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A saga do chefe. espremer até a teta deitar sangue- Ramiro Aleixo

 Não alinho no branqueamento da imagem do Chefe. Há sim divisão no seu partido, em torno da sua sucessão ou da eventual estratégia para se manter no poder, ou de indicar um delfim. Existe, sim, e as manifestações de rua previstas demonstram exactamente isso.

Mas a culpa é mesmo do Chefe. Acomodou-se. Teve tempo de sobra para democratizar e modernizar o seu partido. Não o fez, porque se porta como um tirano, vaidoso e arrogante, confortado com o culto à sua imagem. Está com medo do seu legado. Corre agora o risco de sair, sem honra nem glória. Até poderá dar a volta, mas, o custo será demasiado alto, porque a partir de agora, o MPLA não será mais um partido amordaçado por uma disciplina medonha que vem de longe mas, acrescentou a sua parte. E a Nação está mais obstinada em libertar-se da ditadura. Não respeitar esse desejo, poderá ter consequências gravíssimas para a estabilidade política, económica e social do país, mas, sobretudo, para a segurança do próprio Chefe, dos seus colaboradores e familiares. Foi, afinal, o que ele fez ao seu Chefe. E tudo o que é bom ou é mau, tem retorno. Quase sempre, a dobrar. 

O Chefe demonstrou que está profundamente irritado porque, por via de impedimentos legais, não tem como concorrer para um terceiro mandato. Mais irritado ficou ainda o Chefe, ao saber que há no interior do seu partido, uma ala que não apoiará nenhuma estratégia sua para alterar as regras do jogo, e deixou clara essa pretensão. Quase arrancou o cabelo já grisalho que lhe resta, quando percebeu, que uns tantos, e não são quaisquer uns, estão a passar por cima da sua autoridade, a indicar, fora das estruturas do partido, outro ou outros candidatos. Como o seu Chefe, não admite mijadas ‘fora do penico’ e até já foi vítima dessa ousadia.

Mas o Chefe tem razão. Como referi num artigo publicado pelo semanário Novo Jornal, os militantes do MPLA não passam de meros servidores das suas lideranças. Logo, estão impedidos de pensar com a sua própria cabeça e pior ainda, de ter opções, para lá dos apetites do Chefe. Menos ainda, de manifestarem o desejo de se candidatar para substituir o Chefe, ou de apoiar quem o faça. É o ADN desse partido, e vem de longe. Nem com um novo Chefe, o paradigma foi alterado. Antes, pelo contrário, com maior envolvência, tudo é feito em prol do Chefe, ou em nome do Chefe, como nos regimes comunistas que caíram, como em Cuba ou na Coreia do Norte, os que resistem. Já ouviram na rádio ou viram nas tpas e em outdores a publicidade sobre o Congresso da JMPLA? Está lá a marca (e a foto) do Chefe. O paradigma é esse mesmo. Obediência cega ao Chefe, à disciplina partidária. E o Chefe gostou, acomodou-se e não alterou nada.

O Chefe, como bom chefe africano, gosta de ser idolatrado. Idolatria é sinónimo de poder. É o que sente o Chefe ao ver a sua imagem imprimida em tela, cobrindo, do alto a baixo, os andares da sede do partido. O seu partido. Está lá a imagem dele, de Chefe. Mas, agora, o que está na moda, são os blusões e os cachecóis amarelos com a imagem do Chefe estampada. Têm que estar bem alinhadas, para que se possa ver nas câmaras e nas fotografias. A cara do Chefe. É o Chefe quem manda, mesmo quando, como é o caso, poderá não mandar daqui a pouco mais de dois anos. Mas agora, é o Chefe quem manda.

Como sabemos, o Chefe, é também produto, bem ou mal ‘manufacturado’ nesse partido, que foi dirigido por 37 anos pelo Chefe que o indicou para ser o novo Chefe. No início, até tentou não ser Chefe igual ao seu Chefe. Mas, após vestir e sentir o conforto do fato feito à medida do Chefe, percebeu que podia superar o Chefe. Para que não restassem dúvidas sobre o seu poder de mando como Chefe, começou por fazer uma faxina para eliminar todos os vestígios do Chefe. E mesmo após morto, mandou ‘sequestrá-lo’ e acomodou-o no porão do avião (um Boeing da TAAG) que o foi buscar, enquanto pomposas coroas de flores para o seu velório viajavam acomodadas como passageiros vip’s. Para mostrar que agora quem manda é ele, o Chefe, proporcionou-lhe um funeral de Estado, mas mantém-no seu prisioneiro no quintal do imponente monumento que o seu Chefe mandou construir, para honrar a memória do outro Chefe. Para se perceber, de uma vez por todas, que ele, agora, é o Chefe. É ele quem manda e sem a sua autorização, ninguém vai lá prestar-lhe qualquer homenagem. E vai-se lá saber um dia, se os restos mortais que estão lá, são mesmo os dele.  

