acontece que, a pobreza africana não tem as mesmas características sociais da pobreza dos países industrializados.

A pobreza africana é primitiva e desumana. Ao passo que, a pobreza dos países mais avançados tem o carácter social muito diferente. Mesmo as pessoas que não têm casas, que vivem nas ruas, não estão a Deus dará, entreguem à sua sorte. Porque, existem «Centros Sociais» que cuidam das pessoas vulneráveis, que lhes dão acessos aos subsídios sociais, que são disponibilizados mensalmente.

Por outro lado, não é a minha intenção responsabilizar os países industrializados pela pobreza africana, embora os factos históricos são evidentes. Não obstante, nós os africanos somos únicos responsáveis pela nossa pobreza. Caso contrário, como a Ásia ficou industrializada e a África continua subdesenvolvida? Enquanto que, ambos Continentes foram colonizados e pilhados pelas potências coloniais europeias. A realidade é que, os nossos governantes africanos apoiam-se na pobreza, para continuar no poder, ficar ricos e manter o povo na desgraça e na dependência. Por isso, eu defendo a tese de que, a pobreza africana está institucionalizada, estruturada e politizada.

Neste âmbito, para mudar este quadro desumano da pobreza africana torna-se imperativo alterar as superestruturas dos Estados Africanos, através da qual seja viável transformar as estruturas económicas que estão sob alçadas dos regimes corruptos e autoritários. Por outro lado, embora os países industrializados não estejam responsabilizados directamente pela pobreza africana. Contudo, a nossa consciência não deve, por um lado, ofuscar o nosso passado escravagista e colonial; por outro lado, devemos possuir ideias claras sobre a lógica do poder económico.

Por conseguiste, nas relações económicas e comerciais não existem amizades ou alianças. O que existe é a defesa dos interesses de cada país do mundo, que entram no mercado internacional para defender os seus interesses. Ninguém nos venha a enganar de existir amiga A ou amigo B. Cada país defende os seus interesses. Nesta lógica, os interesses africanos devem ser acautelados por nós próprios – os Povos Africanos. Isso não passa pelos lóbis, mas sim, por programas sofisticados e subtis de acesso às novas tecnologias e know-how.

Portanto, a erradicação da pobreza em África passa necessariamente pelas mudanças estruturais e institucionais, que permitam empreender uma revolução social, da dimensão global, almejada para a África Subsaariana. Isso cabe aos Povos Africanos libertarem-se do jugo da pobreza e da dependência económica. Pois, ninguém virá de qualquer parte do mundo para defender a nossa liberdade, a nossa soberania, a nossa dignidade, os nossos interesses e o nosso bem-estar social.

Enviar um comentário

0 Comentários