A hipocrisia é a falsidade, é o comportamento de pessoas que fingem-se ter qualidades, princípios, ideias, opiniões ou sentimentos que elas não possuem. Na política a hipocrisia é muito mais profunda do que o mero fingimento. Nos ensinamentos do Nicolau Maquiavel, aos soberanos e aos magistrados, os seus conceitos são repletos de virtudes, de sofismas e de hipocrisias, transformando-os em conceitos políticos e em artes do exercício do poder. Na realidade, o Nicolau Maquiavel é uma figura filosófica controversa, cheio de virtudes e de adversidades.
Acontece que, a nível mundial, em todas as chancelarias e corredores do poder estatal ninguém tem coragem de assumir integralmente a Filosofia do «Príncipe Maquiavel», apesar desta filosofia estar em uso por muitas entidades que exerce o poder. No fundo, a hipocrisia assenta na astúcia de usar dois pesos e duas medidas, isto é, julgar de forma diferente duas situações iguais e análogas, ou urdir uma trama para imputá-la à uma pessoa inocente.
Nos regimes autoritários e ditatoriais essa prática é muito comum e serve de instrumento de opressão e da manutenção do poder. Os regimes autoritários não têm moral, ética e escrúpulo: são frios, insensíveis e desumanos. O poder deles não assenta na vontade dos cidadãos; muito menos este poder é exercido para promover o bem-estar dos cidadãos. O poder, deste tipo de sistema, serve-se asi mesmo. Dizia o Príncipe Maquiavel: «os fins justificam os meios; não importa o que um governante faça em seus domínios, desde que seja para manter-se com a autoridade». Fim de citação.
A ambição do poder dos autoritários é insaciável e intransigente. Pois que,
para um regime autoritário tudo serve para alcançar o poder, exercê-lo e
mantê-lo. No sistema autoritário o poder é «unipessoal», exercido por uma
entidade, que não tem responsabilidade nenhuma perante os cidadãos e diante os
órgãos de soberania. O poder é assumido absolutamente e os seus defeitos e
erros são instrumentos do reforço do poder. Porque quando mais defeitos são
produzidos, mais descontentamentos que isso geram dentro das sociedades. A fome
e a pobreza são instrumentos principais para manter um povo na instabilidade
mental e na ignorância. Uma mente instável não pensa logicamente, é incapaz de
buscar a razão.
Por natureza, a «instabilidade social» tem o potencial de fomentar os descontentamentos e as revoltas populares. Este cenário é previsto e é planificado milimetricamente no sentido de convertê-lo num ambiente favorável de repressão para consolidar o poder. O regime autoritário passa mais tempo em conceber conceitos de criar distúrbios para manter o poder. Frequentemente, o regime autoritário induz os seus adversários em erros. Ele monta armadilhas para conduzir os cidadãos a uma situação bem planificada. Os adversários políticos, se não estiverem atentos e prudentes, podem fazer o jogo do regime, caírem nestas armadilhas bem montadas.
A Política é uma Ciência e é uma Arte. Sendo uma Ciência as suas fórmulas são científicas para produzir efeitos científicos. Deste modo, os resultados destes cenários são previstos, porque são frutos das fórmulas científicas. Por outro lado, sendo a Política uma Arte, fica mais fácil fazer uma leitura antecipada dos cenários das fórmulas científicas para manipular os acontecimentos. Ali estará as virtudes do Nicolau Maquiavel no que diz respeito a Arte de manipular as coisas para atingir os fins.
A hipocrisia reside nisso. Porque o regime autoritário não improvisa as coisas. Ele pesquisa, estuda, analisa, planifica, implementa os conceitos e executa os programas. O fascismo exige ter muito rigor. Os fascistas reúnem em sua volta elementos frios e insensíveis para executar os seus planos. Existe um «núcleo duro» composto por cérebros clarividentes que concebe e planifica as estratégias da manutenção do poder.
As estruturas dos regimes autoritários são complexas, como uma teia de aranha. Dentro desta «teia de aranha» existe o centro que emite os comandos para todos os sectores. Cada sector tem tarefas, atribuições e competências específicas para executar. Porém, existem «especificidades» de cada sector que lhe identifica e determina a sua acção dentro desta teia de aranha.