A postura do Chefe contra o seu Chefe, tocou fundo na alma de muitos companheiros dos dois chefes, que temerosos primeiro, preocupados com tamanha raiva (ou inveja?) do novo Chefe, esconderam-se no silêncio, que considerei hipócrita e cobarde. Percebi, agora, que preferiram aguardar pelo momento certo, para estragar a festa do Chefe, com suporte em dois instrumentos: os estatutos do próprio partido e a Constituição, aprovados com a contribuição do Chefe. Rugiu ofendido, como leão ferido, porque ele é o Chefe. Sentiu-se traído. Encaixou o golpe, e com a ajuda de um ideólogo que já tinha arrumado na prateleira, já próximo das últimas eleições que estavam ameaçadas, voltou a integrá-lo na sua equipa e engendrou a vingança. E pensou em voz alta: Ou sou o Chefe e continuo a mandar e eles obedecem, ou afundo o barco. Convocou os coordenadores dos comités de acção, para falar do fraco desempenho da sua direcção, imputando-a os insucessos do partido, que ele próprio, o Chefe, dirige. Por arrasto, acusou a oposição de ser responsável pela falta de papel higiénico nas casas de banho do Palácio e do Kremlin. E a assistência aplaudiu, porque acreditou. Afinal, quem disse foi o Chefe e o Chefe não mente. Desmente-se, como no pacote autárquico! A iniciativa, como disse, é dele, Chefe, mas não foi. Mas é proibido dizer que foi o seu Chefe.

Aplausos não faltaram, porque todos querem agradar o Chefe. Porque apoiar o Chefe é garantia de acomodação, de viatura, de melhor conforto na vida. E para isso, vale até omitir a verdade ao Chefe, porque ele nem gosta sequer de ouvir que algo vai mal, porque está tudo bem aos seus olhos. Eles sabem, mas não dizem ao Chefe, para não irritá-lo, que a grande maioria dos angolanos têm-no como incompetente na resolução dos problemas que o País enfrenta. Que têm a sua gestão, como um desastre, que sentem saudades do outro Chefe. Ninguém tem coragem de dizer, que até o mais humilde cidadão ‘avacalha’ o Chefe e ninguém gosta de vê-lo nas tpas. É só ofensas. Até mesmo no seio das famílias dos próprios militantes. Ninguém tem coragem para dizer ao Chefe, que o navio sob seu comando, já tem um grande rombo e está a afundar. Porque o Chefe vai ficar irritado. O melhor é mesmo participar na festa promovida pelo Chefe, dançar, comer, beber e gritar: “eu apoio o Chefe”. Pode ser que o Chefe oiça. 

E foi assim, no seu habitual estilo ‘pausado’ e rodeado por exagerado cordão de segurança, que o Chefe entrou na ampla sala de reuniões da Grande Família, apinhada de militantes coordenadores dos comités de acção, trajados a rigor com indumentária preta, vermelha e amarela, simbolizando o MPLA e a promiscuidade com os símbolos do Estado. Se não sabiam, até ministros, governadores e outros animadores estiveram lá, nas vestes de coordenadores de ‘capes’, não fosse o Chefe ficar aborrecido com a ausência.

Enquanto caminhava naquela sua passada de banga e meio preguiçosa, percebia-se que, para lá do peso dos 70 anos completados a 5 de Março, o Chefe apresenta já sinais muito visíveis do desgaste e do cansaço, provocado por sete anos de uma governação conturbada e sofrível. Na nossa visão. No entanto, pretende mais. Dez anos são poucos. E essa nossa percepção ganhou maior sustentação, quando vimos o Chefe subir as escadas do ‘seu’ luxuoso avião que custou ao erário cerca de 300 milhões de dólares, para mais uma viagem, privada, em que não dispensou o beija-mão de ‘despedida’ da vice-presidente e dos membros do seu Executivo. Faltar? Nem pensar. O Chefe pode pensar que se está contra ele.

