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UMA AULA DE FILOSOFIA URBANA- ANDRÉ KIVUANDINGA

 Certo dia, ao caminhar pelas ruas de Luanda, deparei-me com um grupo de jovens engajados em uma conversa tão animada que poderia facilmente competir com qualquer debate filosófico. Só que, em vez de Sócrates ou Platão, os grandes oradores eram o Kito, o Xuxu e a Bela, mestres do linguajar urbano.

Kito, sempre com uma camisola de alguma banda obscura, começou a conversa com uma frase que me fez questionar minha própria compreensão da língua portuguesa: “Mano, eu 'tô bué nice hoje. 'Bazei' cedo do cubico e 'scenei' bué kuduristas na baixa.” Para quem, como eu, precisava de um tradutor, ele basicamente disse que estava bem, saiu cedo de casa e encontrou muitos dançarinos de kuduro no centro da cidade.

Xuxu, que não perde uma oportunidade para mostrar seu conhecimento, respondeu prontamente: “Ya, mano, mas 'nigga' tá todo Shunado. Bora ali na zona do 'big bom' que tá dá bué damas.” Se traduzido para o português convencional, ele sugeria que estava bem vestido e que fossem para uma área conhecida por ser popular, onde haveria muitas raparigas.

Bela, a única do grupo que parecia entender minha estranheza, deu uma risadinha e explicou: “Papi, não te estressa. Aqui em Luanda, 'bué' é muito, 'kuduro' é uma dança, e 'cubico' é casa. A gente só tá a curtir as cenas.” Eu agradeci a tradução, mas ainda estava um tanto quanto perdido.

Ao longo do dia, aprendi que "kumbu" é dinheiro, "leve-leve ou malembe-malembe" é devagar, e "dica" é informação. Também descobri que chamar alguém de "bué nice" é dizer que essa pessoa é óptima e que "mwangolé" é uma forma carinhosa de se referir a alguém de Angola. Um angolano.

A cada frase trocada, a conversa dos jovens de Luanda revelava-se como um código secreto, uma combinação de calão e expressões inventadas que transformam o quotidiano em um verdadeiro espetáculo linguístico. É como se cada jovem fosse um poeta moderno, a tecer versos com as palavras mais inusitadas possíveis.

No final da tarde, já me sentia quase um iniciado na arte do linguajar urbano. Kito me olhou e disse: “Mano, 'tás a vê? Tu já 'tás bué fixolas. Daqui a pouco 'bazas' a dar dicas na cubata.” Traduzindo: Eu estava a ir bem e logo estaria a compartilhar minhas próprias gírias em casa.

Saí daquela conversa com uma nova apreciação pelo linguajar dos jovens de Luanda. Suas palavras não eram apenas gírias; eram uma expressão vibrante e criativa da cultura local. E, quem sabe, na próxima vez que eu os encontrar, estarei preparado para contribuir com algumas "dicas" minhas.

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