Perante as situações-limite da vida, as pessoas tomam atitudes diversas. Quem já sofreu situações de injustiça e viu o seu bom nome atolado na lama repugnante e pestilenta do crime, pode alimentar sentimentos de vingança, ressentimento e até mesmo ódio contra quem assim procedeu. Mas há também aqueles que, embora magoados e desiludidos, prefiram não dar vazão a sentimentos ruins e lupinos. São aquelas pessoas com capacidade de se reinventarem depois da tempestade e dar um rumo digno à sua vida. Não investem o seu tempo em lamentações ou queixumes da sua desventura, mas procuram dar a volta, pois tudo na vida tem seu conserto. Só a morte não tem conserto. E ainda bem!...
Pretendo rabiscar estas parcas linhas, sem floreados, em homenagem a uma pessoa que passou por agruras inesperadas, mas não permitiu que a sua dignidade fosse chamuscada: Augusto da Silva Tomás! Passados dois anos desde que foi devolvido à liberdade, na sequência de um processo judicial trivial, neste dia 6 de Junho, fez a sua prova pública de doutoramento em Economia pela Universidade Agostinho Neto. É com este acto, tão nobre e tão elevado, que Augusto Tomás retoma a sua vida pública. Para aqui chegar - quem sabe o que é uma tese de doutoramento entenderá mais facilmente – o ora laureado teve audácia e foco, trabalhando duramente: “Fortuna audaces juvat” (a sorte acompanha os audazes), já diziam os latinos. Não é possível alvitrar que alguém sem audácia e sem foco consiga tal proeza depois de passar por essa experiência tão deprimente como o cárcere.
Curiosamente trago comigo também a marca do cárcere e, quiçá, por esta razão, nutro deferência e empatia à figura de Augusto Tomás. Acontece que ele também acaba de trilhar o caminho que trilhei: dois anos depois da minha experiência do cárcere, lancei-me à aventura do meu segundo doutoramento, desta feita em Ciência Política e Relações Internacionais. Foi para mim um grande exercício de catarse (purificação interior), porque fui curando as mágoas e todos os ressentimentos pelas humilhações que me foram infringidas. Creio que Augusto Tomás terá passado pela mesma mística de purificação interior. Por isso, o título académico que acaba de conquistar, com brio, não é apenas uma proeza científica, mas é também uma cura.
É um mérito muito pessoal, porque foi o caminho que escolheu trilhar, deixando
para trás a experiência dos grilhões. Nelson Mandela dizia que ao sair da
prisão, se ele tivesse carregado consigo as mágoas e ressentimentos, teria sido
ainda um homem encarcerado. Nas nossas conversas, uma das palavras que Augusto
Tomás me tem repetido amiúde é exactamente a palavra PERDÃO! Não é algo que ele
diz de forma fortuita, mas depreende-se que lhe vem mesmo da alma por força da
espiritualidade cristã que muito cultiva. Na sua obra “A Pedagogia dos
Oprimidos”, Paulo Freire defende que não basta libertar os oprimidos; é preciso
também libertar os opressores. A melhor vingança que podemos investir contra os
nossos algozes é a sua transformação, não necessariamente a sua destruição.
Esse parece ser o caminho que está a trilhar, fazendo jus também ao seu nome
que em latim “augustus” significava majestoso, sublime, nobre. Ora, neste caso,
como dizem os franceses “noblesse oblige”! PARABÉNS, DOUTOR AUGUSTO DA SILVA
TOMÁS!
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