Degrau a degrau, cada impulso do Chefe a subir as escadas, pareceu-nos um tanto ao quanto doloroso. Estará doente? Como saberemos e manifestaremos solidariedade, se essa informação constitui “segredo de Estado”? Mas se estiver, o melhor mesmo é o Chefe viajar, como fez, porque o diagnóstico aqui vai para além da capacidade instalada nas unidades hospitalares recentemente construídas e equipadas com meios de última geração, que para o nosso tratamento operam ‘milagres’. Não para o caso do Chefe, porque ele não acredita nos santos da casa, salvo algumas excepções do seu núcleo de assistência. Aliás, é esse núcleo quem aconselha o Chefe a recorrer a outras valências. É, provavelmente, a única decisão imposta ao Chefe e que ele capta com gosto, nem se aborrece, porque viajar é mesmo o seu forte. 

Essa imagem do Chefe, incluindo o aceno de despedida na companhia da esposa, lembrou-nos, como cantou o músico Sebem, “que ninguém é melhor que ninguém”. Nem mesmo o Chefe. É, como qualquer comum dos mortais, com ou sem poder sobre tudo e sobre todos, comendo caviar ou lambula, bebendo o melhor vinho ou o vulgar katchipembe; faça exercícios com uma bicicleta de marca na zona mais limpa e cuidada de Luanda, ou aos empurrões, no interior de um táxi besuntado com molhos de todos os sabores e cheiros. Mostrou-nos que o poder e a riqueza ajudam sem dúvida na qualidade de vida, mas não alteram a genética. Que é, sim, verdade, que ‘ninguém é melhor que ninguém’. Aliás, todos, sem excepção, temos tempo útil, determinado pelos dois ciclos fundamentais da nossa passagem terrena (nascer e falecer), que fazem da vida o mesmo que um relógio, que a qualquer momento pode deixar de funcionar. Como tudo, também nós humanos temos o nosso timing, sofremos transformações. E o Chefe já percebeu que o seu timing escapa-se, e que afinal, não tem poder para pará-lo. Que pode ter o desfecho que deu ao seu Chefe.

As regras do jogo político, sempre foram claras. Ele, o Chefe, é que quer mais. Para fazer o quê? Também não diz, mas nem precisa de dizer porque todos adivinhamos para que será. Mas, agora, tudo fica mais difícil, porque não é tão fácil a compra de votos de deputados da oposição para alterar a Constituição a seu favor. Ainda que contra a sua vontade, ou com a indicação de alguém mais jovem para seu delfim, o que é facto, é que daqui a dois anos e pouco mais, ele e família deverão arrumar as malas e mudar-se. 

Não tem que ter medo do seu legado. Se bom ou se mau. Se fez boa sementeira, colherá bons frutos. Mas, se “semeou ventos”, não tem dúvidas, “colherá tempestades”. E quanto ao seu partido, pouco ou nada mais tem que fazer. Deverá esperar que faça para ele, porque quanto mais o fragmentar, maiores serão os riscos que correrá também para assegurar a sua reforma. É que os seus militantes, podem estar a ver agora a oportunidade de colocar fim ao ferrolho de obediência cega aos chefes. Um exercício difícil, porque é o Chefe quem baralha as cartas e distribui pelos chefes imediatos e estes pelos chefitos ou chefinhos. Mas o último trunfo de comando, será sempre seu. As eleições em Angola são um grande negócio para todos e ganhá-las, custa apenas mil milhões (um bi) de dólares. O MPLA não tem recursos, mas só o Chefe sabe onde ir buscar e tem poder para isso. Pode constituir um grupo de trabalho integrado pelo ministro da Administração do Território, pela ministra das Finanças, pelo governador do BNA e pelo presidente do Fundo Soberano. E quando um dia sair, se forem indiciados por prática de qualquer crime, que se danem. A ministra das Finanças pode justificar que não concordou, o governador do BNA e o presidente do Fundo Soberano serão condenados, porque até a assinatura do Chefe não será reconhecida.

É claro que ninguém quer mais a repetição do filme de perseguição em que o “Gringo” que “não perdoa”, se tornou no Chefe implacável, que acabou por se perder num projecto pessoal, cujo reverso são a miséria que contrasta com o luxo que exibe de forma despudorada. Mas, pelos vistos, tudo se encaminha para aí. Infelizmente! E o Chefe teve oportunidade para mudar e não mudou. Gostou de ser Presidente. E como gosta!

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