1.A semana de 7 a 12 de Junho 2024 será marcada seguramente com a decisão do Acórdão n.º 135/20 do Tribunal Pleno e de Recurso que alegadamente “conformou” a decisão do Tribunal Constitucional proferida no Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade, Acórdão n.º 883/2024, de 3 de Abril, do conhecido processo “500 milhões”.
2.Estranhamento ao ler o Acórdão do Plenário do Tribunal Supremo fls. 5043 e 5044, na questão prévia começa-se por admitir a “falta de quorum” e expressamente diz-se “(...) O PROCESSO TEVE DE SER REDISTRIBUÍDO E A DECISÃO DO RECURSO TERÁ DE SER FEITA PELO PLENÁRIO DO TRIBUNAL SUPREMO NA SUA COMPOSIÇÃO ATUAL (...) CONFORME ORDENADO DO DOUTO DESPACHO EXARADO PELO VENERANDO PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPREMO CONSTANTE A FLS. 5014 A 5017 DOS AUTOS, O QUE NÃO SIGNIFICA A REALIZAÇÃO DE UM NOVO JULGAMENTO.”
3. Na verdade, embora o Acórdão comece e termine utilizando a expressão “conformação” do ponto vista material foi realizado um novo julgamento e não uma “conformação” da decisão do Tribunal Constitucional.
4.Por isso, não acompanho a decisão do Plenário do Tribunal Supremo e preocupa-me a “tirania” que se instalou no Tribunal Supremo que agora se consuma com uma “crise na justiça angolana” em que estão “frente a frente” o Tribunal Constitucional e o Tribunal Supremo.
5.O “tirano” da justiça tem um nome, Presidente do Tribunal Supremo e do
Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) que tem como advogado e ao
mesmo tempo cúmplice o poder político, perante o olhar e silêncio sepulcral de
um Ministério Público instrumentalizado, que nos termos do artigo 186.º da
Constituição compete defender a legalidade democrática.
6.Em condições normais, num Estado de facto de Direito e Democrático, em
que imperasse somente a supremacia da Constituição e da Lei ( artigos 2.º e 6.º
da CRA), a separação e interdependência de poderes (sistema de pesos e
contrapesos), n.º 3 do artigo 105.º da CRA, e não a “dependência de poderes” o
“tirano” da justiça há muito ter-se-ia “demitido” ou convidado a “demitir-se”,
pois em menos de 7 anos não tenho memória nem há registo de tanta banalização
do Tribunal Supremo e da justiça transformando-se o seu Presidente num
verdadeiro “judas da justiça” e do Estado de Direito. Alguns “pratos” do “menu
das arbitrariedades” e que considero muito graves falam por si, senão vejamos:
i) Revogou uma sentença proferida por um Juiz da Comarca de Benguela por
via de um despacho administrativo;
ii) É publicamente denunciado e com provas documentais de estar envolvido em
alegados atos de corrupção;
iii) É atualmente alvo de uma ação popular promovida por um grupo de Advogados
da Ordem dos Advogados de Angola;
iv) É “acusado” pelos seus pares de ter transformado o CSMJ em instrumento de
perseguição dos juízes que pensam contrário;
v) Foi arrolado como testemunha (embora inferido) num processo de extorsão em
que alegadamente é beneficiário final e autor mediato;
vi) Foi alegadamente alvo de buscas no seu gabinete de trabalho pela PGR;
vii) Há quase 5 anos que o Tribunal Supremo não cumpre a sua própria decisão de
levantar a interdição de saída do país e devolver os passaportes dos arguidos
do processo 500 milhões, batendo e superando o record de interdição de saída do
país de 2 anos e 1 mês, aplicado pela DNIAP e que pertencia a Lídia Capepe
Amões (cfr. Acórdão 384/2016, de 17 de Fevereiro, do Tribunal Constitucional)
viii) Para colocar a “cereja no topo do bolo” vem agora no Acórdão. n.º 135/20
de 28 de Junho desobedecer a decisão do Tribunal Constitucional (o Tribunal dos
Direitos Humanos e que decide em última instância sobre os direitos,
liberdades, garantias fundamentais dos cidadãos angolanos), que no lugar de
“conformar a decisão” voltou a julgar duas vezes os mesmos arguidos pelos
mesmos factos!
7.” Tudo visto e ponderado” o nome que melhor se adequa a tudo isto é, sem
dúvidas, “tirania na justiça”, pois a “mulher de César não basta ser honesta,
deve parecer honesta”. Ao seu advogado, o poder político, a história do País
recente não deixa dúvida, um dia poderá beber do seu próprio veneno.
8.É urgente que se faça uma verdadeira reforma da justiça e do Direito, mas
que não passe apenas por alterar as leis ou as vírgulas da lei, só assim se
evitará que aumente o “medo das pessoas na justiça angolana” e a “morte
definitiva do Estado Democrático e de Direito”, cuja agonia já leva décadas.
Termino com Martin Niemoller (1933):
“Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não
me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era
comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e
levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No
quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para me defender.”
Angola e os angolanos não merecem isto, haja pelo menos vergonha e ética
republicana!
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