Quando João Lourenço afastou Isabel dos Santos da presidência da Sonangol em 2017, alegando corrupção e má gestão, apresentou-se como o presidente reformista que iria “limpar” a petrolífera estatal e acabar com a pilhagem que marcara a era de José Eduardo dos Santos. Sete anos depois, a realidade mostra outra face: o poder sobre o petróleo angolano não foi democratizado nem sujeito a transparência — apenas mudou de mãos, beneficiando novos círculos próximos do poder.
Um exemplo paradigmático é a ascensão meteórica de Gianni Policarpo Gaspar
Martins, fundador e CEO da Alfort Petroleum, que em novembro de 2022 passou a
controlar o bloco KON 8, um ativo onshore de alto potencial. O detalhe
escandaloso: Gianni é filho do atual presidente do Conselho de Administração da
Sonangol, Sebastião Pai Querido Gaspar Martins, a mesma instituição pública que
financiou a participação da empresa privada com 35 milhões de dólares.
O contrato de partilha de produção (PSA) para o bloco KON 8 foi assinado em
agosto de 2022. Nos termos divulgados, a Alfort Petroleum comprometeu-se a
realizar cerca de 35 milhões USD em investimentos iniciais, sobretudo para
aquisição de dados sísmicos e programas ambientais, uma vez que 90% da área
concessionada encontra-se dentro do Parque Nacional da Quiçama.
O que não foi amplamente publicitado é que esse valor foi suportado pela
Sonangol, ou seja, com recursos públicos que deveriam servir o interesse
nacional e não os negócios pessoais do filho do seu próprio presidente.
Trata-se de uma contradição gritante: enquanto se exige austeridade ao povo e
se multiplicam discursos sobre transparência e combate à corrupção, a Sonangol
funciona como banco privado para negócios de famílias bem colocadas no aparelho
do Estado.
O Precedente de Isabel dos Santos
O discurso oficial de João Lourenço insiste em comparar o presente com o
passado. Isabel dos Santos, filha do ex-presidente José Eduardo dos Santos, foi
afastada sob acusações de nepotismo e corrupção. O argumento central era claro:
a Sonangol não podia servir de veículo para enriquecer os filhos do poder.
Mas ao substituir Isabel dos Santos pela família de Gaspar Martins, o atual
presidente apenas confirmou a teoria da captura do Estado: as instituições
públicas não foram libertas do controlo privado, apenas transferiram o seu
centro de gravidade. Assim, repete-se o ciclo em que a elite governante
manipula as estruturas do Estado para perpetuar a pilhagem sob novas bandeiras.
Gianni Gaspar Martins, em entrevistas a meios como The Energy Year e The
Business Year, procura apresentar a Alfort Petroleum como uma empresa
inovadora, cautelosa e comprometida com o ambiente. Sublinha parcerias
internacionais, práticas de gestão conservadoras e o respeito pela
biodiversidade no Parque da Quiçama.
No entanto, essa retórica de responsabilidade social e ambiental serve, em
grande medida, para mascarar a contradição central: uma empresa recém-criada,
sem historial relevante no setor, tornou-se operadora de um bloco estratégico
com financiamento público e sem escrutínio independente.
Conclusão: A Nova Face da Pilhagem
O caso de Gianni Gaspar Martins demonstra que o combate à corrupção em
Angola, tantas vezes proclamado, continua a ser seletivo e instrumental. Isabel
dos Santos foi afastada não porque representava um modelo condenado de saque ao
Estado, mas porque o poder político quis redistribuir a pilhagem a favor de
novos aliados.
A Sonangol, em vez de se afirmar como empresa estatal ao serviço do país,
converteu-se num instrumento de reprodução do nepotismo. O resultado é claro:
Angola permanece refém da captura do Estado, onde a riqueza do petróleo
continua a servir famílias privilegiadas, enquanto a maioria da população
sobrevive em condições de pobreza extrema.
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