O dia 3 de Dezembro é celebrado como o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, um dia, regra geral, marcado por reflexões e acções sobre a inclusão, a igualdade de direitos e a plena participação social desta franja significativa da sociedade.
Em 2024, sob o lema “Ampliar a Liderança das Pessoas com Deficiência para
um futuro inclusivo e sustentável”, a efeméride serviu para fazermos uma
reflexão profunda sobre a necessidade de dar voz, vez e visibilidade àqueles
que, infelizmente, ainda são marginalizados em diversos espaços de decisão
política e social.
É com um sentimento de manifesta estranheza, que observamos, mais uma vez, a ausência de pessoas com deficiência nas recentes nomeações para cargos de decisão política e administrativa, feitas pelo Presidente da República, pelos Governadores Provinciais e pelos Administradores Municipais.
Do meu ponto de vista, esta omissão não é só um reflexo da falta de
implementação das políticas públicas voltadas para a inclusão das pessoas com
deficiência, mas também uma clara contradição com os compromissos internacionais
que Angola assumiu, particularmente no que diz respeito à Convenção sobre os
Direitos das Pessoas com Deficiência(CDPD) ratificada pelo nosso país, em
2013/20214.
A participação política das pessoas com deficiência é, acima de tudo, um
direito fundamental que deve ser garantido, promovido e efectivado.
De acordo com o artigo 29 da CDPD, as pessoas com deficiência têm o direito
de participar na vida política e pública, em igualdade de condições com as
demais pessoas, incluindo o direito de votar, ser eleitas e ocupar cargos
públicos.
No entanto, a realidade mostra que, no contexto angolano, essa participação
continua a ser uma excepção e não uma regra.
A ausência de pessoas com deficiência nas recentes nomeações para cargos de
destaque nas várias esferas do poder executivo — desde o Executivo central até
as administrações municipais, mesmo das novas províncias — é uma demonstração
clara da marginalização dessa população.
Não há justificações plausíveis para que, num país que já ouvimos dizer,
que é progressista, ou em desenvolvimento, onde a Constituição garante
igualdade de direitos para todos os seus cidadãos, a inclusão das pessoas com
deficiência ainda seja tratada como um “extra”, e não como uma prioridade
política e social.
Em 2023, Angola passou por um exame no Comité dos Direitos das Pessoas com
Deficiência da ONU, onde foram feitas várias recomendações para melhorar a
situação das pessoas com deficiência no país. Entre essas recomendações,
destaca-se a necessidade de garantir uma maior participação dessas pessoas em
todos os níveis da politica, sobretudo nos cargos de decisão política e
administrativa.
Infelizmente, desde Março de 2023, até o momento que escrevo este texto, as
acções do Executivo angolano e dos partidos políticos, deste país, não têm
refletido uma implementação dessas recomendações.
A falta de representatividade política de pessoas com deficiência nos
cargos de decisão é também uma questão de falta reconhecimento das suas
capacidades de os exercer, do seu direito à cidadania plena e de sua
contribuição para o desenvolvimento do país.
É urgente que todos os partidos políticos, de todas as orientações
ideológicas, entendam que a inclusão das pessoas com deficiência nos espaços de
decisão política não é um favor, não é misericórdia, mas sim um imperativo
ético e constitucional.
A democracia só é plena quando todas as vozes são ouvidas, e quando todas
as pessoas, independentemente das suas condições físicas, sensoriais, mentais
ou psicossociais, têm o direito de influenciar as decisões que impactam nas
suas vidas.
Isso é especialmente crucial num contexto de governação democrática como o
de Angola.
Além disso, a falta de inclusão da pessoa com deficiência nos mais altos
níveis de decisão é uma clara violação do princípio de igualdade e de não-discriminação,
previsto na nossa Constituição e nas legislações internacionais.
Os cargos de liderança não devem ser vistos como privilégios para um grupo
específico, mas como responsabilidades de todos os cidadãos.
As pessoas com deficiência têm tanto direito quanto qualquer outra pessoa
de ocupar esses espaços, e, mais importante ainda, de contribuir com suas
experiências, conhecimentos e perspectivas únicas.
A inclusão das pessoas com deficiência nas decisões políticas não é
igualmente uma questão de sustentabilidade para o futuro.
A liderança das pessoas com deficiência pode trazer novas abordagens para a
gestão pública, sobretudo em áreas como educação, saúde, mobilidade,
acessibilidade e políticas de bem estar social.
Afinal, as próprias pessoas com deficiência conhecem profundamente as
dificuldades que enfrentam e têm ideias valiosas sobre como superar essas
barreiras.
Investir na inclusão política e social das pessoas com deficiência é
investir num futuro mais justo, mais igualitário e mais sustentável para todos.
Quando a liderança dessas pessoas é ampliada, todos ganham: a sociedade
como um todo se beneficia da diversidade e da equidade, e o país dá um passo
significativo rumo ao cumprimento das metas de desenvolvimento sustentável
estabelecidas pela ONU.
Em 3 de Dezembro de 2024, um novo ciclo de reflexão e acção começou. Mas é
necessário que, antes de mais nada, haja uma mudança real e visível na forma
como é tratada a inclusão das pessoas com deficiência.
Este não é apenas um apelo de um cidadão, de um tal Adão Ramos zinho
qualquer, mas um chamado colectivo a todos os partidos políticos, a todas as
autoridades e à sociedade em geral.
Espero que possamos, no futuro, olhar para o passado e perceber que,
finalmente, conseguimos respeitar os compromissos assumidos, de que ampliamos a
liderança das pessoas com deficiência em Angola e de que, com isso, conseguimos
construir um futuro verdadeiramente inclusivo e sustentável para todos.
Este é o momento de transformar as palavras em acções, de garantir que as
recomendações do Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência se tornem uma
realidade palpável, e de garantir que as pessoas com deficiência ocupem o lugar
que lhes é devido nas esferas de decisão política do nosso país.
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