Gostaríamos antes demais de endereçar nossos votos de que o ano que agora começou seja, de facto, um ano próspero e pleno de sucessos para todos nas várias vertentes da vida. Convidamos-vos para este encontro para partilhar convosco a grande preocupação que nos assiste sobre a presente situação socioeconómica de Angola e, muito particularmente sobre a eminência de uma greve geral dos trabalhadores conforme anúncio recente das centrais sindicais e, sobre a qual gostaríamos de tecer as seguintes considerações:
Nos últimos anos, Angola tem lidado com um cenário económico
turbulento, caracterizado por taxas de crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) aquém das expectativas, alto desemprego e inflação persistente. Enquanto
isso, questões estruturais como lacunas na diversificação económica, corrupção
endêmica e desigualdade de renda continuam a minar os esforços para alcançar um
desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Em 2023 assistimos a mais uma derrapagem da economia angolana
como resultado directo das medidas de cunho eminentemente eleitoralista
assumidas em 2022, ano eleitoral. Esta derrapagem foi particularmente evidente
no mercado cambial onde se observou uma acentuada depreciação do Kwanza,
nomeadamente de 38,8% face ao USD e 36,8% em relação ao Euro. A taxa de câmbio
atingiu níveis historicamente elevados, tendo o dólar encerrado o ano cotado em
828,776 Kwanzas enquanto o Euro cotava-se em 908,227 Kwanzas. Com a elevada
depreciação da taxa de câmbio e receios que emergiram com o início da remoção
dos subsídios aos preços dos combustíveis, aumentaram-se as expectativas de
inflação, situando-se as estimativas de inflação para 2023 acima de 20%.
Os reflexos sociais desta derrapagem foram imediatos,
caracterizados por um aumento considerável na média dos preços dos produtos da
cesta básica, com uma forte perda do poder de compra, falência das empresas,
(particularmente das micro e pequenas empresas), aumento do desemprego e, por
arrasto, aumento dos índices de pobreza concomitante a desarticulação da classe
média, enfim, uma acintosa deterioração social com todo o cortejo de fenómenos
sociais degradantes que se impõem nestes períodos conturbados.
Fruto destes desdobramentos sociais, sem respostas
consistentes por parte do Executivo intensificaram-se os movimentos
reivindicativos por parte da classe trabalhadora e a confluência destes
movimentos resultou no apelo à greve geral decretada pelas três centrais
sindicais. Entendem as centrais sindicais que o aumento salarial de 5% na
função pública instituído pelo Executivo e a omissão na definição do salário
mínimo nacional são medidas que em nada contribuem para a reposição do poder de
compra dos trabalhadores a níveis compatíveis com os índices de inflação. O
Governo, por seu turno, parece inamovível das posições tomadas o que resultou
num braço de ferro que torna real a ameaça de greve geral anunciada pelos
sindicatos.
Assim, considerando que uma paralisação geral nos termos
propostos pelos sindicatos poderia acarretar consequências mais gravosas para a
economia, com repercussões sociais ainda mais profundas, se por um lado
encorajamos os trabalhadores a lutarem pelos seus direitos inalienáveis na
prossecução do bem comum queremos, por outro lado, exortar o Executivo a
adoptar uma postura mais dialogante com os trabalhadores para em harmonia
buscarem-se soluções que satisfaçam ambos os lados.
É nosso entendimento que, diante dos desafios económicos e
sociais enfrentados por Angola, bem como das oportunidades de crescimento e
desenvolvimento que se apresentam, é evidente a necessidade premente de
considerar aumentos salariais significativos, numa perspectiva gradual, como uma
medida vital para promover a estabilidade social e estimular o crescimento
inclusivo. Partindo de uma análise abrangente e pragmática dos indicadores
económicos e sociais que moldam o cenário actual de Angola podem ser sondados
os caminhos que permitem aumentos salariais significativos sem grandes
perturbações do já desafiador cenário económico. Para o efeito uma compreensão
profunda dos factores que influenciam o crescimento económico, a distribuição
de renda, a competitividade e o mercado de trabalho afigura-se fundamental,
para a formulação de políticas eficazes e voltadas para o futuro. Além disso,
há um imperativo em explorar estratégias inovadoras e sustentáveis para
promover a prosperidade económica, garantindo ao mesmo tempo uma distribuição
equitativa dos benefícios do crescimento em todos os segmentos da sociedade.
Os indicadores económicos e sociais desempenham um papel
crucial na compreensão da saúde geral de uma economia e da sociedade que a
sustenta. Esses indicadores fornecem uma visão abrangente do desempenho
económico, do bem-estar social e das condições de vida da população,
permitindo-nos ponderar sobre as necessidades e possibilidades efectivas de
aumentos salariais em Angola. Para esta análise são particularmente úteis os
seguintes indicadores:
Crescimento Económico
Nos últimos cinco anos, o país tem enfrentado taxas de
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) aquém das expectativas, com períodos
de crescimento negativo entre 2016 e 2020. Essa desaceleração económica
significativa, marcada por quedas que variaram entre -0.15% a um declínio
acentuado de -5.64% em 2020, reflete os desafios estruturais persistentes que o
país enfrenta.
Apesar desses desafios, há alguns sinais encorajadores de
recuperação. Em 2022, Angola emergiu do ciclo de crescimento negativo, com uma
expansão do PIB de 3.05%. Esta recuperação representa um marco significativo
após anos de desempenho económico abaixo do esperado. Para 2023 O Governo
projectou um crescimento do PIB na ordem dos 3,5%, enquanto o Banco Mundial
estima em 1,3%.
