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Quando a crise institucional judicativa se instala no poder judicial - Frederico Batalha

 O Estado, como um todo, deve parar e pensar se é mesmo isso que pretende nas relações entre órgãos/instituições da mesma esfera de poder, onde se está a instalar um cenário de sublevação, fundado em veleidades, mais de cariz pessoal do que das subtilezas próprias do Direito! 

Numa altura em que a generalidade das pessoas, desde os entendidos no fenómeno jurídico aos não entendidos, aguardavam, com alguma e justificada ansiedade, pelo pronunciamento deliberativo do Tribunal Supremo, face às indicações passadas pelo Tribunal Constitucional, em sede do Acórdão n.º 883/2024, de 3 de Abril, eis que emerge o Acórdão de Conformação, lavrado por aquele Tribunal, datado de 28 Junho do ano em curso e publicado no passado dia 08 de Julho, em relação ao Processo n.º 135/20, que, ao se efectuar a conformação com o Acórdão do TC, o Plenário do TS primou por manter a sua decisão/deliberação anterior. Entenda-se, manter a condenação dos arguidos, em cúmulo jurídico, nas penas únicas e globais de: Jorge Gaudens Pontes Sebastião – 5 anos e seis meses de prisão; José Filomeno de Sousa Santos – 4 anos e seis meses de prisão; Valter Filipe Duarte da Silva – 7 anos e 6 meses de prisão e António Samalia Bule Manuel – 4 anos e seis meses de prisão.

Antes de qualquer reflexão sobre esse exercício de verdadeira demonstração de forças de Juízes Conselheiros do TS (havendo o registo de dois Juízes que emitiram declarações de voto vencido), como se estivessem numa arena de disputa de «braços de ferros» com o TC, vale rememorar o sentido e alcance da orientação passada ao Tribunal de proa da Jurisdição Comum, após considerar o recurso dos arguidos como procedente, que se traduziam em «que sejam expurgadas as inconstitucionalidades verificadas, ao que se seguirão os trâmites subsequentes, nos termos do n.º 2 do artigo 47.º da LPC». Tendo as inconstitucionalidades verificadas, as seguintes: violação dos princípios constitucionais da legalidade, do contraditório, do julgamento justo e conforme e do direito à defesa, nos termos dos artigos, 6.º. 67.º, 72.º e o n.º 2 do artigo 174.º da CRA.

Dizendo de modo diferente, é sobre os aspectos apontados acima, que devia incidir a acção deliberativa de conformação do TS, em lugar deste Tribunal aproveitar o ensejo para realizar um segundo julgamento, que lhes permitisse aprimorar a sua análise, sobre os factos recorridos, para, no final resultar na manutenção das condenações dos arguidos, quando o TC considerou inconstitucional o Acórdão exarado pelo Plenário do TS no Processo n.º 135/20, em 2021, que, por sua vez, retomou, em parte, a decisão/deliberação proferida em 1.ª instância pela Câmara Criminal do mesmo Tribunal. 

Por outro lado, caso o Plenário do TS entendesse que não devia se envolver no assunto, porquanto apenas confirmou, parcialmente, a decisão/deliberação da Câmara Criminal deste Tribunal, que, em primeira instância, foi quem tratou de enquadrar legalmente os factos criminais da instrução e de proferir a primeira sentença/acórdão aos arguidos do famigerado «Processo 500 Milhões de Dólares» ou «Caso Zenu», como também é chamado, podia muito bem repassar à referida Câmara Criminal a orientação de expurgação das inconstitucionalidades devidamente detectadas pelo TC. Talvez tenha mesmo sido essa a perspectiva dos Juízes da Jurisdição Constitucional, quando se referem em «baixar os autos à instância devida».

Pelo que, se com os factos, informações e alegações, que gravitam, de um tempo a esta parte, no espaço público, em total desabono ao TS, já se dizia que havia um Elefante na sala, sempre que olhássemos para o nosso Poder Judicial, com o presente pronunciamento deste Tribunal, por via do seu Plenário, essa imagem (de Elefante na sala) ganha maiores proporções. O que é de todo grave/perigoso, para a certeza e segurança jurídicas, relativamente a quem tenha necessidade de se relacionar com os nossos Tribunais, e de todo lamentável, pelo desgaste emocional, a que se remetem as pessoas que, confiando no Estado de Direito, veem decisões/deliberações emanadas de um Tribunal a serem tratadas como tábua rasa por outro Tribunal, de igual hierarquia formal, mas de superior hierarquia, em razão da matéria constitucional (direitos fundamentais), submetida à sua apreciação e prontamente deliberada.

Agora, só nos resta acompanhar o que virá dos capítulos subsequentes desta Novela Dantesca, que está a ser rodada no seio do Poder Judicial angolano, tendo como protagonistas de cena os seus Juízes de topo. Sendo certo que ou os arguidos/réus devem ser restituídos à liberdade ou devem cumprir o que resta das penas cominadas ou, então, não nos admiremos que o TC solicite do representante do Ministério Público neste Tribunal a promoção de crimes de desobediência contra os Juízes Conselheiros do TS! Outrossim, o Estado, como um todo, deve parar e pensar se é mesmo isso que pretende nas relações entre órgãos/instituições da mesma esfera de poder, onde se está a instalar um cenário de sublevação, fundado em veleidades, mais de cariz pessoal do que das subtilezas próprias do Direito! 

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