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Uma Grande Lição da Democracia Interna da LIMA - Carlos Kandanda

 O V Congresso da Liga da Mulher Angolana (LIMA), braço feminino da UNITA, surpreendeu muita gente e tem estado a suscitar muitas análises sobre os processos eleitorais, em termos de conceitos, métodos, modalidades e procedimentos.

O «Sufrágio Universal Direto» é um mecanismo de expressão política, de autodeterminação, da conquista do poder e da partilha do poder político, no contexto da doutrina da soberania popular. A soberania popular é uma doutrina política por via da qual o Estado é fundado e é sujeito à vontade dos eleitores (povo) que é a fonte legitima da autoridade pública e do poder democrático.

A teoria da soberania popular está intrinsecamente associada aos filósofos contratualistas, dentre os quais, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Thomas Hobbes, Voltaire e Montesquieu. Na democracia plural o poder político emana do povo (eleitores) através dos processos eleitorais em que os candidatos apresentam os seus Manifestos Eleitorais que definem os seus ideário.

Um ideário é um sistema de ideias políticas, económicas, sociais e culturais. Noutras palavras, um ideário é um conjunto de valores e princípios de um sistema político, que serve de base para estabelecer um programa de governação e um projeto de sociedade.

Nas democracias avançadas, como dos Estados Unidos, os eleitores votam em consciência na base dos valores políticos contidos nos programas de governação, que devem espelhar claramente as metas e as soluções concretas aos problemas prementes que afetam a sociedade. Portanto, no sistema pluralista, os partidos políticos e as candidaturas entram em disputa eleitoral formando alianças ou coligações pré-eleitorais ou pós-eleitorais. As alianças e as coligações são feitas na base dos valores políticos e dos programas, que aproximam as candidaturas e buscar consensos.

Além disso, as alianças ou as coligações pós-eleitorais visam estabelecer o equilíbrio que sirva de mecanismo de estabilidade, da partilha do poder e de contrapoder. A partilha do poder é um princípio fundamental da democracia, que se manifesta através dos princípios de separação de poderes e de checks and balances. Neste sistema de alianças uma candidatura alinha-se com uma outra candidatura para juntar os seus votos no sentido de criar a maioria absoluta ou a maioria qualificada que permita governar e partilhar o poder político. Isso é feito ao abrigo dos princípios de contrapartida, de sinergia e de subsidiaridade.

Nas democracias europeias tornou-se bastante difícil um partido político ou uma candidatura conquistar a maioria absoluta ou a maioria qualificada que permita governar sozinho, com um certo grau de estabilidade. Por isso, os partidos europeus recorrem frequentemente ao mecanismo de alianças e de coligações pós-eleitorais ou pré- eleitorais.

Portanto, o que aconteceu no 5o Congresso da LIMA é muito interessante. Vejamos, na primeira volta o bolo estava dividido assim: 45%, 30% e 25%. Ao abrigo dos Estatutos da LIMA é necessário 51% para vencer o pleito.

Na prática isso significa que a candidata 2, Etna Iveth Kapapelo, que conquistou 45% na primeira volta, faltava-lhe 6% para vencer a segunda volta. A candidata 1, Antonieta Cesaltina Kulanda, que teve 30% na primeira volta, faltava-lhe 21% para superar a candidata 2, e deste modo ganhar a segunda volta.

A candidata 3, Maria Alice Sapalalo que obteve 25% na primeira volta, embora estivesse fora do jogo para a segunda volta, mas na prática foi ela que ficou com o trunfo na mão para determinar o desfecho do pleito eleitoral na segunda volta. Pois, as duas candidaturas precisavam dos seus 25% para vencer a segunda volta. Em termos reais foi ela que esteve com a faca e o queijo na mão para determinar a vencedora da segunda volta. Ela ficou numa posição vantajosa para baralhar as cartas e estabelecer as regras de jogo, respeitando os critérios estabelecidos, a liberdade de decisão e a vontade política do eleitorado.

