O jornalista angolano Felisberto da Graça Campos recusou integrar a lista de personalidades homenageadas no âmbito das celebrações dos 50 anos da Independência Nacional. Segundo fonte da comissão organizadora do evento, ao ser contactado para o efeito, Graça Campos terá invocado que as condecorações se assemelham a um acto político, cujos critérios de atribuição estariam alinhados com a causa do MPLA, partido no poder.
Na visão do jornalista, seria injusto aceitar a distinção, uma vez que não se recorda de ter desenvolvido qualquer trabalho em prol da agenda partidária do MPLA. A sua recusa é interpretada como um gesto de coerência com a postura crítica e independente que tem mantido ao longo de mais de quatro décadas de carreira.
Graça Campos é uma figura incontornável do jornalismo angolano, tendo sido diretor e editor do extinto Semanário Angolense e, atualmente, dirige o jornal digital Correio Angolense.
Reconhecido pelo seu trabalho investigativo, enfrentou diversos processos judiciais por reportagens que expuseram figuras públicas e instituições do Estado. Em 2007, foi condenado a oito meses de prisão, o que gerou protestos de organizações de direitos humanos. Mais recentemente, em 2024, foi ouvido pelo Serviço de Investigação Criminal (SIC) após uma queixa apresentada por Bali Chilonga, advogado e analista político próximo do regime.
Nos últimos anos, Graça Campos tem denunciado o que considera ser uma regressão da liberdade de imprensa em Angola, descrevendo o exercício do jornalismo no país como “doloroso”.
A sua decisão junta-se à de outros jornalistas da sua geração que também recusaram condecorações. Entre eles, o veterano Reginaldo Silva, e Severino Carlos, antigo editor de política do Semanário Angolense. Este último constava como número 604 na lista oficial de homenageados, mas optou por não comparecer à cerimónia realizada a 10 de setembro de 2025, em Luanda.
Em nota pública, Severino Carlos afirmou que, embora reconhecesse o valor simbólico da medalha como reconhecimento pela sua trajectória, não poderia aceitar uma homenagem de um Estado que, segundo ele, não respeita a liberdade de imprensa.
“Embora a medalha fosse um reconhecimento à minha trajectória, seria incoerente aceitá-la de um regime que me persegue e marginaliza por manter uma postura crítica e independente”, declarou.
As recusas destes profissionais reacendem o debate sobre o papel da imprensa
livre e os limites da instrumentalização política das homenagens públicas em
Angola.
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