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O Revanchismo da Cidade Alta - Carlos Kandanda

 O revanchismo é uma atitude agressiva e odiosa provocada ou estimulada pelo desejo ardente e obcecante de desforra política. O revanchismo visa, acima de tudo, causar danos físicos e morais, ou instigar o ódio e a violência contra os adversários políticos. Em poucas palavras, o revanchismo tem o carácter intolerante e exclusivista.

No dia 26 de agosto de 2024, o Presidente do MPLA, João Manuel Gonçalves Lourenço, diante os militantes de base dos Comités de Acção do seu Partido (CAP), no seu Discurso musculado, imputou à Oposição (FPU) toda a responsabilidade do descalabro da sua desgovernação, nos termos maquiavélicos, sem ter escrúpulos, moral e ética. Isso vê-se claramente neste trecho abaixo: “O MPLA é um grande edifício, o maior edifício político-partidário que Angola conhece desde os anos cinquenta. Por isso cuidemos das suas fundações, dos seus alicerces que são os milhares de Comités de Acção do Partido, porque são eles as bases da sua sustentação contra as tempestades criadas pelos nossos adversários, que não fazendo oposição, encorajam e fomentam a desordem, organizam e lideram a subversão, como ficou evidente agora na aprovação da lei contra a vandalização dos bens públicos, tendo ficado provado o que já era evidente, que estão por detrás destas práticas antissociais e criminosas.” Fim de citação.

Ao ouvir e ao ler este pronunciamento do João Manuel Gonçalves Lourenço, nas vestes de Presidente do MPLA e de Presidente da República de Angola, eu fiquei bastante escandalizado e espantado pela gravidade de acusações feitas e pela incitação à violência contra a Oposição. Isso ficou bem-evidente de que se tratava de acusações infundadas dirigidas directamente contra a UNITA sendo uma «força motriz» da Frente Patriótica Unida, que congrega no seu seio as forças vivas da Nação Angolana.

Como sabemos, estamos perante uma UNITA temperada na luta política, diplomática e militar, imbuída do espirito patriótico e nacionalista, de matriz africana, que combateu o colonialismo português, que enfrentou a ocupação russo-cubana. Uma UNITA que tinha sob sua alçada mais de 70% do território angolano, reconhecido formalmente como um Estado dentro do Estado pelas Nações Unidas, pelas Potências Ocidentais e por um conjunto dos Países Africanos. Uma UNITA que lutou afincadamente pelo Estado Democrático e de Direito. Uma UNITA que foi Parceiro da Comunidade Internacional e do MPLA (em pé de igualdade) em todos os Acordos da Independência, da Paz, do Multipartidarismo, do Parlamento Multipartidário e do Governo da Unidade e da Reconciliação Nacional. Portanto, não se trata de um «Partidêco» qualquer, como alguma vez dizia Doutor Jonas Malheiro Savimbi.


Por regra, um Chefe de Estado é um Patriarca de uma Nação, que está acima de todas as formações políticas, tendo a responsabilidade acrescida de «unir» e «congregar» toda gente sem distinção alguma, nomeadamente de etnia, de estrato social, de cultura, de língua, de local de nascimento, de raça, de cor, de sexo, de crença, de filiação partidária ou de orientação política.


Acima de tudo, um Chefe de Estado deve assegurar a supremacia da Constituição e salvaguardar os direitos, as liberdades e as garantias fundamentais. Como diz em latim: “pati quam ipse legem fecisti.” Em Português: «sofre a lei que tu próprio fizeste». Noutras palavras, as leis são de cumprimento obrigatório por todos e sem excepçao nenhuma. Nestes termos, um Chefe de Estado é uma personalidade digna, honesta e respeitável, que tenha o prestígio e a credibilidade, cujas palavras devem inspirar a confiança, a fé e a esperança dos seus concidadãos.


Neste âmbito, importa salientar que um Chefe de Estado não pode ser um malfeitor, que deixa-se cair em ridicularias, em mentiras, em intrigas, em calúnias e em difamações – instigando ó odio, a violência e a divisão. Em Direito diz-se que, «facti narratio non facit ius». O que significa em Português: «a narração de um facto não constitui prova». Por isso, um Chefe de Estado deve ser uma pessoa de bem, que sirva de modelo e de farol, e que tenha um horizonte e um panorama global e realista do País e do Mundo. Ele deve ser um depositário da herança cultural, da tradição e de costumes da sua Nação. Importa dizer que, apesar dos seus passivos, que é humano, mas o malgrado José Eduardo dos Santos foi uma pessoa astuciosa, reservada, introvertida e que sabia ocultar a sua mente. Era difícil discernir o que andava na cabeça dele.


No domínio da doutrina política, convém sublinhar que os Partidos Políticos constituem o «cerne» da democracia plural, representativa e participativa, cuja «missão fundamental» consiste em educar a sociedade, despertar as mentes do povo, defendê-los em todas as circunstâncias, elaborar programas governativas, estabelecer ideários, divulgar os seus conteúdos, disputar o poder político (através das eleições), governar e implementar os seus programas sufragados nas eleições gerais, locais ou autárquicas.


O exposto acima se enquadra na liberdade de associação e da participação na vida pública que compreende o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos e de através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder político. Baseando-se no princípio de que todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcçao dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.


