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Traficantes da fé - Jorge Eurico

 Angola é, formalmente, um Estado laico. A relação entre o partido no poder em Angola e a Igreja (com destaque para a Católica) foi marcada por momentos de tensão, repressão e de uma feroz perseguição contra o clero. O patrimônio da Igreja Católica tinha sido todo confiscado. Sobretudo entre 1977 a 1991. O MPLA tinha cortado relações com a Igreja Católica.

O ambiente era de cortar à faca. A corrente não passava. Eram tempos em que se propagava a plenos pulmões que a religião era o “ópio do povo”. Eram tempos que se fazia uma forte propaganda ateísta nos quatro cantos do País. Eram tempos em que os padres eram chamados também de camaradas. Apesar da sua recusa e tenaz resistência.

Era a fase em que os militantes do partido proibiam os filhos de irem à catequese ou à missa dominical. Eram tempos em que “objectores de consciência” eram recrutados à pontapés para ingressarem nas FAPLA - braço armado do MPLA. Era a fase em que se condenava veementemente a prática da religião e os seus ensinamentos.

Foi assim que se deu à “machadada misericordiosa” na Ética e na Moral. Foi o enterro do civismo. Foi o princípio do fim dos bons costumes e boas maneiras. Foi o início de todos os males que deram lugar à corrupção de toda ordem e sequentemente à guerra que desestruturou famílias e esventrou, de forma transversal, o tecido social e econômico angolano.

Entre 1977 a 1991, os dirigentes do MPLA eram todos marxistas e leninistas. Depois dos Acordos de Bicesse todos viraram beatos. Transformaram-se quase em “objectos” de sacristia. Hoje mudaram-se os tempos! As vontades também. Os políticos transformaram-se em traficantes da fé. Tomaram gosto pelo “ópio do povo”. Glória a Deus! É vê-los aos magotes todos os domingos em “bicos de pés” e a acotovelarem-se nos primeiros assentos das igrejas para aparecerem hipocritamente nos ecrãs das televisões e nas redes sociais. Aleluia!

É vê-los sem desdouro em abraços e beijinhos com os párocos ou os pastores no final da missa ou do culto. Hosana nas alturas! É ver padres e pastores com cartão de militante do partido no poder a fazerem apologia dos estatutos do mesmo, do líder e do seu programa de Governo nas televisões ou nas redes sociais. Os mandingueiros também vão à missa. Mas não deixam de fazer das suas sob o misterioso manto do crepúsculo. É katuta! Puxa katuta/Arranca katuta/São problemas/ Nem Quintino consegue resolvê-los.

Pois como ia dizendo: Quando vejo dirigentes do MPLA e da UNITA numa missa ou num culto, penso nos samaritanos. De acordo com o Velho Testamento, os samaritanos não sabiam o que adoravam por causa da apostasia idolátrica em que tinham caído. Nos dias que correm temos novos samaritanos: os políticos e dirigentes angolanos.

Eles apresentam-se como cristãos (religiosos) aos domingos. Mas nos dias feriais vivem como pagãos. E muito bons pagãos! Cogito se os militantes da UNITA vão à igreja para expiar os seus pecados pelo mal que fizeram aos cidadãos e estragos que causaram ao País ao longo de décadas de guerra. Reflito se os dirigentes do MPLA vão à “Casa do Senhor” penitenciar-se em decorrência da governação à Charlie Chaplin. Se vão para rogar perdão pela sua inaptidão ou falta de vontade política.

Quando os vejo numa missa ou num culto, penso que os políticos do MPLA e da UNITA desconhecem a passagem bíblica que reza o seguinte: “Em verdade lhes digo que um rico dificilmente entrará no Reino dos Céus. E ainda lhes digo que é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.

A romaria de políticos do MPLA e da UNITA às igrejas e templos cristãos fazem-me suspeitar que deverá haver um plano para se acabar com o Estado laico. Desconfio que está em curso a construção de um Estado teocrático em Angola. E não é difícil. É só fazer mais uma alteração pontual na Constituição, o que poderá, por exemplo, viabilizar o surgimento de uma bancada composta por cristãos no Parlamento. Tudo indica que para lá caminhamos.

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