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Estátuas de Holden Roberto e Savimbi no Largo da Independência - Samuel Amaral

 Nunca imaginei que a minha proposta infantil, proferida com a autoridade de meus catorze anos, enquanto conversava sobre política com uns amigos mais velhos de meu pai, seria uma proposta de um deputado da Assembleia Nacional e, muito menos, que seria publicada em jornal sem qualquer crítica. A ideia de colocar as estátuas de Jonas Savimbi e Holden Roberto no Largo da Independência, apresentada pelo deputado Ekuikui como uma proposta moderada que visa a reconciliação, não passa de uma tentativa de propagar uma versão falsa da história de modo a apoiar a sua táctica de subversão, e constitui uma tentativa da UNITA de participar na política da legitimidade em vez da política das propostas. A independência de Angola tem um pai, que se chama Agostinho Neto, mesmo que não se goste dele ou do seu partido, sendo que nenhuma reconciliação pode ter a mentira como seu alicerce.

A verdade histórica: Agostinho Neto como pai único da independência. A primeira maneira de atacar o lugar de Agostinho Neto como pai da Nação é alegar que os “outros também lutaram”, porém isto seria como exigir um prémio de participação, em que as pessoas devem ser premiadas por apenas tentar, sem ter conseguido atingir o objectivo. Neste caso, confunde-se parte do processo de independência, “lutar pela independência”, com o processo todo. Afinal, um país independente não se resume à ausência de tropas estrangeiras: tem que ter um (1) Estado capaz de defender o seu (2) território por meio de um (3) exército e ser reconhecido por (4) Estados estrangeiros.

Primeiro, não podemos cobrar a existência de um Estado aos movimentos, porém está claro que, na altura, apenas o MPLA tinha à sua disposição uma capacidade burocrática capaz de gerir negócios de Estado, sem depender excessivamente de redes informais, como o costume tradicional Bakongo, no caso da FNLA, ou a família extensa, como no caso do Savimbi.

Segundo, se todos os movimentos tinham, pelo menos em teoria, o mesmo território em comum, apenas o MPLA tinha como seu objectivo explícito a preservação da sua integridade territorial, com a FNLA disposta a ceder Cabinda ao Zaire de Mobutu, actual RDC, em troca de apoio militar, e a UNITA entretida em criar uma República do Sul de Angola.

Terceiro, os três movimentos tinham um braço armado, porém, destes três, apenas o MPLA se aproximava do que seria um Exército Nacional, em parte por ter recebido muitos desertores do Exército Colonial e por ter um aparelho burocrático capaz de gerir uma logística moderna, em comparação com a FNLA, que era uma coligação instável de guerrilheiros, tropas regulares do Exército Zairense e mercenários portugueses, e que nunca teve coesão operacional, ao ponto de os dois primeiros abandonarem o terceiro elemento na sequência da Batalha do Quifandongo, em uma fuga desordenada até à Maquela do Zombo. A UNITA, por seu lado, não tinha homens suficientes para estar em pé de igualdade com os dois movimentos rivais, sendo prova disto dois factos: primeiro, que a infantaria angolana que acompanhou os sul-africanos na Operação Savannah era composta por guerrilheiros da FNLA e da Revolta do Leste; e, segundo, que, quando se amotinaram, não foi Jonas Savimbi quem teve de realizar um comício para os convencer a continuar a luta, mas sim Daniel Chipenda. A UNITA como força militar temível é um fenómeno dos anos 80 e não dos anos 70. Sendo assim, Daniel Chipenda, no quadro dos acontecimentos que levaram à independência, tem mais bagagem para estar no Largo da Independência do que Jonas Savimbi.

Quarto, se os três movimentos exerciam uma actividade diplomática, tendo, por isso, o apoio de Estados e Exércitos estrangeiros, apenas o MPLA encontrou uma fórmula que garantia apoio suficiente para estabelecer o Estado (intervenção cubana) sem abrir mão do seu território, como a cedência de Cabinda ao Zaire, no caso de uma vitória da FNLA, e sem criar uma hostilidade intransigente dos Estados vizinhos ou poderosos, como aconteceu no caso de Israel. Apesar de terem os seus peões derrotados, o Zaire, a África do Sul e os Estados Unidos da América aceitaram, em princípio, a existência do Estado de Angola, seja por meio de equilíbrio de forças, como as invasões do Catanga pelo MPLC apoiado por Agostinho Neto, ou por garantias de respeito de direitos cedidas pelo governo anterior, como o caso dos campos de petróleo de Cabinda explorados pela Chevron. Claro que isto não era perfeito, pois Luanda foi arrastada pelos seus aliados para um conflito com a República Sul-Africana que era desnecessário e alimentou a rebelião da UNITA por muito tempo.