Logo, neste jogo complexo e delicado ela tinha apenas duas opções: entregar os 25% à Etna Kapapelo que detinha 45% na primeira volta e que precisava apenas de 6% para alcançar 51% na segunda volta. Se a Etna Kapapelo ganhasse os 25% da Alice Sapalalo ela ficaria com o total de 70% do eleitorado. O que representaria uma maioria esmagadora, tornando-se assim todo-poderosa.

A segunda opção da Alice Sapalalo seria justamente de alinhar-se com a Antonieta Cesaltina Kulanda, para perfazer 55%, e ganhar o pleito eleitoral. Tecnicamente, a Alice Sapalalo não tomou essa decisão difícil apenas em termos de estabelecer o equilíbrio e a estabilidade institucional; mas sim, na base de valores e de contrapartida para a sua candidatura no que diz respeito o papel que cada uma das três candidaturas havia de desempenhar dentro do xadrez da Trindade.

Note-se que, a Doutora Maria Alice Sapalalo não podia, de modo nenhum, assumir uma posição equidistante entre as duas candidatas, como terceira opção. Essa atitude é bastante arriscada na política. Porque ao fim e ao cabo ela havia de perder o apoio da sua base social, a credibilidade, a legitimidade e a responsabilidade política diante o processo eleitoral.

Repare que, na democracia real o jogo nem sempre é decidido pelos mais fortes. Os mais pequenos, com trunfos na mão têm o potencial de alterar o jogo, ditar as regras e alcançar os seus objetivos estratégicos. Isso acontece frequentemente na França (cohabitation) e na República Federal de Alemanha (zussamenarbeiten), isto é, trabalhar juntos.

Importa sublinhar que, a política é o jogo de inteligência, de manobras, de habilidade, de interesses, de oportunidades, de credibilidade, de legitimidade, de representatividade, de honestidade, de legalidade e de previsibilidade. É dentro deste parâmetro que a candidata Maria Alice Sapalalo teve que navegar dentro das águas turvas para afirmar- se dentro da Instituição e reforçar os mecanismos da democracia interna, com fim de consolidar a unidade, a coesão, a estabilidade, a representatividade, o equilíbrio e o dinamismo.

Teoricamente parece que tivesse sido fácil tomar uma decisão desta dimensão que exigia muita ponderação, sobretudo na condição que ela se encontrava sob pressão das delegadas e dos lobbies dos bastidores. Ela é uma personalidade muito forte, sensata e prudente. Por isso, ela soube discernir rapidamente e tomar uma decisão sensata e equilibrada. Justamente, as relações humanas, a proximidade de ideias e de subjetivos, e sobretudo, a dinâmica interna da Organização tem o grande impacto sobre o processo da tomada de decisões estratégicas. Creio que ela estava bem-ciente deste contexto estratégico, que é o cerne da democracia representativa e participativa.

Nesta ótica, devo dizer que as mulheres da LIMA foram muito felizes na condução dos trabalhos do 5o Congresso que demonstrou nitidamente a maturidade política, a visão política de longo alcance, a profundidade da democracia interna, a transparência e a credibilidade do processo eleitoral, o nível académico muito elevado, a eficiência estrutural e organizativa, o patriotismo e o engajamento inabalável da LIMA pelas causas nobres da mulher, da criança, da família, do género, da cidadania e dos direitos cívicos.

Aproveito esta oportunidade para felicitar calorosamente as três candidatas, as delegadas e todas as mulheres da LIMA que participaram neste invento histórico que marcou uma transição geracional e uma nova etapa de luta, no contexto da geopolítica internacional que vai determinar a nova ordem mundial.

Quanto a Presidente eleita, Doutora Antonieta Cesaltina Kulanda, desejo-lhe muita coragem, muita firmeza, muita prudência, muito trabalho e muitos êxitos na sua missão árdua e desafiadora de unir, congregar e conduzir a Liga da Mulher Angolana nesta fase crucial de viragem e de transformação profunda da sociedade angolana, em prol da liberdade, da democracia plural, do bem-estar social, da boa governação, do desenvolvimento sustentável e dos direitos humanos.

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