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Raízes do pensamento fuziladas - Jorge Eurico

A violência em Moçambique está na ordem-do-dia. A intolerância anda ao ritmo da marrabenta. Mas o sectarismo é mais forte. Tem a inquebrantável força de um ciclone tropical parido nas quentes águas do Oceano Índico Sul. O desejo de alternância política tem sido travado à bala. Muita bala! Poucos tiros! É o apogeu da selvajaria. Quem se opõe ao status quo, pode ver cortado o fio da vida. A qualquer momento. Em qualquer circustância.

A morte anda à espreita. Mata-se à sangue e frio. Quem trata disso são os “Esquadrões da Morte”. Actuam à margem da Lei e da Constituição vigente. Agem à paisana. Sujam as mãos de sangue. Depois somem. Desaparecem no breu profundo das ruas mal iluminadas da cidade de um Moçambique que agora virou cemitério de intelectuais e políticos: Maputo!

Essa é, em resumo, a saga do fuzilamento das raízes do pensamento na Pátria de José Craveirinha e Noémia de Sousa. Mata-se que se farta em Moçambique. A vida dos intelectuais e políticos não tem valor. São abatidos a qualquer hora do dia ou da noite. Sem apelo nem agravo. O resto fica por conta dos políticos. Eles resolvem o assunto. Minimizam a perda das vidas humanas. Uma desumanidade que se sobrepõe ao sentimento humano. Desencorajam a Justiça a fazer justiça. Infundem medo aos cidadãos.

A lista de intelectuais e políticos moçambicanos executados já é consideravelmente alta. E longa. Há muito que se tomam “medidas activas” contra todos aqueles que ousam pensar. Pôr em causa o establishment. Eis a lista dos intelectuais e políticos moçambicanos já “fuzilados”:

1. Carlos Cardoso (2000): Carlos Cardoso era jornalista de investigação e editor do jornal “Metical”. Foi assassinado em Novembro de 2000 em Maputo. Investigava casos de corrupção de alto nível, incluindo um desfalque de 14 milhões de dólares no Banco Comercial de Moçambique (BCM). O assassinato de Carlos Cardoso é um dos casos mais chocantes. É considerado como um ataque sem precedentes à Liberdade de Imprensa naquele país lusófono.

2. Siba-Siba Macuácua (2001): Economista e presidente interino do Banco Austral. Foi morto em Agosto de 2001. Tentava limpar as finanças do banco, depois de um escândalo de corrupção e fraude financeira. A sua morte foi um rude golpe para os esforços de reforma no setor bancário e para a luta contra a corrupção em Moçambique.

3. Gilles Cistac (2015): Constitucionalista e professor de Direito. Foi assassinado em Março de 2015 em Maputo. Era uma voz crítica e independente. Debruçava-se sobre questões legais e políticas, incluindo a descentralização de poder em Moçambique. Há quem acredite que razões políticas tenham motivado o seu assassinato devido às suas opiniões divergentes sobre questões sensíveis.

4. Mahamudo Amurane (2017): Era presidente do município de Nampula. Foi morto a tiros em Outubro de 2017. Era conhecido pelas suas críticas à corrupção e esforço para implementar reformas administrativas. O seu assassinato chocou o País. Desempenhou um papel bastante activo no combate à má gestão e à corrupção em Nampula.

5. Anastácio Matavel (2019): Foi activista de Direitos Humanos e director executivo do Fórum das Organizações Não-Governamentais de Gaza (FONGA). Foi assassinado em Outubro de 2019, poucos dias antes das eleições gerais. Matavel foi um crítico das irregularidades eleitorais e da violência política. A investigação revelou que os assassinos eram membros das forças policiais.

O mais recente “fuzilamento” em pleno centro da cidade de Maputo vitimou o advogado Elvino Dias e o artista Paulo Guambe. A Polícia da República de Moçambique (PRM) abriu uma linha de investigação para deslindar o crime. Vivem-se dias de medo no Moçambique pós-eleitoral. O amanhã é uma incógnita. Ninguém sabe quem será o próximo intelectual ou político a ser crivado de balas. A Segurança Pública em Moçambique é uma miséria.

A sorte de quem verbera pelos seus direitos civis e políticos está em jogo. Está numa mão circunstancialmente aberta. Que se pode fechar a qualquer momento. Que pode esmagar quem tem a insolência de questionar seja o que for. No horizonte vislumbram-se poucas certezas. Só uma certeza é absolutamente absoluta: Não há preguiça quando se trata de matar (os poucos e bons) intelectuais e políticos moçambicanos. A nesga de insegurança pública e política que se regista em Moçambique poderá, um dia (não distante), transformar a “pérola” em “bujinganga” do Índico.

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