Acontece que, há «centros de convergências» entre diversos sectores. Esses «centros de convergências» são «eixos de conflitos» de interesses. Quando mais conflitos existirem dentro da teia de aranha mais eficaz que se torna ao Ditador jogar uns contra os outros para reforçar o seu poder e controlar os órgãos. Muitas vezes os cidadãos ficam confundidos com este «jogo interno do poder» em pensar que o regime esteja frágil ou esteja à beira do colapso. Enquanto, na prática é apenas uma simulação para iludir e confundir a opinião pública. Com isso não significa que os conflitos internos não são sinais de «instabilidades institucionais» que conduzem geralmente ao desmoronamento dos regimes corruptos e autoritários.
Os regimes autoritários concentram todos os poderes num centro do comando para garantir a eficiência, a força de acção, a capacidade operacional, o controlo e a coesão interna do poder. A «coesão interna» não resulta da harmonia de valores, mas sim, de medo, de interesses e de tráfico de influências. Para o efeito, o regime autoritário cria uma estrutura integrada que tem o controlo absoluto sobre os órgãos do Estado que lhe permitem «estar isento» de quaisquer responsabilidades pelos seus actos. A ditadura resume-se nisso. Razão pela qual os poderes executivo, legislativo, judiciário, militar, económico e mídia são «eixos principais» do controlo absoluto e da centralização.
Nos regimes autoritários existe o conceito de “superpartido” que controla o Estado e se coloca acima dos órgãos de soberania e fixa-se no centro dos partidos políticos, que ficam dominados por vários factores tais como: corrupção, financiamento, manipulação, instrumentalização, hegemonia política e monopólio econômico. No fundo, se trata de «partidos satélite» que giram em torno da esfera do Partido-Estado. Esses partidos são muito frágeis e dependentes. Nesta condição, a qualquer altura, o poder hegemónico e monopolista pode destrui-los quando lhe apetecer. Isso acontece regularmente em Angola em cada legislatura parlamentar.
Neste âmbito, em 2014 o Banco Espírito Santo Angola (BESA) foi alvo de saque pelo Governo Angolano no valor total de «18 mil milhões de Euros». Deste capital avultado, uma parte significativa foi distribuído entre a nomenclatura do MPLA e alguns dirigentes da oposição cujos nomes constavam da grande lista dos beneficiários, numa grande operação de corrupção e da compra de consciências.
Por causa do saque o BESA entrou em falência, substituído pelo Banco Económico. Os políticos envolvidos neste grande escândalo, quer os do MPLA quer os da Oposição, ninguém veio a público para defender a sua honestidade. Todos ficaram em silencio até hoje, como se nada estivesse acontecido. A PGR não tomou nenhumas medidas legais contra os malfeitores, conforme aconteceu em Portugal. Essa operação de corrupção visa acalcanhar as elites do país para viabilizar a continuidade do poder.
Um dos factores que sustentam a manutenção dos regimes autoritários reside nas Relações Internacionais. O entrosamento de interesses económicos, de uma forma desequilibrada, em prol das potências industrializadas, reforça o poder do regime autoritário em manipular a política interna sem correr o risco de sofrer a pressão externa. Pois, a ordem mundial contemporânea assenta nos factores económicos e tecnológicos que determinam a Política Externa das Potências Industrializadas e a «dependência externa» dos Países em Desenvolvimento.
No meio de tudo isso, existe um «centro de comando global» que dita as regras e define e estabelece as normas, as condutas, as modalidades e os interesses geopolíticos. Este «poder global» não obedece ao Direito Internacional, usa o potencial do seu poder global para expandir a esfera da sua influência, impor a nova ordem, redefinir as fronteiras territoriais, subjugar os mais fracos, dominar os minérios críticos, controlar as vias marítimas, determinar as esferas de influências e afirmar as parcerias estratégicas entre as superpotências.
Neste jogo de interesses, os países em desenvolvimentos não têm capacidades nenhumas de determinar as suas Políticas Internas. Os princípios de soberania e de não interferência nos assuntos internos de outros Estados não têm força de lei perante as grandes potências mundiais. A situação torna-se mais crítica aos regimes corruptos e autoritários que estão mais expostos às resistências internas e às pressões externas da comunidade internacional.
Nessas circunstâncias, esses países cedem a soberania dos seus Estados às potências mundiais em troca da manutenção do poder. Se analisar bem este contexto verás que a dependência política dos países subdesenvolvidos é mais saliente do que a dependência económica. Porque, a dependência económica passa pelo mercado internacional através de acordos bilaterais entre os Estados. Ao passo que, a dependência política é unilateral imposta por um país mais forte a um país mais fraco.
Por isso, para sobreviver os regimes autoritários precisam da «protecção externa» das potencias mundiais, sobretudo do país mais poderoso do mundo, para acomoda-los dentro da sua esfera de influência, servindo os interesses alheios. Deste modo, os princípios da soberania popular e da igualdade soberana dos Estados deixa de valer.
