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Filho de Nandó deve mais de 150 milhões de dólares

 Cláudio da Piedade Dias dos Santos é proprietário de empresas ligadas ao ramo da construção civil, e também de dívidas a bancos que terão lesado o Estado angolano em quase cem milhões de dólares. Os processos que correm nos tribunais não têm fim à vista, as queixas apresentadas pelos credores não têm seguimento e, da parte dos devedores, há apenas silêncio. A justiça angolana continua a não ser capaz de travar a impunidade nem de responsabilizar os criminosos de colarinho branco pelos seus assaltos aos cofres do Estado.

Em Dezembro próximo, o empresário Cláudio da Piedade Dias dos Santos terá de pagar ao Banco Económico, composto por capital maioritariamente público, cerca de 113 milhões de dólares em dívidas.

O que há de anormal neste caso?

Cláudio da Piedade Dias dos Santos é o dono da empresa de construção Prebuild. Ora, uma denúncia feita ao Maka Angola pela empresa Ramos Ferreira Engenharia, Lda., a quem a Prebuild deve mais de três milhões de dólares, acaba por deixar a descoberto dívidas bem maiores, envolvendo o Estado angolano, que deverá ser o principal lesado. Através da Sonangol, o Estado detém uma participação de 70,38% no Banco Económico e, segundo especialistas em finanças, é possível que não consiga recuperar um cêntimo da dívida. Os outros accionistas são a Geni – Novas Tecnologias (19,9%), pertencente ao general Leopoldino Fragoso do Nascimento, e o português Novo Banco (9%).

 

Em 2013, a Prebuild contraiu vários créditos junto do Banco Espírito Santo Angola (BESA), supostamente para aquisição de equipamentos para subempreitadas de construção, segundo dados deste portal. Dois dos créditos, no valor de 61,4 milhões de dólares, são os que vencem este ano. Os outros dois somam um total de 36,6 milhões de dólares, com maturidades a vencer em 2035 e 2037, datas em que deverão ser pagos, sem contar com juros. Logo, só com estes créditos, Cláudio da Piedade Dias dos Santos levou mais de 98 milhões de dólares do BESA, de acordo com dados na posse do Maka Angola.

Como a Prebuild não se prestava a pagar juros nem capital, houve sucessivas reestruturações da dívida e prolongou-se a maturidade da mesma para Dezembro de 2020, de acordo com fonte fidedigna. Com efeito, o montante do capital de juros em dívida, a uma taxa anual de 12%, ultrapassa os 51 milhões de dólares.

Vamos então por partes. A Prebuild, Lda. é uma sociedade por quotas fundada em 2007, que tem como objecto principal a construção civil e obras públicas. Os seus sócios são Cláudio da Piedade Dias dos Santos e a Mostratus – Participações e Investimentos, Lda., que pertence igualmente à família de Cláudio dos Santos, mais especificamente à sua esposa, Zélia Anira Nunes Salgueiro Dias dos Santos, e aos filhos de ambos. A Mostratus foi criada um ano antes da Prebuild, em 2006.

De acordo com dados examinados pelo Maka Angola, a Mostratus, por sua vez, também tem dívidas ao Banco Económico. Até 2013, recebeu dois créditos, no valor equivalente a 13 milhões de dólares, para “apoio à tesouraria” e para aquisição de 34% das acções da Mundial Seguros, que deixou igualmente por pagar.

Além disso, há um anúncio judicial publicado já duas vezes no Jornal de Angola, a segunda das quais com data de 5 de Fevereiro de 2020. A Mostratus e o casal Dias dos Santos têm-se furtado a serem citados numa acção executiva que corre termos na 3.ª Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda. Trata-se do processo n.º 1850/15-A, em que o Banco Millennium (agora Atlântico) os executa (à Mostratus e ao casal Dias dos Santos) para pagar dívidas avultadas, na ordem dos 38 milhões de dólares. Caso isso não aconteça, o banco irá executar os bens pessoais do casal.

Cláudio da Piedade Dias dos Santos é filho do presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos “Nandó”. Nessa medida, é o que se designa por “Pessoa Politicamente Exposta” (PEP, no acrónimo em língua inglesa). Na legislação angolana, uma Pessoa Politicamente Exposta é aquela que ocupa um cargo de relevo político (como é o caso do presidente da Assembleia Nacional) ou um seu familiar próximo, designadamente os filhos.