Portanto, cabem aos Partidos Políticos através dos Órgãos de Soberania do Estado assumir o ónus da doutrina política, gerir as finanças públicas, distribuir justamente a riqueza do país, administrar a justiça, legislar, fiscalizar, controlar, e acima de tudo, garantir o bem-estar social do povo e prestar serviços públicos de alta qualidade. Isso, em conjunto, é que constitui a essência da governação e que constitui igualmente a condição sine qua non da existência do poder político.
Logo, os Partidos Políticos não existem para apenas estar na oposição, bater palmas e levantar as mãos em uníssono, conforme está subentendido no Discurso do João Lourenço cujo trecho está exposto atrás. Repare que, «estar na oposição» não é a «meta estratégica» da ciência política, mas sim, é uma «condição transitória» para catapultar-se ao Poder do Estado – num processo de alternância democrática regular. Portanto, a teoria do Presidente João Lourenço, que consta do trecho acima, enquadra-se nas doutrinas absolutistas dos regimes autoritários e ditatoriais que consideram a existência de partidos políticos como sendo uma ameaça ao poder totalitário.


Nas condições actuais de Angola, de desgovernação total, da pilhagem desenfreada do erário e da corrupção sistémica, se fosse num país normal, com instituições fortes, sólidas e republicanas, o Presidente João Lourenço teria sido obrigado a demitir-se de imediato. Nem estaria na Cidade Alta porque ele (em 2022) usurpou o poder pela força das armas, desrespeitando a vontade dos eleitores expressa nas urnas.


Acima disso, ele tem estado a subverter sistematicamente a ordem democrática. Causando discórdias e instabilidades enormes não somente nas Instituições do Estado, mas sim, dentro do próprio MPLA, que agora se encontra de costas viradas. Notemos que há um conjunto de factores políticos e socioeconómicos, mal concebidos e mal geridos que estão na base do caos que se verifica no país. Ele é o «Ãºnico responsável» pela esta situação caótica e ele não deve, de modo nenhum, imputar isso aos outros.


Vejamos, o nosso país está vendido; o mercado angolano está entregue aos estrangeiros e aos monopólios; os angolanos estão empobrecidos; a classe média (emergente) decaiu; largas famílias comem nos contentores de lixo; agora se alimenta de ossos, de pescoços, de tripas e de carcaças de frangos; regista-se a queda sem precedente do Kwanza; ele perdeu drasticamente o poder de compra; há escassez de divisas no mercado; nota-se a redução drástica de importações de bens; verifica-se a inflação estrutural, de demanda e de oferta; o contrabando tomou conta do mercado angolano; como consequência disso, o país mergulhou-se no abismo da delinquência, da corrupção, da intolerância e da pobreza extrema.


A título de exemplo, uma reportagem feita pela TV-ZIMBO (29/08/2024) sobre a indústria petrolífera angolana revelou que, “o peso do investimento das empresas angolanas do sector petrolífero é de apenas 1,3%;” as empresas angolanas ocupam somente os sectores mesquinhos, como de limpeza; além disso, beneficiam apenas 2% dos investimentos deste sector estratégico, que representa 95% das exportações de Angola.


O que quer dizer que, o mercado petrolífero está totalmente sob a tutela das empresas estrangeiras. Enquanto, no caso do Brasil, ele controla mais de 50% do seu mercado petrolífero. Repare que, 96% das receitas públicas de Angola provem da indústria petrolífera, que está nesta condição do domínio das empresas estrangeiras. Então, onde estará a independência política e económica do nosso país?


Em síntese, gostaria de ressaltar três aspectos importantes: em primeiro lugar é «inconstitucional» fazer uma lei (com penas de 15 a 25 anos) que visa, de modo simulado, implicar os partidos políticos em actos de vandalismo com vista a prender e emprisionar os seus dirigentes e militantes, como forma de afastá-los da arena política. Visando, deste modo, as figuras mais influentes da sociedade angolana, como forma de «destruir a oposição e a sociedade civil». Um artifício que serve de instrumento de repressão e da eternização do poder político.


Em segundo lugar as investidas de destruir ou domesticar a UNITA não são de hoje, são de muito tempo. Porém, nunca funcionaram, nunca tiveram êxitos e nunca serão capazes de apagar a UNITA. Na verdade a UNITA passou por um período dificílimo, turbulento e desafiante. Só que ela foi capaz de contornar esta situação complicada e complexa, mantendo intacta a sua identidade, os seus ideais, a sua personalidade e o seu horizonte.


A UNITA está enraizada na sociedade angolana e a Mama Muxima, no dia 01 de Setembro de 2024, foi uma prova inequívoca da popularidade do Presidente Adalberto Costa Júnior e da afirmação dos ideais da UNITA na sociedade angolana. Por outro lado, o Festival Jaguar Negro dos Jagas, que ocorreu em Luanda no dia 31/08/2024, fizeram-se presente (em peso) Jovens artistas: poetas, músicos, escritores, escultores e cantores, que enalteceram o “Pensamento Estratégico” do Doutor Jonas Malheiro Savimbi, o Fundador da UNITA e o Protagonista do Manifesto do Muangai. Neste âmbito, à luz desta Escola de Pensamento, a UNITA saberá sempre adaptar-se às condições concretas de cada contexto a fim de remover os obstáculos e superar as investidas.


Em terceiro lugar os problemas no seio do MPLA (que são profundos) preocupa todos os angolanos. Porém, este contexto não deve ser confundido com a UNITA para que isso sirva de bode expiatório. Nós todos sabemos o que aconteceu durante os «massacres» de 27 de Maio de 1977 que exterminou mais de 80 mil angolanos inocentes. Ninguém deseja que isso venha acontecer mais uma vez no nosso País. Portanto, todos temos o dever patriótico de cuidarmos da paz, da unidade e da reconciliação nacional.


Por isso, devemos congregar as sinergias de todos os angolanos para erradicarmos a fome e a pobreza extrema que alastram pelo País. Isso é que aflige o povo angolano e que corrói neste momento a sua alma e revolta a sua consciência. Porque não é aceitável uma situação desta natureza a acontecer num país que está cheio de recursos naturais. Mas que não beneficiam os Angolanos. Esta é a Grande Questão.

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