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A iniciativa do MPLA de diálogo directo com as bases - Ismael Mateus

 A iniciativa do MPLA de realizar um encontro entre o seu líder e os responsáveis pelos comités de acção convoca-nos para uma reflexão sobre a importância das bases partidárias no nosso sistema político.

A vitória eleitoral, a que os partidos aspiram, está directamente relacionada com o funcionamento e com as dinâmicas das estruturas de base. Graças ao trabalho dos comités de acção, o MPLA enfrentou nas Eleições de 2022 um clima de grande adversidade política, mas ainda assim, venceu em 15 das 18 provincias e em 140 dos 164 municípios, tendo a UNITA ganho em Luanda, o maior círculo eleitoral do país. Mais do que em 2022, a próxima disputa eleitoral vai depender da capacidade de mobilização e da actuação das estruturas de base dos dois partidos.

Os partidos políticos são importantes instituições da nossa matriz de sociedade, visto que eles aproximam a relação e o diálogo entre os representantes dos representados. Eles surgem da necessidade dos cidadãos encontrarem meios de defesa dos seus interesses na arena pública.

Decorre então daí um processo de identificação entre o projecto partidário e os cidadãos eleitores que votam nele. Quem aceita participar neste tipo de organizações deixa de ser apenas simpatizante e torna-se membro. São os ideais comuns desses membros que formam os partidos e conformam o seu projecto político que depois se reflecte no seu programa de Governo.

Um eventual distanciamento ou desfasamento entre os dirigentes de topo e as suas bases equivale a uma maior dificuldade de aceitação das ideias políticas de um partido e do seu próprio projecto de país.

Fragiliza a capacidade de traduzir as aspirações e necessidades dos cidadãos em leis e medidas de governação.

A amplamente anunciada reunião entre o presidente do MPLA e os coordenadores das estruturas de base inaugura uma nova era da disputa eleitoral nos principais partidos do país, onde era regra o uso das estruturas de base como meros veículos da orientação vertical sobre o vem do topo do partido.

O carácter estratégico desta reunião extravasa o MPLA na medida em que inaugura a participação activa das estruturas de base na definição da estratégia eleitoral, no reforço da democracia interna, dando assim início a um processo de revigoramento do papel das estruturas de base para a luta política do quotidiano e próximas disputas eleitorais.

Esperemos que, depois disso, passe a ser comum as lideranças de topo dos nossos partidos políticos, antes de definirem estratégias, auscultarem directamente as expectativas, visões, as preocupações e dificuldades daqueles que fazem a advocacia do sentimento dos cidadãos eleitores e exprimem a vontade popular sobre os principais temas da actualidade política nacional como autarquias, diálogo entre as lideranças, governação do país, e democracia interna.

No caso específico do MPLA, esse encontro ainda tem um simbolismo maior face, por um lado, a um período de contestação e baixa popularidade que o Governo e o partido no poder têm enfrentado desde 2019 e, por outro, face, também, às divisões internas decorrentes da estratégia de combate à corrupção, nepotismo e ganância de antigos dirigentes.

O encontro pode simbolizar um reconhecimento à coragem e sacrifício destes militantes do MPLA que são os que, na linha da frente, dão a cara junto dos cidadãos.

Perante uma situação económica extremamente difícil, com diminuição do poder de compra e outros problemas sociais decorrentes, não é nada fácil o trabalho de mobilização e captação de novos membros sobretudo nas comunidades.

Os responsáveis do CAP estão verdadeiramente num beco sem saída. Eles dão a cara junto dos cidadãos, enquanto os dirigentes nacionais (secretários e directores do partido) evitam os debates públicos e as grandes entrevistas para defesa do projecto político.

A advocacia feita pelos Comités de Acção em nome dos cidadãos não é suficientemente ouvida e, muitas vezes, as decisões políticas criam embaraços junto dos eleitores, sem que ninguém se junte a eles para ajudar a "engolir o sapo”. É frequente entre esses militantes de base o sentimento de que servem de "andaime” para os novos dirigentes, ou seja, que se usam deles para subir e, depois, são descartados.

No caso da UNITA, a situação também não é melhor.

Tendo o seu maior rival político feito essa viragem para o diálogo directo com as bases, não resta outra alternativa senão seguir o exemplo. Não sendo poder, o maior desafio que as bases da UNITA enfrenta é a ansiedade dos seus membros pelo alcance do poder, sobretudo para uma velha geração que aspira isso desde os velhos tempos da Jamba. Para além da longa espera, ainda vêem os lugares de topo a serem ocupados por militantes de outros partidos.

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