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Angola avança em cada época e seus contextos, de João Pinto - Faustino Correia

 O ensaio de João Pinto apresenta uma reflexão sobre a evolução sociopolítica de Angola, lidando com as tensões entre reforma e revolução, conservadorismo e progresso. A sua narrativa é rica em consciência histórica, mas a postura subjacente revela uma visão conservadora que pode parecer desfasada face às exigências e aspirações de uma Angola do século XXI.

A afirmação do ensaio de que a mudança é uma dança cuidadosa entre a tradição e a modernidade não é destituída de mérito. No entanto, ao apelar sobretudo a uma abordagem reformista, ecoa a visão de Edmund Burke, segundo a qual a mudança social deve ser gradual e respeitar as estruturas herdadas. Esta perspetiva, embora segura, pode também ser limitadora num mundo em rápida globalização, onde são necessárias visões mais dinâmicas e transformadoras. Neste sentido, o argumento de Pinto pode ignorar a sabedoria de filósofos como John Stuart Mill, que defendia a busca activa pelo progresso e a necessidade de desafiar o status quo em prol do desenvolvimento humano.

A crítica de Pinto ao fervor revolucionário como "utopia imprevisível" assenta fortemente num receio da instabilidade. Contudo, o século XXI exige mais do que a mera manutenção da ordem; exige uma reavaliação corajosa das estruturas sociais. Os avisos sobre as consequências imprevistas, reminiscentes dos contos cautelares de George Orwell, são válidos, mas não devem sufocar a coragem de inovar e imaginar um futuro desvinculado das limitações do passado.

Além disso, a rejeição de Pinto às críticas como "desparata" reflete uma resistência a perspetivas diversas. Numa era que valoriza o pluralismo e a troca democrática de ideias, esta abordagem parece desatualizada. Pensadores como Hannah Arendt lembram-nos que a saúde de uma democracia reside na sua capacidade de envolver-se com o dissenso de forma construtiva. Reduzir a crítica a mera contrariedade é perder a oportunidade de crescimento colectivo e refinamento de ideias.

Onde o ensaio de Pinto mais fraqueja, no entanto, é na sua rejeição implícita de uma transformação mais radical como inerentemente arriscada ou destabilizadora. As realidades do século XXI, marcadas por avanços tecnológicos, crises ambientais e dinâmicas globais em mudança, exigem um modelo de governança adaptável, inclusivo e orientado para o futuro. Aqui, o tom conservador do ensaio parece colidir com as exigências da era moderna. Como sugere Zygmunt Bauman nos seus escritos sobre a modernidade líquida, as antigas certezas estão a dissolver-se, e a capacidade de navegar pela mudança com agilidade é fundamental.

Finalmente, o ênfase de Pinto no sucesso das obras públicas e reformas administrativas, embora louvável, corre o risco de ignorar as desigualdades estruturais mais profundas que persistem. O argumento de que Angola está melhor do que em 2017 pode conter alguma verdade, mas não aborda plenamente as aspirações de uma nova geração que busca não apenas melhorias, mas transformação. Para este fim, o ensaio poderia beneficiar de um maior envolvimento crítico com o conceito de justiça social, tal como articulado por pensadores como Amartya Sen, que argumenta que o desenvolvimento deve ser medido não apenas pelo crescimento económico, mas pela expansão das liberdades e capacidades.

Em suma, embora o ensaio de João Pinto ofereça uma reflexão ponderada sobre o progresso de Angola, a sua postura conservadora pode ser demasiado contida para uma nação que procura enfrentar os desafios do século XXI. À medida que avançamos, é crucial abraçar uma pluralidade de perspetivas, respeitando tanto a sabedoria cautelosa da reforma quanto a energia visionária daqueles que ousam sonhar para além do horizonte. Assim, Angola poderá avançar não apenas no tempo, mas também no espírito, rumo a um futuro que realmente sirva todos os seus cidadãos.

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