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ANGOLA NO TOP MILITAR AFRICANO: Força Real ou Ilusão Estatística? - Denilson Duro

Introdução: Mais do que um Ranking, um Desafio Estratégico

O Global Firepower Index 2025 posiciona Angola na 6.ª posição entre os exércitos mais poderosos de África e no 56.º lugar a nível mundial, com um PowerIndex de 1,09. Embora esse dado denote progresso, levanta igualmente um desafio: como transformar essa posição num verdadeiro trunfo estratégico para o país?

Como sublinha Raymond Aron, “a potência militar é a expressão última da soberania estatal e o reflexo da sua capacidade de projectar poder no tempo e no espaço.” A ascensão no ranking deve, portanto, estar ancorada numa visão integrada de segurança, tecnologia e desenvolvimento nacional.

I. Angola no Cenário Militar Africano: Uma Potência Emergente

1. Forças Armadas com estrutura sólida

Angola possui um efectivo total de cerca de 117 mil membros, distribuídos entre o Exército, a Marinha de Guerra e a Força Aérea Nacional. Esta estrutura demonstra maturidade organizacional e presença em todo o território nacional.

2. Posição geoestratégica favorável

A sua localização costeira atlântica e a inserção geopolítica na SADC tornam Angola uma peça fundamental na segurança marítima, nos corredores logísticos regionais e nas políticas de estabilização continental.

3. Diplomacia militar em ascensão

Angola tem reforçado a sua presença em missões de paz, mediações diplomáticas e cooperação técnico-militar multilateral, destacando-se como um actor influente na segurança regional. Joseph Nye chama a isso smart power: a combinação de força militar com influência diplomática.

II. Pontos Fracos: As Barreiras para a Ascensão Militar

1. Equipamento desactualizado

Grande parte do arsenal militar angolano provém da era soviética ou de doações pontuais, com baixos níveis de manutenção e renovação tecnológica. Para Ken Booth, “a capacidade de combate depende menos do número e mais da qualidade estratégica e tecnológica.”

2. Fragilidade aérea e naval

A Marinha de Guerra carece de capacidade oceânica, e a Força Aérea tem cobertura limitada em missões de transporte, vigilância e defesa do espaço aéreo nacional. Isso compromete o alcance estratégico das operações.

3. Carências logísticas e cibernéticas

A mobilidade militar é limitada por falta de vias estruturadas e de logística moderna. A ciberdefesa ainda é praticamente inexistente. Segundo Manuel Castells, “as redes digitais são a nova arena onde se decide a segurança das nações.”

III. Propostas Estratégicas para Melhorar a Pontuação Militar

1. Modernização tecnológica da Defesa

Investimento em drones de vigilância, sensores remotos, mísseis de precisão e guerra electrónica;

Estabelecimento de acordos de transferência de tecnologia militar com países como Turquia, Brasil, Índia e Coreia do Sul.

“A soberania tecnológica é a base da. autonomia estratégica.” — Celso Amorim

2. Reforço da Marinha e da Força Aérea

Dotar a Marinha com navios-patrulha oceânicos, corvetas e submarinos convencionais;

Adquirir aviões multifunção, helicópteros pesados e aeronaves de transporte estratégico, garantindo presença e resposta em todo o território nacional.

3. Criação de um Comando de Defesa Cibernética

Formar quadros em guerra cibernética, inteligência artificial, criptografia e vigilância digital;

Implementar o Centro Nacional de Inteligência Estratégica (CNIE), integrando dados de satélite, vigilância electrónica e análises preditivas.

4. Reforma do ensino militar

Actualizar os currículos da Academia Militar do Exército, Escola Naval e Escola Superior de Guerra;

Focar em liderança estratégica, conflitos híbridos, planeamento operacional e actuação em cenários multilaterais.

“Uma força armada preparada começa. no cérebro dos seus quadros.” — General Loureiro dos Santos

5. Diplomacia militar como instrumento de influência

Liderar missões de paz, operações humanitárias e centros de treino regionais no âmbito da SADC e CPLP;

Estabelecer acordos de defesa conjunta com países de afinidade política e histórica.

IV. A Segurança como Fundamento do Desenvolvimento Nacional

A segurança nacional, tradicionalmente vista sob a lente da protecção territorial, deve hoje ser compreendida como pilar transversal do desenvolvimento sustentável, da coesão social e da estabilidade institucional. Esta é a perspectiva de Barry Buzan, que propõe o conceito de segurança ampliada, integrando os domínios político, económico, societal, ambiental e militar.

1. Garantia da estabilidade interna e soberania territorial

A presença militar em zonas remotas ou fronteiriças é mais do que uma função de defesa: é uma afirmação da soberania nacional. A ausência do Estado em certas áreas facilita actividades ilegais e debilita a coesão territorial.

“A defesa do território é também a. defesa da cidadania e da dignidade. nacional.” — General João Baptista de Matos

2. Apoio à infraestruturação e resposta a calamidades

As FAA podem ser fundamentais na construção e reabilitação de infraestruturas básicas. Exércitos como o do Brasil e Moçambique têm experiência em engenharia militar aplicada à reconstrução pós-catástrofe. Angola já aplica esta lógica em momentos de emergência, mas pode institucionalizá-la com unidades de engenharia e logística dedicadas.

3. Instrumento de coesão social e formação de quadros

As forças armadas oferecem formação técnica, cívica e profissional, servindo como via de inclusão para jovens em situação de vulnerabilidade. Modelos aplicados em Cabo Verde e África do Sul mostram que quartéis podem funcionar como centros de capacitação multidisciplinar.

4. Cooperação cívico-militar e protecção das populações

A integração operacional entre FAA, polícia, protecção civil e serviços de saúde é fundamental para respostas coordenadas a crises humanitárias, conflitos e migrações internas. A Política de Defesa Nacional de Angola já reconhece esta missão, mas falta operacionalizá-la com orçamento, equipamentos e estrutura organizacional moderna.

5. Defesa do espaço marítimo e económico

Angola deve priorizar a protecção da sua Zona Económica Exclusiva, rica em recursos estratégicos. Para isso, precisa de uma guarda costeira robusta e tecnologias de vigilância marítima, como já se faz na Nigéria, Namíbia ou África do Sul.

6. Inserção internacional e contribuição para a paz

As FAA podem projectar influência através da sua participação activa em missões internacionais, como observadores militares, forças de interposição ou reconstrução civil pós-guerra. Para tal, Angola precisa de investir na formação de quadros multilíngues, interoperabilidade com forças internacionais e actualização legal para o envio de tropas.

“As armas não devem apenas guardar a. pátria; devem também semear o seu. futuro.” — Inspirado em Amílcar Cabral

Conclusão: De Potência Emergente a Potência de Referência

Angola já conquistou um lugar de destaque no panorama militar africano. Mas, para se afirmar como uma potência de referência, precisa de abraçar a transição do poder tradicional para o poder tecnológico e estratégico.

É necessário pensar além da aritmética militar e investir na inteligência, inovação e integração multilateral. Como escreveu Sun Tzu, “vencer sem combater é a suprema habilidade da guerra” — e hoje, essa vitória acontece nas redes digitais, nos radares, nos satélites e na formação estratégica dos quadros militares.

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