O Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MINTTICS), em articulação com a Administração Municipal de Talatona, está a ser acusado de tentar retirar, de forma ilegal, a posse de um terreno com cerca de dois hectares, situado no município de Talatona, que pertence a uma empresa privada. A referida empresa detém um título de direito de superfície válido, com registo efectuado na Conservatória do Registo Predial.
Fontes próximas do processo denunciam que elementos afectos ao MINTTICS reclamam a titularidade do terreno em nome do ministério, sem, no entanto, apresentarem qualquer documento que comprove essa alegação. Ainda assim, a Administração Municipal de Talatona emitiu uma licença de tapume a favor do MINTTICS, violando a legislação que exige, como condição prévia, a titularidade legítima do direito de superfície.
Uma herança mal resolvida do Projecto Luanda Sul
O conflito remonta ao extinto Projecto Luanda Sul, que previa a implementação de infra-estruturas públicas em determinadas zonas. Com a sua extinção, muitos desses terrenos foram atribuídos, de forma administrativa, pela EDURB/Odebrecht a entidades públicas — que, na prática, nunca os ocuparam. Ao longo dos anos, vários desses lotes acabaram por ser concedidos a privados, através do regime legal de constituição do direito de superfície, dado o abandono prolongado das áreas.
Estas atribuições administrativas, não formalizadas através de registo cadastral nos termos da lei, estão na origem do conflito. De acordo com a actual Lei de Terras, os terrenos urbanos não aproveitados durante longos períodos podem ser legalmente atribuídos a entidades privadas para fins de aproveitamento útil e efectivo. Foi nesse contexto que a empresa em causa obteve legalmente o seu título.
Estado ausente, burocracia presente
Apesar de cumprir os trâmites legais, a empresa enfrenta, desde então,
obstáculos constantes na fase de licenciamento para construção, devido a
alegações infundadas de titularidade por parte de instituições públicas. No
caso concreto, o MINTTICS não possui qualquer título legítimo sobre o terreno,
mas elementos ligados ao ministério têm, segundo denúncias, perturbado
sistematicamente a posse e o exercício de direitos da empresa privada, numa
tentativa de apropriação ilegítima.
A empresa já apresentou uma queixa-crime junto do Serviço de Investigação Criminal (SIC) de Talatona, por tentativa de esbulho e usurpação de propriedade.
Irregularidades administrativas graves
A situação é agravada pela emissão de uma licença de tapume por parte da
Administração de Talatona a favor do MINTTICS — um documento considerado
ilegal, por não cumprir os requisitos legais e por nem sequer fazer menção
expressa ao terreno em disputa.
Além disso, há um detalhe jurídico relevante que parece ter sido ignorado:
apenas pessoas singulares ou colectivas podem ser titulares de direitos e
obrigações, nos termos do Código do Procedimento Administrativo. O MINTTICS,
enquanto órgão da administração central, não se enquadra nestas categorias e,
por conseguinte, não pode ser titular de direitos sobre terrenos.
Por outro lado, a licença de tapume destina-se, legalmente, a entidades que irão efectuar obras de construção, algo que não se enquadra nas competências do MINTTICS, que não é um órgão executor de projectos de engenharia civil ou edificação.
Apelo à legalidade e à responsabilização
Este é um caso que levanta sérias preocupações quanto à legalidade dos
actos administrativos praticados e à transparência na gestão do solo urbano.
Trata-se de uma situação que coloca em causa o prestígio e a credibilidade de
dois importantes órgãos da Administração Pública — o MINTTICS e a Administração
Municipal de Talatona —, os quais se veem agora associados a práticas que roçam
o abuso de poder.
Impõe-se, por isso, uma intervenção urgente das autoridades competentes,
com vista à reposição da legalidade, à responsabilização dos envolvidos e à
actualização urgente do cadastro fundiário. A falta de dados actualizados nas
administrações municipais tem sido fonte recorrente de conflitos, com prejuízos
claros para os legítimos proprietários e para a segurança jurídica no sector
imobiliário.
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