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Desvios de fundos e "discursos vazios" ensombram independĂȘncia de Angola

Bispos catĂłlicos angolanos apontam o "alarmante" desvio de fundos pĂșblicos, a "escandalosa" expatriação de capitais e os "discursos vazios", contrĂĄrios Ă  realidade do paĂ­s, como "sombras e insuficiĂȘncias" nos 50 anos de independĂȘncia de Angola.

A ConferĂȘncia Episcopal de Angola e SĂŁo TomĂ© (CEAST), na sua Mensagem Pastoral sobre os 50 anos de IndependĂȘncia de Angola, a que a Lusa teve hoje acesso, saĂșda o alcance da independĂȘncia, em 11 de novembro de 1975, apresenta constataçÔes, sombras e insuficiĂȘncias que persistem no paĂ­s e faz apelos aos decisores polĂ­ticos.

Para os bispos angolanos, a independĂȘncia de Angola foi o culminar de uma resistĂȘncia permanente contra o regime colonial portuguĂȘs e proporcionou liberdade aos filhos de Angola, resultando em incontĂĄveis benefĂ­cios em vĂĄrios domĂ­nios.

Por isso, o momento da independĂȘncia "nĂŁo correspondeu apenas Ă  libertação do jugo colonial. De facto, foi grande a expectativa que o povo nutriu em volta da independĂȘncia, que, diga-se em boa verdade, foi obra de todos os angolanos, acolhida e celebrada com muito entusiasmo em todo o paĂ­s", referem.

Para a CEAST, o alcance da paz, em abril de 2002, findo o conflito civil, a construção e reconstrução de infraestruturas destruídas no decurso do confito armado, nomeadamente escolas, hospitais, estradas, pontes, portos e outros "são luzes" que aplaude e de que se orgulha.

Observa, porém, aspetos que ainda devem ser mudados em Angola, para a garantia da justiça social e da igualdade de oportunidades, apontando igualmente para a necessidade de reparaçÔes.

"Neste contexto, nĂŁo Ă© descabida a exigĂȘncia jubilar de reparação, doravante, das omissĂ”es e negligĂȘncias cometidas, reparação das oportunidades perdidas, reparação dos talentos desperdiçados, reparação das expectativas frustradas, reparação das promessas desprezadas, enfim, reparação de tudo o que foi mau e nĂŁo nos orgulha como nação", aponta.

Na mensagem, de 14 pĂĄginas, sobre o percurso de Angola em 50 anos de independĂȘncia, a serem assinalados em 11 de novembro, os religiosos dizem tambĂ©m constar muitas "sombras e insuficiĂȘncias, que causaram escandaloso sofrimento ao longo dos cinquenta anos de independĂȘncia dos angolanos".

Sombras e insuficiĂȘncias que "devem, necessariamente, ser superadas em benefĂ­cio do tĂŁo esperado renascer da esperança, contra a frustração e o desespero que vĂŁo corroendo muitos (...) concidadĂŁos".

Apontam o que consideram de erosĂŁo da soberania ligada ao deficiente controle das fronteiras, conjugado com o contrabando e a purga de minerais, inertes, combustĂ­veis e outros recursos, a deficiente polĂ­tica educativa e a falta de saĂșde de qualidade no paĂ­s e nas famĂ­lias como insuficiĂȘncias no paĂ­s.

Assinalam tambĂ©m o deficiente saneamento e acesso Ă  ĂĄgua potĂĄvel, "o aberrante e alarmante desvio de fundos pĂșblicos, a escandalosa expatriação de capitais, enquanto ao pobre cidadĂŁo se pede sacrifĂ­cio, o que revela falta de patriotismo", como "sombras" de uma Angola independente.

Os bispos angolanos dizem constatar uma "escandalosa" lĂłgica do oportunismo, do egocentrismo e da discriminação "que sĂŁo a causa de muitos problemas sociais, entre os quais o elevado e penoso custo de vida para a vastĂ­ssima maioria dos cidadĂŁos, tendo como consequĂȘncia o descrĂ©dito das lideranças, das instituiçÔes e sendo sementes do espĂ­rito de revolta cada vez mais evidente".

"Os discursos vazios, nĂŁo refletores da vida real dos angolanos nem para ela aplicĂĄveis, quando um considerĂĄvel nĂșmero de angolanos vive na pobreza extrema, em contraste com uma minoria oportunista que vive no luxo exacerbado (...), contraste que tem empurrado muitos angolanos, sobretudo jovens, a emigrar ou a inclinar-se para a criminalidade", afirmam ainda os bispos.

Consideram, por outro lado, que as mĂșltiplas formas e nĂ­veis prĂĄticos de restriçÔes Ă  liberdade de expressĂŁo, em simultĂąneo com uma comunicação social, sobretudo pĂșblica, manietada e instrumentalizada por interesses nos quais a grande maioria dos cidadĂŁos nĂŁo se revĂȘ figuram igualmente entre as prĂĄticas que o paĂ­s deve superar.

Lamentam a existĂȘncia de um "sistema centralizado, autocrĂĄtico e assistencialista de governação, que mata as iniciativas privadas dos cidadĂŁos" e a lĂłgica partidĂĄria "predominantemente eleitoralista, manifestando considerĂĄvel desdĂ©m pelo povo".

Apelam tambĂ©m para o reconhecimento de todos os pais da independĂȘncia de Angola, nomeadamente Holden Roberto (FNLA), Agostinho Neto (MPLA) e Jonas Savimbi (UNITA), entĂŁo lĂ­deres dos movimentos de libertação de Angola, "sem menosprezar nenhum para uma maior reconciliação nacional".

"NĂŁo temos evidĂȘncias de angolanos desejosos em voltar para o regime colonial portuguĂȘs. Temos, sim, inĂșmeras evidĂȘncias de angolanos desejosos de bem-estar proporcional aos recursos e potencialidades do seu paĂ­s, Angola. SĂł construindo uma Angola melhor honraremos adequadamente o sacrifĂ­cio de tanta gente de quem recebemos o legado da nossa independĂȘncia", concluem os bispos catĂłlicos.

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