A segunda maneira de atacar o lugar de Agostinho Neto

A segunda maneira de atacar o lugar de Agostinho Neto consiste em trazer à tona os Acordos de Alvor e a sua suposta violação unilateral pela UNITA, com um deputado da UNITA a ameaçar que iria “revelar quem iniciou a guerra”, como se não soubéssemos o que vai dizer. Isto é sintoma de uma visão ingénua da história, que vê os Acordos de Alvor como uma tentativa de criar um Estado democrático apenas porque este era o seu objectivo anunciado, em vez de constatar o seu objectivo real, tendo em vista a sua aplicação efectiva.

O efeito principal do Acordo de Alvor foi a dissolução do Exército do Estado de Angola, vulgarmente conhecido como Exército Colonial, que era constituído por africanos e europeus em partes quase iguais, para ser substituído por uma força mista composta por soldados do Exército Português e dos três movimentos. A partir desse momento, não existia no território angolano uma força militar capaz de impedir as três invasões estrangeiras (cubanas, sul-africanas e zairenses) e de evitar o conflito entre os três movimentos.

O segundo efeito, de impedir a formação de projectos políticos além dos três movimentos, apenas acelerou as consequências nefastas do primeiro efeito, obrigando todos a escolher um dos lados num estado de guerra civil quase imediato. O Acordo de Alvor foi uma declaração de guerra, além de ser o acto fundador da ditadura em Angola, ao negar aos angolanos o direito de criação de partidos políticos para a defesa dos seus interesses. Esse direito só foi reconquistado nas eleições de 1992 e vem sendo atacado por uma UNITA que vê fantoches do MPLA em qualquer projecto político que não tenha como objectivo a ascensão da UNITA ao poder.

Táctica de subversão

No quadro da sua estratégia da Terceira Revolução Angolana, a UNITA leva a cabo uma política de subversão que visa pôr em causa a legitimidade do MPLA para governar Angola, neste caso atacando a veracidade da fundação do país por Agostinho Neto. Além disso, insiste na alegação de que qualquer eleição que não tenha a UNITA como vencedora é obviamente um caso de fraude eleitoral.

Esta política da legitimidade é uma praga que Angola tem de superar, pois consome a capacidade cognitiva da Nação em debates históricos estéreis sobre quem começou a guerra colonial ou quem traiu quem em 1974. Muitas vezes, essa retórica desce ao nível da política de aldeia, limitando-se a teorias da conspiração sobre a verdadeira identidade do governante. Afinal, pensa-se que, se fosse filho da terra, não maltrataria o povo! Por isso, boa parte das teorias da conspiração favoritas em países africanos gira em torno da suposta origem estrangeira dos governantes, como alegaram, por exemplo, que Mobutu era da República Centro-Africana ou que Laurent Gbagbo era da Nigéria.

A retórica da legitimidade é mais fácil e confortável que a sua alternativa, a política das propostas, em que devemos identificar os nossos problemas e apresentar soluções para os resolver. Por isso, a UNITA insiste na retórica da luta contra a “ditadura”, pois esta não requer qualquer proposta concreta excepto a remoção do MPLA do poder. Aliás, um comentador da UNITA disse, durante um debate na TPA, que o seu partido não apresenta propostas concretas por medo de estas serem copiadas pelo MPLA, demonstrando assim uma falta de espírito republicano e uma prioridade absoluta pela busca do poder.

Seria como se os partidos que lutam contra a imigração em massa na Europa tivessem medo de exprimir os seus programas ou até mesmo se opusessem à sua aplicação pelos partidos no poder, por receio de perder a chance de subir ao poder. Como se os problemas de Angola não fossem urgentes, podendo esperar que a UNITA suba ao poder para os resolver.

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