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Reflexão do Processo de concurso público para eleição do presidente da CNE e o processo eleitoral em Angola - Emílio Manuel

 Nic Cheeseman, Cientista Político Britânico, escreveu um artigo COMO MANIPULAR UMA ELEIÇÃO. O texto é parte da publicação Um Manual para os Democratas Africanos que aconselho a leitura a todo o cidadão Africano e não só, especialmente para activistas e defensores de direitos humanos (Disponível em https://www.thebrenthurstfoundation.org/playbook/pt/#part-1).

Nic Cheeseman faz uma análise do livro How to Rig an Election (2024) identifica cinco estratégias principais que têm sido utilizadas nos últimos 30 anos para evitar que governos impopulares sejam derrotados e apresenta cinco estratégias que os governos usam para manipular as eleições:


1ª Estratégia: manipulação invisível, como o gerrymandering e a manipulação das listas eleitorais;

2ª Estratégia: clientelismo e suborno eleitoral;

3ª Estratégia: dividir para reinar, incluindo o uso do medo e da violência;

4ª Estratégia: tácticas digitais e online, incluindo a desinformação e a pirataria informática;

5ª Estratégia: fraude eleitoral e enchimento de urnas.

A combinação destas estratégias pode tornar excepcionalmente difícil a conquista do poder pelos partidos da oposição e ajuda a explicar por que razão, em média, os regimes autoritários que realizam eleições têm mais probabilidades de sobreviver do que aqueles que não o fazem. Em geral, a qualidade das eleições é particularmente baixa em África, em grande parte da Ásia, nos Estados pós-comunistas e, em menor grau, na América Latina.

Podemos então afirmar que das cinco (5) estratégias acima referidas, três (3) delas têm como centro a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) nos respectivos países, por isso, a legislação, regulamentos e procedimentos de funcionamento e actuação da CNE é fundamental. Conforme nossas experiências de processos eleitorais em Angola, vamos propor algumas sugestões para mitigar e melhorar os processos eleitorais e reduzir a grau de possibilidade de manipular as eleições. Assim sugerimos nove (9) medidas que podem contribuir para que a eleições não sejam manipuladas:

1º Processo de concurso público para eleição do presidente da CNE: O Juiz concorrente não deve ter um histórico político-partidário. Tem que ser juiz de carreira, eleito pelos seus pares e nunca indicado pelo poder político (Executivo), podendo passar por uma comissão de inquérito parlamentar, validando assim o processo eletivo realizado pelos seus pares verificando-se a confiabilidade do candidato eleito. O procedimento existente em alguns países como Angola em que o Presidente da República, escolhe entre os três mais votado, favorece ao Partido no poder e cria o clientelismo e influência do poder executivo na CNE, por isso, deve ser eliminado este procedimento, por ser injusto e imparcial.

2º Publicação da Lista dos eleitores: A fixação pública dos cadernos eleitorais deve ser estabelecida por lei. A lei deve determinar o período da sua publicação, reclamação. Os cadernos eleitorais devem ser publicados seis (6) meses antes da data da realização das eleições. Deve ser publicado em Diário da República o Mapa dos Eleitores após o processo de registo eleitoral. Toda a sociedade deve conhecer o número de eleitores existentes em cada círculo eleitoral (Distrito, Município e Província).

3º Publicação anual da Lista de eleitores falecidos: Anualmente deve ser pública em Diário da República os eleitores falecidos, sendo expurgados da base de dados de cidadão eleitores.

4º Aprovação de uma Lei que obriga os partidos políticos a publicação das suas fontes de financiamento, doações e contribuições dos seus membros ou associados. Os partidos políticos devem declarar junto da CNE, Tribunal Eleitoral e Tribunal de Contas. Após período eleitoral as contas devem ser auditadas pelo Tribunal de Contas e publicadas em Diário da República.

5º Aprovação de Lei contra o discurso de ódio: Deve ser probido e punido nos termos da lei durante as fases do processo eleitoral todo o discurso, gesto, palvras, cartomm e outras formas de expressão que fomentem o ódio, racismo, xenofobismos, tribalismo, facismo, segregação racial e social. A punição será pecuniária e com pena de prisão. Caso seja fomentado por partidos políticos, deve ser suspensa a concorrência deste partido.

