Presidente angolano critica investimento do regime colonial e admite incómodo com a lei dos estrangeiros: "O mínimo é Portugal não tratar imigrantes pior do que os seus emigrantes foram tratados".
Luanda ainda não manifestou desconforto claro com a lei dos estrangeiros
aprovada no parlamento português como Brasília o fez mas, “de facto, existe
algum incómodo” admitiu João Lourenço numa entrevista à TVI/CNN Portugal em que
garantiu que “Angola fez mais em 50 anos do que o regime colonial em 500 anos”.
“O Brasil teve a coragem de manifestar já o incómodo. Nós até aqui não dissemos nada, mas é evidente que estamos a seguir a evolução da situação com muita atenção”, disse o Presidente angolano esta terça-feira à noite.
“O países são soberanos” começou por referir o chefe de Estado. “Você só recebe
na sua casa quem você quer, ninguém lhe pode impor outras pessoas que não
quer”, exemplificou, dirigindo-se ao jornalista. Mas, ressalvou, “não se deve
fugir da prática internacional em termos de imigração”. Até porque, argumentou,
“hoje são uns, amanhã são outros, no passado foram outros”, sublinhando que “os
portugueses emigraram para todo o mundo”. Logo, apelou, “o mínimo que a gente
exige é que Portugal não trate os imigrantes que escolheram Portugal para fazer
a sua vida de forma pior do que os países que os acolheram ao longo dos anos”.
Este será um dos temas que estará em cima da mesa no encontro do Presidente
angolano como o seu homólogo português, na visita de três dias que faz no final
desta semana a Portugal, acredita João Lourenço. “Nós em Angola temos emigrantes,
mas como presidente da União Africana, tenho de falar de africanos de forma
geral. Há bastantes africanos de diferentes nacionalidades que escolheram
Portugal”.
No entanto, João Lourenço não acredita que tenha sido por causa da
imigração que alguns chefes de Estado não estiveram na cimeira da CPLP.
“A razão não é a da imigração. Se fosse, talvez alguns países africanos não
estivessem como sinal de protesto, razão não é essa”, respondeu. Presidentes de
Angola, Brasil e Portugal não estiveram presentes. Os “chefes de Estado têm
agendas muito preenchidas. Angola tem as suas razões para não estar e não temos
que justificar. Quando não dá não dá, mas fomos representados”, explicou João
Lourenço.
Sobre os augúrios de que a organização pode ruir se a liberdade de circulação entre os países membros cair, Lourenço frisou que a obrigação de todos, incluindo Portugal, “é tudo fazer para evitar que isso possa vir a acontecer para este grande projeto de comunidade, que é a CPLP, não descambar”.
“Angola fez mais em 50 anos do que o regime colonial em 500”
“Não há encomendas acabadas, empacotadas com laços bonitos, dizendo que é a
Angola dos meus sonhos ou Portugal dos meus sonhos, isso não existe, os países
dos nossos sonhos são para serem construidos todos os dias com altos e baixos,
avanços e recuos”, começa por responder Lourenço a uma pergunta sobre se Angola
50 anos depois da independência é o país que se sonhou. E logo a seguir compara
o que Luanda conseguiu em meio século comparando com o que os portugueses
fizeram em meio milénio. “Angola fez muito mais em 50 anos do que o regime
colonial português fez em 500 anos, em quase todos os domínios, em termos de
infraestruturas, redes de estradas, produção e distribuição de energia números
de escolas, alunos e carteiras, quantidade e qualidade de hospitais”, garantiu
João Lourenço.
O Presidente angolano adianta depois que “esse balanço, com números, comparando o antes e o depois” será apresentado mais perto de novembro, o mês em que Angola celebra os 50 anos de independência. Isto para responder também a “um ou outro saudosista” que diz que “no tempo colonial era melhor” mas que não consegue apresentar factos. “Se calhar ele já comia sozinho um bife enquanto os outros comiam farinha com água, que nós aqui chamamos mongué, mas devia estar isolado numa ilha de milhões de cidadãos angolanos”.
“Penso calado” sobre o sucessor
A dois anos das eleições presidenciais, João Lourenço assume que pensa no
assunto todos os dias. “Penso calado, tenho de pensar, é meu dever pensar, não
podemos deixar que o país fique nas mãos de um qualquer. É minha obrigação
ajudar a encontrar um substituto”, refere. E tem apenas um desejo para o seu
sucessor: “Que faça igual ou melhor do que eu. Se não conseguir isso ficarei
com remorsos, sentir-me-ei de alguma forma responsabilizado por isso”.
