Sentados na carruagem do comboio, apreciando as paisagens enquanto o comboio carrilhava lentamente, quinze minutos depois da partida de Genthin; eu senti um alívio grandíssimo, embora sabendo que terei que regressar - não existia no momento uma outra melhor opção.
Navegando em pensamentos singulares, de repente senti-me confuso e inconfortável: onde é que eu irei dormir quando chegar em Hamburgo? Epá, caramba, comecei a falar comigo mesmo: eu não conheço ninguém em Hamburgo que possa albergar-me; kamba-irmão MG vive no hotel e lá não há lugar para mim. O meu coração começou a bater rápido, a pulsação igualmente. Ouvem lá pessoal - eu alertei o Dole, Luís e o Manga.
Onde é que vocês irão residir durante a nossa estadia em Hamburgo? Possivelmente irei na casa da ngunda do meu tio: o Manga lançou sua resposta de maneira confidente. Eu irei acumular-me no quarto de um amigo do meu cota - o Luís não deixou dúvidas de incertezas. Estou paiado - a resposta do Dole foi curta, sincera e possível - ele deu continuidade a sua explanação: eu conheço muita gente guineense em Hamburgo e estou certo que alguém dessas pessoas irão ajudar-me; Toy queres vir comigo amigo?
Possas, "como eu não sei onde cair morto", epá uma oferta dessa
não irei dizer não - muito obrigado amigo Dole. O comboio parou na estação
central de Magdeburgo, a cidade capital do Estado de Sachsen-Anhalt.
Pessoal temos que descer aqui para apanharmos um outro comboio mais
confortável e rápido, que nos levará para Hamburgo: eu expliquei aos kambas.
Descemos, mudámos do lugar onde o próximo comboio com destino a Hamburgo
encontrava-se: subimos no comboio e pegamos os nossos lugares - três horas
depois chegamos em Hamburgo.
Toy, vamos primeiramente à casa dos ngundeiros/asilados do meu primo Faty, mora no Ochsenzol (é um bairro nos arredores da cidade de Hamburgo, não tão próximo do centro da cidade), o Dole sugeriu-me. Sem maka, eu respondi. Pegamos o metrô e cinquenta minutos depois chegamos na casa do primo do Dole.
A recepção foi calorosa e cheia de satisfação. Para além do Faty, outras pessoas, creio que eram cinco, todos eles guineenses, conheciam-se. O que irritou-me, no meio da boa recepção foi o cheiro desagradável - cheiro esse proveniente dos cigarros que os mesmos fumavam; do resto de comida; do lixo e de utensílios de vários tipos - parecia-me como se fosse numa capoeira de galos! Vocês podem ficar aqui Dole, sem problema. - aqui não existe controle seja lá de quem for: o Faty esclareceu-nos. O meu primeiro pensamento foi: tenho que ir ao hotel do kamba-irmão MG, muita saudades dele.
No dia seguinte, ao meio da tarde, fui ao Hotel Commodore, onde vivia o kamba-irmão MG. O recepcionista do hotel disse-me que o kamba-irmão MG não encontrava-se no seu quarto. A minha ansiedade refrescou-se um pouco e eu disse para mim mesmo: a paciência é uma dotação para aqueles que sempre desejam obter êxitos. Saí do hotel e não sabia o que iria fazer: esperar o kamba-irmão? Dar uma volta pela cidade? Deixar um recado ao recepcionista sobre a minha vinda?
Fui andando em direcção à estação do metrô apreciando a atmosfera e a batida nas ruas do bairro São-Paulo, em Hamburgo. Ninguém repara ou dá olhadas desagradáveis a ninguém, nem a mim; pessoas de várias origens étnicas e nacionalidades circulando à vontade - situações e aspectos completamente diferentes a que eu tivera vivido em Genthin, antiga R.D.A. A passeata que eu fiz, por ter sido muito encantante e relaxante, pegou um bom tempo: quatro horas. Aí decidi regressar ao hotel do kamba-irmão MG e encontrei-lhe.