Contudo, Rui Verde, analista jurídico do Maka Angola, faz notar que a Lei do Combate ao Branqueamento de Capitais e do Financiamento ao Terrorismo (Lei n.º 34/11) refere que apenas as “pessoas singulares estrangeiras” poderão ser designadas como PEP. “Tal é verdade e é o que decorre do texto da lei”, afirma Rui Verde.

“Já o guia de cumprimento das obrigações relativas ao branqueamento de capitais e ao financiamento ao terrorismo, emitido pela UIF, define que PEP é a pessoa singular estrangeira, ou nacional, que desempenha, ou desempenhou, até há um ano, cargos de natureza política ou pública, bem como os membros próximos da sua família”,  acrescenta o jurista.

Tendo em conta o interesse público e a especial atenção que as autoridades e a sociedade devem prestar às transacções efectuadas por PEP, o Banco Nacional de Angola (BNA) define uma norma clara. Em 2012, emitiu o Aviso n.º 22/12, que impõe aos bancos deveres de vigilância reforçada no seu relacionamento com PEP. Em 2018, o BNA reiterou a necessidade de prestar especial atenção às PEP, por meio do Instrutivo 02/2018.

Rui Verde lembra que, por força do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), “Angola reconheceu que as pessoas nacionais também são PEP e obrigou-se a modificar urgentemente a Lei n.º 34/11”.

Existe, portanto, neste momento um compromisso internacional para estender a definição de PEP a qualquer cidadão angolano que ocupe destacados cargos e, por extensão, aos seus familiares.

Logo, as actividades de ordem financeira e bancária de PEP são de óbvio interesse público.

Nandó ocupa a presidência da Assembleia Nacional desde 2008. Fez um breve interregno entre 2010 e 2012, quando exerceu funções como vice-presidente da República. Por consequência, a relevância desta investigação está precisamente no facto de Cláudio Dias dos Santos ser uma PEP.

O proprietário da Prebuild não respondeu ao questionário enviado pelo Maka Angola. Contudo, reservamos-lhe o Direito de Resposta, logo que entenda relatar a sua versão dos factos.

No fundo, a questão que permanece sem resposta é: o que fez a Prebuild com aqueles créditos? A Prebuild tinha como testa-de-ferro João Gama Leão, um cidadão português que no seu país era dono e presidente do Conselho de Administração de uma empresa com o mesmo nome: Prebuild. Em Portugal, esta empresa faliu, com dívidas de mais de 334 milhões de euros ao Novo Banco (ex-Banco Espírito Santo – BES).

Em 2013, em nome da Prebuild de Cláudio Dias dos Santos, João Gama Leão obteve mais um crédito de 30 milhões de dólares junto do BESA, o quinto, para a construção de um edifício em Luanda. Entregou como penhora 30% das acções da referida empresa, como se fossem suas e com a validação de Cláudio da Piedade Dias dos Santos.

“Considerando que estas dívidas são ‘crédito vivo’ e a outra parte é renovação de créditos já existentes que vencem este ano e em 2037, ao que se acrescenta o não pagamento de quaisquer juros, o Estado já está lesado”, considera um renomado economista, que prefere o anonimato.

“Agora, é o Estado, o principal accionista, que tem de resolver o problema desta e de outras dívidas de PEP”, conclui. O actual presidente do Conselho de Administração do Banco Económico é Pedro Luís da Fonseca, ex-ministro da Economia e Planeamento.

DOLCE VITA E ROSA LINDA

Duas das obras mais conhecidas que envolvem a Prebuild são investimentos imobiliários em Luanda: o Dolce Vita (no Talatona) e a Quinta Rosa Linda (junto ao Hotel Costa do Sol).

Esses investimentos estavam a cargo do construtor português José Guilherme.

Para as obras nos empreendimentos Quinta Rosa Linda e Dolce Vita, a Prebuild subcontratou a Ramos Ferreira Engenharia, Lda., que faz parte do grupo português com o mesmo nome. Entre 2010 e 2013, foram assinados entre as duas empresas cinco contratos de subempreitada, no valor global de 26,6 milhões de dólares, para instalação eléctrica, telecomunicações e segurança, ar condicionado, climatização e ventilação em vários lotes dos dois empreendimentos.

