Angola vai cometer uma asneira política de bom tamanho, caso venha mesmo a disputar o jogo amigável que tem em agenda contra a Argentina, a 11 de Novembro em Luanda, no quadro das celebrações dos 50 anos sobre a nossa independência.
O previsto «amistoso» com a actual campeã mundial foi
anunciado em primeira mão pelo próprio presidente João Lourenço, creio que numa
reunião de cúpula do seu partido, gabado pelo ministro Rui Falcão e contratado
por Alves Simões, que se deslocou a propósito a Buenos Aires, todos vaidosos,
como se tivessem prestado um grande serviço à pátria, fazendo ouvidos de
mercadores ao coro de protesto que se levantou, em razão da enormidade
financeira que tal custará ao erário, numa altura em que o país tem prioridades
mais prementes para acudir.
Falou-se em seis milhões de dólares, que serão uma barbaridade para um simples jogo amigável de futebol, ainda que for com os tais Messis, coisos e tal. Um disparate político pelo seguinte: sendo a Argentina o país mais racista do mundo, com uma política de estado virada para a negação total e completa dos negros, baseada no mito da superioridade racial dos brancos europeus, é desde já contra-natura que Angola, um país africano de esmagadora maioria negra, venha a celebrar a sua liberdade do colonialismo português enrolada com branquelas supramacistas do pior que poderia haver.
Chega a ser uma ofensa à memória de todos os que deram o
sangue pela conquista e preservação da independência, assim como à dignidade de
todos os negros africanos. Celebrar a nossa independência com os racistas
argentinos implicará também a anulação de todo o capital político que Angola
granjeou como o país que mais sacrifícios consentiu para o fim do apartheid na
África do Sul, gesta exaltada há dias precisamente numa conferência
internacional em Luanda, que teve o antigo presidente moçambicano, Joaquim
Chissano, como um dos principais oradores.
Jogar em «amistoso» com os racistas argentinos seria o mesmo
que, caso desse para recuar no tempo, jogar diante da África do Sul dos Botha
em Luanda, no décimo aniversário da nossa dipanda. Eu prefiro pensar que se
chegou a este ponto, por ignorância do histórico racista da Argentina, ainda
que haja na internet muita informação a propósito, o suficiente até para a
elaboração de uma tese de doutoramento. Espanta-me o facto de se ter deixado
que o eventual deslumbramento de alguns com o Messi pudesse vir a impor-se a
tudo o mais, quando isso pode até chamuscar a presidência angolana da união
africana.
E o pior é que, além de corrermos o risco de levarmos uma boa
tosa, uns sete a um ou assim, já que não temos futebol para eles, podemos vir a
ser achincalhados em nossa própria casa, já que eles se põem aos cântcos
racistas sempre que celebram uma vitória importante, como aconteceu com a
França no Qatar e com a Colômbia em Miami.
O engraçado é que o nome do nosso país entra no principal
cântico racista dos argentinos, pelo que é suposto que não resistirão à
tentação de entoá-lo em Luanda, depois de escangalharem os palancas negras, no
11 de Novembro.
Eis a letra:
"Eles jogam pela França mas são de Angola\que bom que eles vão correr\ se
relacionam com transexuais\ a mãe deles é nigeriana\ o pai deles camaronês\ mas
no passaporte: francês". A tirada homofóbica é para Mbape.
O mais grave é que o
próprio presidente do país, Javier Mieli, empossado em Dezembro de 2023, embora
sem surpresa, em razão da natureza segregacionista do seu regime, apoia as
manifestações racistas da sua selecção.
Ele chegou a demitir o então sub-secretário dos desportos,
Julio Barros, por este ter sugerido a Messi e companheiros para que se
retratassem com um pedido de desculpas, sobretudo à França, defendendo que a
Argentina, como campeã do mundo, pode fazer e falar o que quiser.
A sua vice, Victoria Villarruel, foi mais taxativa.
"Nenhum país colonialista nos vai intimidar por uma canção de torcida ou
por dizermos verdades que não querem admitir. Parem de fingir indignação,
hipócritas!», disse a espevitada senhora. Portanto, não havendo dúvida de que
celebrar a nossa dipanda com a selecção dum país racista conformará uma asneira
política de bom tamanho, o mais sensato seria recuar.
Um torneio com selecções
africanas, de países como a Argélia, a Nigéria, o Senegal e a RDC, alguns dos
quais até apoiaram a luta armada contra o colonialismo, seria a alternativa
mais inteligente. E se calhar, ainda daria para poupar algum dos seis ou muito
mais milhões de dólares preparados para esta desaconselhável empreitada. Assim
falei mal?
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