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Cidadão Norte-Americano torturado e impedido de aceder à justiça em Angola após filmar abuso policial

O caso envolvendo o cidadão norte-americano e Director Executivo da organização não-governamental Friends of Angola, com sede nos Estados Unidos, Sr. Florindo Chivucute, tem gerado profunda indignação entre organizações da sociedade civil e observadores jurídicos, numa altura em que as autoridades judiciais angolanas continuam a impedir o exercício do seu direito de interpor recurso contra uma condenação criminal, resultante da documentação de alegadas práticas abusivas por parte de agentes da polícia.

O Sr. Chivucute, cidadão com dupla nacionalidade (angolana e norte-americana) e actualmente residente em Luanda, foi detido em Agosto de 2024, depois de ter filmado agentes da Polícia de Trânsito, do Serviço de Investigação Criminal (SIC) e do Departamento de Investigação de Ilícitos Penais (DIIP) — alguns dos quais trajados à civil — enquanto era por eles agredido de forma violenta, supostamente em resposta a uma alegada infracção de estacionamento.

De acordo com testemunhas e uma nota pública emitida pela Coligação Opening Central Africa e pela própria Friends of Angola, o activista foi ameaçado, torturado e mantido sob condições degradantes, incluindo a negação de alimentação e água potável durante 24 horas.

O incidente teve lugar enquanto o Sr. Chivucute exercia, de forma legal e pacífica, o seu direito constitucional de filmar funcionários públicos no exercício das suas funções, em particular agentes da polícia — alguns não identificados ou sem uniforme — envolvidos numa actuação agressiva e hostil. A legislação angolana reconhece esse direito, conforme estipulado no artigo 236.º, n.º 3, alínea b) do Código Penal, e no artigo 79.º, n.º 2 do Código Civil, o que torna a sua detenção e subsequentes maus-tratos ainda mais preocupantes.

Após um julgamento sumário realizado a 27 e 28 de Agosto de 2024, na 9.ª Secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, Chivucute foi condenado pelos crimes de “desobediência” e “resistência contra funcionário público”. A pena aplicada foi de 60 dias de prisão, suspensa e convertida em multa no valor de 585.588 kwanzas (equivalente a cerca de 700 dólares norte-americanos), acrescida de uma taxa de justiça no montante de 50.000 kwanzas.

Apesar da natureza não violenta dos factos e da colaboração total do arguido com o processo judicial, o juiz recusou conceder à sua defesa o direito de interpor recurso em liberdade. De acordo com fontes presentes na audiência, o magistrado terá afirmado: “Temos que usá-lo como exemplo.”

Durante o período pré-eleitoral de 2022, Chivucute denunciou ter recebido múltiplas ameaças de morte, dirigidas a si e aos membros da sua equipa. As ameaças foram feitas por via de chamadas anónimas, mensagens difamatórias nas redes sociais e panfletos intimidatórios divulgados através do Facebook.

O activista responsabilizou directamente elementos ligados aos serviços de segurança do Estado e ao partido no poder, MPLA, apontando para uma estratégia de perseguição política e intimidação sistemática contra defensores de direitos humanos e líderes da sociedade civil.

Mesmo após o cumprimento da pena e o pagamento integral das coimas, Florindo Chivucute continua impedido de aceder à certidão da sentença — documento essencial para a interposição de recurso ou para eventual pedido de reabilitação judicial.

A sua equipa de advogados apresentou o primeiro pedido formal da certidão a 24 de Outubro de 2024. Meses depois, o documento ainda não foi entregue pelo Tribunal Provincial de Luanda, tendo os serviços apenas fornecido promessas vagas de que “estará pronto na próxima semana”. Em Fevereiro de 2025, foi submetida uma queixa formal à Presidente do Tribunal da Comarca de Luanda, sem que até ao momento tenha havido qualquer resposta.

Face ao bloqueio institucional, os advogados levaram o caso ao Conselho Superior da Magistratura Judicial, solicitando intervenção imediata para obrigar o tribunal a cumprir com os procedimentos legais. Até à data, não houve qualquer resposta do órgão de supervisão.

“Trata-se de uma violação clara do princípio do contraditório e do direito ao recurso,” afirmou um advogado angolano especializado em direitos humanos, que acompanha o caso. “Negar o acesso à certidão da sentença não é apenas inconstitucional — compromete a integridade de todo o sistema judicial.”

Diversas organizações da sociedade civil — incluindo o Grupo de Monitoria dos Direitos Humanos em Angola, a Opening Central Africa e a Friends of Angola — classificaram o caso como perseguição judicial. “Florindo Chivucute foi criminalizado por ter exposto a brutalidade policial,” refere um comunicado da OCA emitido em Setembro de 2024. “O sistema judicial angolano, ao negar-lhe um recurso justo, torna-se cúmplice de uma injustiça.”

Durante a sua detenção, Chivucute foi alegadamente submetido a agressões físicas, ameaças e tratamento desumano, em clara violação da Constituição da República de Angola e de compromissos internacionais em matéria de direitos humanos, como o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), do qual Angola é signatária.

O caso levanta sérias inquietações sobre a liberdade de expressão, o acesso à justiça e a repressão crescente contra activistas e organizações da sociedade civil em Angola. Surge num contexto de críticas internacionais à forma como o governo tem lidado com a dissidência e o espaço cívico no país.

A defesa do Sr. Chivucute exorta o Conselho Superior da Magistratura Judicial a intervir de forma célere, ordenando a entrega da certidão da sentença. Adicionalmente, apelam às organizações internacionais de defesa dos direitos humanos e às missões diplomáticas acreditadas em Angola para que acompanhem de perto o caso e pressionem por justiça e responsabilização.

Apesar de se encontrar actualmente em liberdade, Florindo Chivucute continua impedido de limpar o seu nome ou de recorrer legalmente de uma condenação que muitos consideram ser de natureza política.

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