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Fazendo-se História - Feliciano Amado

Incontestavelmente, o período entre 13 à 15 de Outubro constituirá um marco histórico, possivelmente em escala global, mas certamente para Angola. A visita do "Líder do Mundo Livre" ao nosso país, a primeira do género desde sempre, representa de facto uma aproximação sem precedentes entre as duas Nações.

Esta visita, que configura uma victória irrefutável do Presidente João Lourenço no plano diplomático, vem sendo celebrada efusivamente pelos membros do aparelho de Estado, assim como dos órgãos de comunicação, com ênfase aos que se encontram sob tutela pública. Temos testemunhando também melhorias significativas em algumas artérias da cidade de Luanda, com operações de limpeza, pintura, sinalização, tapa-buracos e similares (fala-se até da remoção de "moradores de rua") há muito não vistas por essas paragens, que por conta do "timing", se supõem fazerem parte dos preparativos para a recepção de tão ilustre figura.

Adicionalmente, a deslocação de Joe Biden a Angola vem sendo o palco de inúmeras especulações e até pano de fundo para teorias de conspiração como, por exemplo: a possibilidade de marcar o retorno às correspondências bancárias em USD; e a possível construção de uma base militar americana a norte do país, respectivamente. Ainda não foi (e nem se sabe se será) divulgada uma agenda oficial da visita, mas o facto é que existe uma grande expectativa (ou ao menos esperança) de que a vinda de Biden alivie as pressões, cada vez mais crescentes, que tanto o governo quanto a população têm estado a enfrentar nestes últimos (longos) tempos.

Mas longe da discussão sobre os méritos e relevância ou a ausência deles, o debate e alarido (infelizmente mais o segundo que o primeiro) em torno da efeméride trás à tona dois pontos que acredito serem dignos de apreciação:

1) O interesse principal da visita - diz-se que a maior motivação da visita é a defesa dos interesses geopolíticos dos EUA em África, face a expansão e fortalecimento da China, seus principais "adversários", no continente. A respeito, após tentativas de renegociação da dívida por parte da equipa económica do governo angolano (os seus maiores "parceiros" na África Subsaariana), o presidente João Lourenço não se fez presente no último Forúm África-China que decorreu na capital do maior credor do país (alegadamente por motivos pessoais). No entanto, perspectiva-se que a próxima Cimeira de Negócios EUA-África, em 2025, aconteça em Luanda.

2) O tema principal da visita - uma certeza unânime em torno da passagem de Joe Biden pelo país é que trará consigo avanços sobre o tema de investimento no Corredor do Lobito. Este projecto ferroviário que tem como objectivo conectar o interior da Zâmbia e RDC (ao longo do cinturão de cobre da África Central) ao Porto do Lobito, na costa oeste do continente africano. Também neste ponto podemos desvendar a contenda EUA/China, considerando que um projecto similar (reabilitação e gestão dos Caminhos-de-Ferro de Tazara) já em execução sob tutela do gigante asiático, pretende ligar a Zâmbia ao Porto de Dar Es Salaam, na costa leste do continente africano.

Limitando-me a estes dois pontos (porque até há muito mais que se lhe diga), acredito ser claro que o aumento de interesse em Angola por parte dos EUA parece estar mais alinhado a prossecução da sua própria agenda do que a quaisquer simpatias ou beneplácito com relação a Angola e ao seu presidente. Uma situação que na sua essência, pode ser equiparada às visitas diplomáticas iniciais de delegados portugueses ao reino do Congo na altura dos descobrimentos, cujo motivo - a busca de rotas comerciais alternativas - segundo o apresentado acima também poderá ter semelhanças macabras com a situação actual.

E segundo as minhas observações, da mesma forma que os nossos antepassados se deixavam impressionar com bugigangas enquanto os seus recursos (humanos e minerais) eram indiscriminadamente pilhados, hoje também estamos distraídos, impressionados com afirmações vazias e sem respaldo, proferidas por um presidente completamente debilitado (física e políticamente) prestes a terminar o seu mandato. Como o "país mais importante em África para os EUA", entramos em êxtase com uma visita conseguida graças ao "investimento" de grandes somas monetárias em lobbying, e cujo objectivo principal será o estabelecimento de um mecanismo para optimizar (entenda-se, aumentar o volume e reduzir o custo) a exportação de matéria-prima (com ênfase em minerais essenciais para a tecnologia moderna) e a importação de bens acabados do e para o continente africano.

O projecto do corredor do Lobito tem alegadamente um custo estimado em aproximadamente 3 mil milhões de USD e será uma peça fundamental no abastecimento de recursos indispensáveis à indústria ocidental e um elemento fulcral na luta pela sobrevivência desse "império" diante da crescente ameaça chinesa. Portanto, ao meu ver, em condições "normais", considerando a sua relevância estratégica e a barreira financeira facilmente transponível, deveriam ser os EUA a tentar convencer os países envolvidos neste projecto de que eles seriam os melhores parceiros (não só que a China, mas até mesmo que os próprios países-anfitriões) para tal empreitada.

A história apresenta exemplos de Nações que prosperaram simplesmente por conta do seu domínio de rotas comerciais, ou seja, Nações que prosperaram simplemente por intermediarem o comércio entre regiões distintas do globo. O controle absoluto do Corredor do Lobito seria uma oportunidade de ouro para um aporte significativo em prol da nossa autodeterminação. No entanto, seguindo a lógica de Malcolm X, a autodeterminação é uma aberração para o "Escravo da Casa" e pelo que parece, mais uma vez, não será desta que estaremos "do outro lado" na história. Portanto, talvez mais que todos os debates em volta do "Dono da Casa", talvez seja essa nossa "subserviência racionalizada" o verdadeiro cerne da questão e efectivamente o tema a discutir.

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