“As coisas não estão muito bem em Angola, existe muita fome, e vê-se muita gente nos contentores [do lixo] a procurar coisas para comer”. A denuncia é feita pela irmã Maria do Céu Costa, religiosa portuguesa há mais de 25 anos em Angola, em declarações à Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS).
A religiosa, de 72 anos, que pertence à congregação das Franciscanas Missionárias da Mãe do Divino Pastor diz que em Angola se vive “uma crise humanitária” que se vê nos que vasculham o lixo, mas também nas inúmeras crianças que não conseguem estudar e que vão engrossar o número dos que não sabem ler nem escrever”.
“Há muita corrupção para se entrar nas escolas. Se queres entrar numa escola secundária, ou mesmo primária, se não consegues entrar porque não há lugar, mas se tu pagares, então encontra-se lugar na escola… Então, quando é na altura das matrículas, há muita, muita corrupção. E os familiares têm de fazer tudo por tudo para ver se o filho entra [na escola], mas muitos, muitos, milhares de crianças não estão a entrar na escola”, denuncia a religiosa portuguesa.
A missionára portuguesa está no bairro de Maianga, nos arredores de Luanda, perto do aeroporto. Apesar de todas as dificuldades, a sua preocupação “é formar jovens com valores humanos e cristãos”, para se tornarem “pessoas livres, que sintam amor ao próximo, porque a vida cristã é mesmo assim, deixar de pensar em si para pensar nos outros”.
“É uma pena ver os alunos que vão para a sala de aulas sem comer e depois é difícil captar a atenção… dá pena, dá pena”, diz a religiosa, assinalando que, ao longo dos últimos vinte e cinco anos de missão em Angola, as coisas têm piorado”.
Nestas declarações, a irmã Maria do Céu diz ainda que “os jovens não têm trabalho, há muitos jovens que ficam sem trabalho e por isso, às vezes, ficam sem motivação para viver. Há muitos suicídios. E não se fala muito disso, mas nós sabemos que muita gente se suicida porque não veem futuro para a vida… nem sei o que dizer…”
O salário mínimo é de 70 mil Kwanzas, pouco mais de 78 euros. Se muitos procuram comida nos contentores do lixo, outros - diz a irmã Maria do Céu - contentam-se com “uma refeição por dia e nada mais e vão aguentando”, destacando a solidariedade vivida entre famílias.
“Eles são muito solidários. Quando alguém tem um emprego, esse salário é para toda a família, porque eles ajudam-se muito uns aos outros”, nota.
Apesar de as irmãs viverem da caridade, é raro o dia em que não lhes batem à porta a pedir ajuda. Normalmente são mães a pedir alimentos.
“Estão sempre a tocar à porta, mas nós estamos na cidade, não temos campo, não temos nada. Se nos ajudam, nós também ajudamos, mas é constantemente um bater à porta… Às vezes penso: o que é que eu faço? Se eu não tenho o que é que eu vou fazer? Porque nós, as religiosas, vivemos também da ajuda dos outros. Algumas pessoas realmente solidarizam-se connosco e dão-nos um pouquinho de feijão, de fuba… e nós repartimos, mas nós também temos meninas em casa que estamos a ajudar. Temos nove meninas, nove jovens que também comem, não é? Então, nós quando temos alguma coisa, repartimos, mas às vezes também não temos nada…”, diz a religiosa.
Recorde-se que também os bispos angolanos, que estiveram
reunidos na última semana de setembro em Assembleia Ordinária, expressaram a
urgência de se combater a fome em Angola.
“Nenhuma nação pode sobreviver de barriga vazia”, disse à
Comunicação Social D. Belmiro Chissengueti, bispo de Cabinda e porta-voz da
conferência episcopal de Angola e São Tomé e Príncipe.
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