Angola enfrenta desafios significativos em termos de
produtividade e liberdade económica, refletindo um panorama complexo e
multifacetado que molda sua trajetória económica.
O índice de produtividade do país, medido pelo Índice de
Capacidades Produtivas (PCI) da UNCTAD, está actualmente fixado em 22,03 em
100. Esse indicador reflecte a capacidade de Angola para alcançar o crescimento
económico sustentável, criar empregos e reduzir a pobreza.
Paralelamente, a pontuação de liberdade económica de Angola,
conforme destacado pela Heritage Foundation, é de 53, posicionando a economia
angolana como a 130ª mais livre no Índice de 2023. A pontuação do país está
bastante abaixo das médias mundiais e regionais. Um dos principais obstáculos
para o avanço económico é a corrupção generalizada e a interferência política
no sistema judiciário, que continuam a minar o ambiente de negócios e a
produtividade em Angola.
Esses desafios estruturais não só afectam a capacidade do
país de impulsionar o crescimento económico, mas também minam a confiança dos
investidores e dificultam a atração de capital estrangeiro necessário para
promover o desenvolvimento sustentável.
- Desemprego
O desemprego continua a ser um desafio persistente em Angola,
com dados recentes reflectindo flutuações no mercado de trabalho. De acordo com
informações disponíveis, no quarto trimestre de 2022, a taxa de desemprego em
Angola diminuiu ligeiramente para 29,6% em comparação com os 30% do trimestre
anterior. Apesar dos esforços para estimular a criação de empregos e o
crescimento económico, o país continua lidando com altos níveis de desemprego,
o que acarreta implicações sociais e económicas significativas.
Inflação
Segundo dados estatísticos do Instituto Nacional de Estatística
(INE), Angola testemunhou uma taxa média de inflação de 18,8% nos últimos dez
anos até 2022, um valor consideravelmente superior à média regional da África
Subsaariana, que se fixou em 9,4%. Em 2022, a taxa de inflação atingiu 21,4%,
refletindo os desafios enfrentados pela economia angolana em relação à
estabilidade de preços.
As perspectivas futuras da inflação são objecto de análise
por parte dos macromodelos e analistas globais da Trading Economics. Espera-se
que a taxa de inflação se mantenha em torno de 19,7% até o final do primeiro
trimestre de 2024. No entanto, a projecção para o longo prazo aponta para uma
tendência de queda, com uma estimativa em torno de 17,5% em 2025.
Índice dos Salários
Reais o índice de salários reais é uma medida do poder de compra dos salários,
normalmente calculado ajustando os salários nominais à inflação. Reflete a
mudança nos salários reais ao longo do tempo. O Índice de Salário Real está
estimado em 18 540 Kwanzas o que significa que o poder de compra do salário
nominal em Angola é aproximadamente 18.540 kwanzas feitos os descontos de
inflação ao longo do período de 4 anos. Em outras palavras, os trabalhadores
angolanos estão enfrentando uma acentuada diminuição no poder de compra de seus
salários devido à inflação.
Índice de Gini o
Índice de Gini é uma medida estatística que avalia a desigualdade de
distribuição de renda dentro de uma determinada população. Ele varia de 0 a 1,
onde 0 representa perfeita igualdade (todos têm a mesma renda) e 1 representa
máxima desigualdade (uma pessoa detém toda a renda).
O Centro de Estudos e Investigação Científica (CEIC) reporta
um índice de Gini de 0,55 para Angola em 2019, representando uma desigualdade
significativa na distribuição de renda.
O cenário económico turbulento, marcado por taxas de
crescimento do PIB aquém das expectativas, alto desemprego e inflação
persistente, destaca a urgência de medidas que fortaleçam o poder de compra dos
trabalhadores angolanos. A diminuição do índice de salários reais ao longo dos
anos é um indicador alarmante da perda de capacidade financeira dos
trabalhadores para enfrentar os desafios económicos do país.
Além disso, a desigualdade acentuada na distribuição de
renda, refletida no índice de Gini, sublinha a importância de políticas que
visem reduzir as disparidades salariais e promover uma distribuição mais
equitativa dos benefícios do crescimento económico.
Considerando esses factores, recomendamos enfaticamente a
realização de negociações salariais que resultem em um aumento significativo do
salário mínimo, bem como em aumentos salariais para o restante dos
trabalhadores. Esses aumentos não apenas ajudarão a aliviar o fardo financeiro
sobre os trabalhadores e suas famílias, mas também estimularão o consumo
interno, impulsionando assim a actividade económica e contribuindo para o
crescimento sustentável do país.
No entanto, é crucial que esses aumentos salariais sejam
acompanhados por medidas que promovam a produtividade e a competitividade, garantindo
assim a sustentabilidade a longo prazo. Investimentos em educação, formação
profissional e infraestrutura são essenciais para melhorar a capacidade
produtiva da mão-de-obra angolana e impulsionar o desenvolvimento económico.
Portanto, instamos as autoridades governamentais, as empresas
e os sindicatos a colaborarem na formulação e implementação de políticas que
garantam aumentos salariais justos e sustentáveis, visando o bem-estar dos
trabalhadores e o progresso económico de Angola como um todo.
É necessário que a concertação social, assente no diálogo
honesto tenha carácter permanente e regular no país, não apenas para negociar
salários, mas também para exigir dos trabalhadores uma postura de trabalho mais
eficiente que promova ganhos de produtividade capazes de impulsionar o
crescimento económico.
Se estes passos forem dados de forma segura e firme
acreditamos que ficarão patentes os caminhos que conduzirão à imperativa
transformação estrutural da economia de Angola, mola impulsionadora do
desenvolvimento sustentável.
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