Qualquer observador atento terá descoberto que desde 1975 o Regime do MPLA tem estado a mudar as Alianças Estratégicas, de acordo com os seus «interesses partidários» da manutenção do poder – contra a UNITA. Em função disso, o Regime tem estado a fazer o «jogo de vai e vem» entre as três superpotências: Rússia, EUA e China. O objetivo principal destas Alianças Estratégicas tem sido afastar a UNITA. Gasta-se avultadas somas de dinheiros neste expediente supérfluo – sacrificando os interesses vitais do país e do bem-estar do Povo Angolano.
Mesmo agora, neste momento, ocorre um lobbying muito forte em Washington, com muito dinheiro, junto da Administração Trump, na promoção da imagem do Presidente João Lourenço, que visa afastar da arena política angolana o Adalberto Costa Júnior, a fim de manter-se no poder. A desagregação da FPU faz parte deste jogo subtil da manutenção do poder. Vejamos, são 50 anos em que a «disputa política» em Angola e a construção da paz, da reconciliação nacional e da democracia multipartidária sempre se situou entre os dois Partidos Nacionalistas: MPLA e UNITA. Em 1975, a FNLA, como partido nacionalista, ficou fora da arena política, reduzindo-se a uma coisa mesquinha, sem vocação do poder.
Em suma, importa afirmar que, na visão do Nicolau Maquiavel, o poder político é sacrossanto e absoluto, deve ser venerado e defendido por todos os meios. Esta filosofia absolutista e dogmática do Nicolau Maquiavel tem sido defendida pelo MPLA com unhas e dentes como doutrina do Partido-Estado. O Presidente João Lourenço tem sido mais contundente nas suas afirmações públicas quanto ao sectarismo e totalitarismo.
Esta realidade inequívoca esta na base desta reflexão para advertir e demostrar a «identidade ideológica» existente entre a Filosofia do Nicolau Maquiavel e o sistema político do MPLA que prevalece em Angola desde 1975. Os regimes autoritários e totalitários, quer da direita quer da esquerda, têm a mesma matriz doutrinária. O regime angolano é Marxista-Leninista que, durante o período da transição à democracia plural, em 1992, não rompeu com o sistema anterior do Partido Único. O que aconteceu foi apenas uma «adaptação da doutrina Marxista-Leninista» às Instituições Democráticas Multipartidárias, sob a Tutela de um Partido.
Noutras palavras, o sistema do Partido Único que vigorou no país entre 1975 e 1992 os seus «princípios estruturantes» ficaram intactos e serviram de matriz ideológica do regime actual. Como sabemos, o Marxismo-Leninismo, na sua estrutura ideológica, ficou inspirado nas «doutrinas absolutistas», as quais foram fortemente influenciadas pela Filosofia do Nicolau Maquiavel, através do seu livro, intitulado: “O Príncipe.”
Repare que, compreender bem a natureza de um sistema político ajuda a encontrar as fórmulas apropriadas e mais realistas de lidar com o sistema e buscar soluções coerentes. Na verdade, existe muita gente em Angola que acham que houve uma mudança profunda da doutrina do Estado angolano desde 1992, quando terminou o sistema monolítico e passou ao multipartidarismo, que assenta nos valores e nos princípios democráticos. Não se percebeu que as mudanças verificadas são superficiais, não alteraram a «essência» da Doutrina do Estado.
Esta noção errada distrai as mentes das pessoas e oferece um ambiente propício para manter intacto o sistema do Partido-Estado que controla os poderes políticos, económicos e judiciários. O que acontece é que, com uma noção errada de um sistema político de um país, os seus cidadãos perdem o azimute e distrai-se com as fórmulas erradas que são incapazes de transformar o sistema político. Nesta óptica, quando um povo despertar as suas consciências para empreender as mudanças profundas a reação do regime autoritário é sempre violenta e desmedida com fim de reforçar o seu poder repressivo.
Por isso, a consciência do homem é mais poderosa que a força bruta. Uma pessoa
esclarecida e bem-educada vale mais que cem pessoas ignorantes e amordaçadas. O
Filósofo Grego, Platão, dizia que, cita: «podemos facilmente perdoar uma
criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm
medo da luz». Fim de citação. Pelos vistos, o Povo Angolano está a «vencer o
medo da luz», que prevaleceu no nosso país durante 50 anos, desde 1975.
0 Comentários