6º Obrigatoriedade da afixação dos resultados nas assembleia de voto: Os resultados eleitorais devem ser apurados e publicados nas assembleia de votos. Os resultados devem ser publicados ao nível municipal, provincial e resultados nacionais. A apuração e publicação dos resultados eleitorais à nível municipal é condição prima facie para a credibilidade da publicação dos resultados eleitorais. Não se pode anunciar os resultados eleitorais sem resolução dos conflitos eleitorais, transitados e julgados. No caso de Angola, o Acórdão nº 488/2017 não clarificou a interpretação do número 1 do artigo 135.º e artigo 123.º da LOEG. É necessário que seja aplicado o estatuído no número 2 artigo 123.º e artigo 124.º da LOEG que estabelece de modo inequívoco, que “para efeitos do apuramento provisório, os resultados eleitorais obtidos por cada candidatura em cada mesa de voto, devem ser transmitidos pelos presidentes das assembleias de voto às Comissões Provinciais eleirorais”. Por seu turno o artigo 124.º (informação dos resultados municipais) refere que, à medida que for recebendo as actas das assembleias de Voto, a Comissão Municipal Eleitoral informa imediatamente à Comissão Provincial Eleitoral dos resultados apurados, por mesa de voto. De acordo com o nº 2 deste mesmo artigo” a Comissão Municipal Eleitoral remete todo o expediente do processo eleitoral à Comissão Provincial Eleitoral. Por isso, o artigo 13.º, da Directiva nº8/17 de 18 de Agosto viola o estabelecido na Lei. Pelo facto da Directiva ser publicada no Diário da República não é uma Lei. Deve prevalecer a Lei e não a Directiva.

7º Número de Comissários na CNE: A composição da CNE é fundamental para que a CNE não seja influenciada pelos partidos concorrentes, a manipulação invisível, clientelismo e suborno eleitoral, dividir para reinar, tácticas digitais e online e fraude eleitoral e enchimento de urnas. É necessário que seja revista e actualizada a composição da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) cada partido com assento parlamentar terá apenas um Comissário como seu representante na CNE e não a proporcionalidade de assentos parlamentar. São dois órgãos distintos com competências e mandatos distintos. Esta proposta supõe a alteração do artigo 7.º da Lei Orgânica Sobre a Organização e o Funcionamento da Comissão Nacional Eleitoral. Por exemplo, na república de Cabo Verde, a CNE é composta por cinco (5) Comissários, Presidente um Juiz de Carreira, e mais quatro membros, cidadãos de reconhecida idoneidade, competência e mérito.

8º Legislação de conflitos eleitorais: As questões de conflitos eleitorais devem merecer procedimento célere nos Tribunais de Comarca, Tribunais de Relação e Tribunal Constitucional.

9º Todas as fragilidades, insuficiências identificadas em processo eleitoral anterior devem ser revistas, melhoradas, sanadas e actualizadas: melhorados os seus mecanismos de verificação e prestação de contas (check and balance), expurgando assim, todas as normas e procedimentos que comprometem a lisura do processo.

É necessário termos em atenção que os Partidos que sustentam o Governo, estão sempre a pensar em novas formas de manipular as próximas eleições, enquanto nós estamos sempre a responder aos problemas que vimos nas últimas.

Dados de avaliações periódicas sobre o estado da democracia no mundo demonstram, desde 2009, o recuo dos sistemas democráticos relativamente aos autocráticos em praticamente todo o mundo. Embora a democracia não seja perfeita, não temos um sistema melhor para lutar! Por isso, questões como liberdade, dignidade, acesso à justiça, responsabilidade, ética, punição dos dilapidadores do erário público, transparência, prestação de contas, garantias dos direitos e liberdades fundamentais são essenciais para um sistema democratico.