Sobre o perfil do candidato do MPLA ao lugar que deixará vago em 2027 voltou a mencionar a importância de apostar num jovem (e não num general) recordando como há 47 anos, depois da morte de Agostinho Neto, o primeiro presidente de Angola, o partido escolheu “um jovem” José Eduardo dos Santos, que tinha 37 anos. “Então 50 anos depois vamos regredir, pôr alguém de 90 anos, andar para trás?”.
Isabel dos Santos está a ser perseguida politicamente na Holanda e em
Portugal?
João Lourenço usa o facto de Isabel dos Santos ter processos em vários
países para rebater a acusação frequente de que a filha do ex-Presidente
angolano José Eduardo dos Santos está a ser perseguida politicamente. “Diversos
estados continuam atrás do que terá feito em vários países do mundo e só isso
deita por terra o argumento de que existe perseguição política em Angola. Se
Portugal também está atrás, se a Holanda também está atrás, também estão a
fazer perseguição política? Não me parece”, conclui. Referindo que a justiça
está a fazer o seu trabalho em Angola, recusa que o tema seja “incómodo”. “Não
é e por uma única razão quando alguém nos diz que fulano, o João,
presumivelmente cometeu um crime o raciocínio lógico não é pensarmos de quem é
filho o João. Não. Mas sim se efetivamente cometeu o crime de que está a ser
imputado, E não por ser f’ilho de’. Quando as pessoas fazem 18 anos deixam de
ser ‘filho de’, são cidadãos.”
Seja como for, “o facto de ser ‘filho de’ não iliba ninguém dos crimes que
poderá ter cometido”, frisou o Presidente de Angola, acrescentando que a
“sociedade angolana não esqueceu, continua à espera que se faça justiça”. A
justiça “por vezes tarda, mas chega sempre”, avisou.
Portugal não é porta de entrada para a Europa
João Lourenço enalteceu as boas relações que Luanda mantém com Washington e
Moscovo e sugeriu que “Angola pode ser melhor ‘utilizada'” já que “fala com
todos, está bem com todos”.
Olhando para o xadrez geopolítico, Lourenço sustentou que uma “nova ordem
mundial era necessária, impunha-se, mas nunca pela força das armas, nunca pela
ocupação de territórios vizinhos, pela lei da força”, aludindo à invasão russa
da Ucrânia.
“Devia ter sido pela reforma do conselho de segurança da ONU e instituições
das Nações Unidas, do Banco Mundial, do FMI”, salientou. Apontando para o facto
de “estar a ser desenhado um novo mapa-mundo em que os centros de poder se
estão a movimentar”, desconhecendo-se ainda “o que é que isso vai dar”, mas
sendo certo que “não nos esperam dias bons no futuro”.
Mas uma coisa é certa, as boas relações dos angolanos ou africanos com a Europa não dependem de Lisboa. “A porta de entrada de África ou Angola na Europa não é Portugal, isso não é verdade. Temos relações com qualquer país europeu sem termos de passar necessariamente por Portugal”, explica.
“Manifestam-se sem razão aparente”
Por outro lado, olhando para dentro do país, João Lourenço relativiza os
vários protestos nas ruas face à subida do preço do combustível, por exemplo.
“Manifestam-se sem razão aparente. Aumento dos preços dos combustíveis é
aproveitado por aqueles que querem criar problemas ao poder”, acusa. “O aumento
do preço do diesel [gasóleo] ronda os 40 cêntimos de dólar [34 cêntimos de
euro]”, aponta João Lourenço. “Não há muitos países no mundo que tenham
combustível abaixo dos 50 cêntimos, e estes preços nunca são fixos, oscilam
tendo em conta um conjunto de factores”, destaca.
De resto, Lourenço não aceita que o país esteja dividido ou tenha alguma
vez estado dividido desde a independência. Apesar de uma longa guerra civil, o
Presidente angolano insiste, logo no início da entrevista, em dizer que o “país
não esteve dividido, sempre foi uno e indivisível, divisão não houve” afirmou.
“Tivemos períodos muito curtos de ocupação de parcelas mas quem os ocupou não
constituiu governo, logo não houve divisão”. Angola teve foi “diferentes
movimentos de libertação com visões políticas diferentes na altura, o MPLA, a
FNLA e a UNITA”, lembrou. E “houve muita interferência externa no quadro da
guerra fria, fomos vítimas da guerra fria, essa sim, dividiu o mundo em dois
blocos diferentes, e fomos apanhados por um dos blocos e isso custou-nos cerca
de 27 de conflito armado depois da independência”.
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