Dicas kamba, como estás pá? Eu perguntei-o. Tá se bem kamba: o kamba-irmão
MG respondeu. E você? Tá fixe - eu respondi. Só que na banda onde eu estou,
como na banda dizem: estou no mato - vivo numa cidade retardada; não tem como
esclarecer-te melhor kamba-irmão - eu argumentei. E o kamba-irmão Celso,
ouviste algo? Eu questionei. Não ouvi nada dele: o kamba-irmão MG rebateu e
desta maneira batemos um bom e prolongado papo de actualização de novidades e
nossas metas - pegou muitas horas. Kamba-irmão Toy é o seguinte - assim o
kamba-irmão MG iniciou a sua explanação: como eu ouvi aqui dos outros
ngundeiros/asilados africanos, todos aqueles que foram transferidos para outros
Estados e, se tiverem coragem, podem bater de novo ngunda aqui em Hamburgo,
porque todas essas pessoas não meteram impressões digitais aquando da batida da
primeira ngunda/asilo, ou seja, não existe registo electrónico comum abrangente
a toda a Alemanha com os vossos dados. Xé kamba-irmão, Tás a falar mesmo coisa
séria? Eu perguntei-o. É verdade - foi a resposta dele.
Cada Estado aqui tem o seu próprio
programa computadorizado, ou seja, não existe conexão a nível nacional dos
serviços de estrangeiros. Wui, se é mesmo assim que estás a falar MG; irei
bater uma outra ngunda/asilo.
Eu já estava impaciente à vossa espera (do kamba-irmão Celso também), para discutirmos o assunto-para que vocês batam outras ngundas aqui em Hamburgo; epá tentar outra fezada para ficarem aqui em Hamburgo ou nos arredores.
A dica é que, como Mwangolés, a ngunda/asilo já não está pegar seguramente (encontrávamos nós no início do mês de Maio 1992), como no tempo quando nós chegamos cá: o M e a UNITA encontravam-se a espancarem-se, mas agora as eleições na Mwangole foram convocadas para Agosto de 1992 e desta forma a ngunda para nós angolanos já não tornar-se-á um privilégio.
Kamba-irmão MG, eu sugeri: teremos que mastigar bem este assunto, o
kamba-irmão Celso tem que estar aqui connosco. À noite, quando encontrei-me com
o Dole e expliquei-lhe acerca da novidade que recebi do kamba-irmão MG - eu
também já ouvi, mesmo hoje, amigo Toy - foi a reacção do amigo Dole e
prosseguiu: eu irei bater novamente a próxima ngunda aqui em Hamburgo, já
decidi; pode ser que não irei ser transferido a lado nenhum e ficaria
permanentemente em Hamburgo; é o meu sonho!
É também o meu sonho - eu repliquei.
Três dias de estadia em Hamburgo foram suficientes para todos nós: Dole, Luís, Manga e eu. Fomos a estação central de comboios de Hamburgo, compramos os bilhetes de passagem e minutos depois, estávamos sentados no comboio; com os cérebros cheios de novas aspirações; com os cérebros cheios de novas ideias; com os cérebros cheios de positividade e novos impulsos. Durante a viagem o tema de conversação foi: bater uma nova ngunda/asilo em Hamburgo.
Chegamos a casa, em Genthin, no Estado de Sachsen-Anhalt, no fim da tarde. O Dole e o Manga correram para o supermercado comprar algo para o jantar - o estômago estava a roer. Depois do jantar decidimos "mastigar" a temática da nova ngunda/asilo. Faria mais sentido se, caso vocês desejam, mantermos nos cá até ao fim do mês, para recebermos cá o dinheiro da ngunda - um dinheiro no bolso faz sempre a diferença, e depois partirmos para Hamburgo: foi a minha proposta ao grupo. Boa ideia - o Manga e o Dole replicaram.
Eu irei a Hamburgo, mas não irei bater uma nova ngunda - não tenho necessidade para tal, o Luís respondeu e continuou: em Hamburgo irei hospedar-me sempre na casa do amigo do meu irmão, o mesmo deu-me esta garantia e, como fizemos agora, passarei a vir cá todos os fins de mês receber a massa; é uma vida de turista, amigos - e deu uma risada!!! No fim de Maio de 1992, assim que levantámos o dinheiro da ngunda/asilo, arrumamos nossas tralhas e partimos de comboio para Hamburgo. Contactei o kamba-irmão MG e ele disse-me que o kamba-irmão Celso também já se encontrava-se em Hamburgo.
Éh, não diz isso kamba - eu reagi a dica do kamba-irmão MG. E onde é que
ele está no momento? Eu perguntei-o. Epá, se não enganou-me e pelo que eu
percebi, ele está em casa da ngunda do kamba dele gambiano, nas imediações do
Hoheluftbrücke (é um bairro). Podemos bazar para lá, se quiseres: o kamba-irmão
MG sugeriu-me. Sem dica pá, eu estou ansioso em querer ver o grande Celso. Lá
partimos e minutos depois batemos a porta e nós perguntamos: o kamba-irmão
Celso saíu e aí nos abraçamos - risadas e risadas, dicas e dicas; naquele
momento encontrávamos nós simples e porcamente felizes mesmo.
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