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Crónica: Quando a Esperança Começa a Bocejar - Bartolomeu Milton

Por estes dias, Angola parece aquela casa grande com muitas portas e poucas chaves. Tem discurso bonito, mas a mobília continua velha. O povo ouve falar de progresso, mas quando olha para a panela, o feijão ainda é sonho — e o arroz, visita. A política dança ao ritmo dos microfones, enquanto nas aldeias o silêncio fala mais alto.

No plano político, ainda se sente mais comando do que participação. A democracia virou evento: aparece nas eleições, veste fato novo, sorri para a câmara… e depois volta para o armário. O povo vota com fé, mas colhe frustração. A juventude, então, já nem espera muito — está a criar os seus próprios palcos. Improvisa debates nas redes, rima protesto nas músicas e grita nas entrelinhas.

Socialmente, somos um povo de cintura rija. Dobramos, mas não partimos. Mesmo com salários que não fazem o mês, com hospitais que doem mais do que curam, e escolas onde a lousa já nem responde ao giz, seguimos. O angolano transforma pouco em alguma coisa — mas cansa. E há cansaços que não se dizem, apenas se carregam.

Economicamente, a história é repetida: muito petróleo, pouco pão. A boca fala em diversificação, mas os bolsos continuam no mesmo poço. O camponês planta, mas a estrada falta. O zungueiro vende, mas o imposto morde. O banco promete crédito, mas fecha a cara. No meio disso tudo, o povo aprende a sobreviver onde devia estar a viver.

E Angola a dentro? Ai, meu irmão, minha irmã, lá o tempo parece outro. No Moxico ainda se espera estrada; no Cunene, água; no Cubango, presença. Mas o que chega é a campanha eleitoral — e depois, o esquecimento. É como se o interior fosse nota de rodapé da Nação.

No fim, a esperança ainda vive, mas já não salta — boceja. Tá à espera de algo que não seja só discurso, que seja mudança sentida no prato, no posto médico, na escola, no transporte, na dignidade. Não se trata de desistir de Angola; trata-se de exigir a Angola que cumpra o que promete.

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