A Prebuild liquidou cerca de 22 milhões de dólares e ficou a dever 4,6 milhões de dólares à Ramos Ferreira Engenharia, Lda., que faz parte do grupo português com o mesmo nome.

Após este incumprimento parcial, a Ramos Ferreira foi pedir o dinheiro ao dono da obra, José Guilherme, que primeiro se recusou a pagar, afirmando que já entregara todo o dinheiro à Prebuild, e que por isso era esta empresa quem tinha de acertar contas.

Não se compreende como é que a Prebuild, após ter recebido dezenas de milhares de dólares nessa altura, assim como pagamentos integrais de José Guilherme, não honrou na íntegra a dívida que tinha para com um subempreiteiro.

Contudo, em Julho de 2017, numa segunda fase negocial, José Guilherme e o então representante da Prebuild, Martinho Leão, decidiram entregar uma loja do empreendimento Dolce Vita à Ramos Ferreira, para abate de 927 mil dólares da dívida.

Carla Ferreira, sócia gerente da empresa lesada, conta que Cláudio Dias dos Santos interveio pessoalmente, para impossibilitar a entrega da loja. A gerente refere ainda que o dono da Prebuild deixou de atender os telefonemas e se eximiu a contactos, enquanto ia transferindo os seus activos para uma empresa denominada PBA Imobiliária, Lda.

Além disso, Carla Ferreira explica que a conhecida advogada  tentou “que assinássemos um acordo onde, em troca de uma loja que reduziria o valor da dívida para 3,3 milhões de dólares, a Ramos Ferreira teria de garantir que não reclamaria o restante valor à Prebuild”.

“Ou seja, Ana Paula Godinho trabalhava como advogada de José Guilherme e também defendia os interesses da Prebuild. Nessa mesma altura a advogada também era vice-presidente da Assembleia-Geral do Banco Económico”, lembra a sócia gerente da Ramos Ferreira.

Por sua vez, a advogada refuta as acusações de Carla Ferreira, após leitura do contrato por si mesma redigido. “Isto não é Prebuild. Fiz este contrato na sequência de um processo judicial em que fui contratada pela Lisampere [empresa de José Guilherme].”

Continuando sem receber dinheiro nenhum, a Ramos Ferreira intentou, em Maio de 2018, uma providência cautelar contra a Prebuild. Nessa acção, foi pedido o arresto dos apartamentos não arrendados do prédio 5-A, do Bloco 5, do condomínio Dolce Vita, bem como o direito ao arrendamento de todas as fracções desse mesmo prédio. Nesse ano, em Julho, deu entrada uma acção declarativa de condenação contra a Prebuild, Cláudio Dias dos Santos e sua mulher Zélia Anira Nunes Salgueiro Dias dos Santos, onde se solicitava o pagamento do valor de 4,2 milhões de dólares. Até à data, e já decorreram dois anos, o Tribunal Provincial de Luanda não se pronunciou sobre a providência cautelar.

Acontece que as providências cautelares são processos urgentes, que têm como móbil um perigo imediato. Por natureza, têm de ser decididas depressa, senão perdem qualquer efeito. Como diz um conhecido jurista, “são como um gelado. Se não é comido em tempo útil, derrete-se e desaparece”.

Depois disto, houve uma troca de emails entre Cláudio Santos e a Ramos Ferreira, em que o primeiro se mostra desentendido e começa por pedir a documentação que sustenta a dívida, e depois vem dizer o seguinte: “Como julgo saber a rapaziada que estava na gestão geriu fraudulosamente apoiados em alguns fornecedores e clientes é importante saber de que lado vocês estão…” Na prática, acusa a Ramos Ferreira de fraude e exime-se a qualquer pagamento.

Mais uma vez, a justiça é chamada a pronunciar-se. Já se sabe que, sem justiça a funcionar, não há investimento, não há desenvolvimento e não há país a funcionar. Mais uma vez, repetimos que a reforma efectiva da justiça, e não a resolução de questiúnculas entre magistrados, deve ser uma das tarefas principais do Executivo. O caso da Prebuild, cuja gravíssima consequência é a depauperação dos cofres do Estado, é sobretudo sintomático da inoperância e da impunidade.

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