Gene Sharp em seu livro: Da Ditadura à Democracia afirma (p.9-11): Não existem eleições sob ditaduras como instrumento de mudança política significativa. Alguns regimes ditatoriais, tais como as do antigo bloco oriental dominado pelos soviéticos, passavam por esse trâmite, com o objetivo de parecer democráticos. Aquelas eleições, no entanto, eram apenas plebiscitos rigidamente controlados para obter endosso público dos candidatos já escolhidos a dedo pelos ditadores. Ditadores sob pressão às vezes podem concordar com novas eleições, mas depois eles as instrumentalizam para colocar fantoches civis em cargos governamentais. Se os candidatos da oposição tivessem sido autorizados a concorrer e fossem realmente eleitos, como ocorreu na Birmânia em 1990 e na Nigéria em 1993, os resultados podem ser simplesmente ignorados e os "vencedores" submetidos a intimidação, detenção ou, até mesmo, execução. Ditadores não estão no negócio de autorizar eleições que possam removê-los de seus tronos.

A conclusão é dura. Quando se quer derrubar uma ditadura de forma mais eficaz e com o menor custo, então se tem quatro tarefas imediatas:

• Deve-se fortalecer a própria população oprimida em sua determinação, autoconfiança e habilidades de resistência;

• É preciso fortalecer os grupos sociais e instituições independentes do povo oprimido;

• É preciso criar uma poderosa força interna de resistência; e

• Deve-se desenvolver um grande e sábio plano estratégico para a libertação e implementá-lo com habilidade.

A luta de libertação é um momento de autoconfiança e fortalecimento interno do grupo em luta. Conforme Charles Stewart Parnell gritou durante a campanha irlandesa de greve contra os aluguéis em 1879 e 1880:

• Não adianta confiar no governo. . . . Você deve confiar somente em sua própria determinação. . . . Ajudar-se permanecendo unido. . . fortalecer aqueles entre vocês que são fracos. . . , unirem-se, organizarem-se. . . e vocês devem vencer. . .

• Quando você tiver tornado esta pergunta madura para o acerto, então e só então ela vai ser acertada. [1]

A maioria dos países da África Austral ainda não experimentou uma 'segunda libertação´; ou seja, a libertação dos libertadores. Em vez disso, os sete antigos movimentos de libertação regionais restantes têm procurado consolidar o seu poder, trabalhando em colaboração uns com os outros para esse fim contra seus inimigos, conhecidos ou não.

Alguns dados sobre partidos no poder na região da SADC:

• O Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA, no poder há 50 anos até 2025),

• O Partido Democrático do Botswana (BDP, 58),

• A Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, 49),

• A Organização Popular do Sudoeste Africano da Namíbia (SWAPO, 33 anos),

• Chama Cha Mapinduzi da Tanzânia (CCM, ou 'Partido Revolucionário', cerca de 63 anos se incluirmos o período pré-partidário entre 1961 e 1977),

• O Congresso Nacional Africano (ANC) na África do Sul (30), e

• ZANU-PF, 43.
Fonte: https://www.thebrenthurstfoundation.org/playbook/pt/#part-1

Angola tem de estar alinhada com a Lei-modelo que visa consolidar a democracia eleitoral na região da SADC através da criação de padrões normativos destinados a regular a realização do processo eleitoral. A Lei-modelo promove o constitucionalismo e o reforço de instituições democráticas, tais como os partidos políticos, os órgãos de gestão de eleições e comissões estatutárias, fundamentais para a governação eleitoral. É necessário cumprir com a orientação da União Africana sobre Paz e Governação como Pilares para a Estabilidade. Os Estados africanos consagraram o Estado Demanocractico de Direito como fundamento à soberania popular, o primado da Constituição e da Lei que pressupõe boa governação, respeito pelos direitos humanos e prevenção de conflitos, incluindo os conflitos eleitorais.
Por conseguinte, é fundamental que aqueles que se preocupam com as eleições e a democracia - cidadãos, activistas, apoiantes da oposição, grupos da sociedade civil, jornalistas, etc. - inovem de forma tão rápida e eficaz como os seus homólogos autoritários e partilhem esta informação com aqueles que lutam pela liberdade em todo o mundo.

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