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A Incerteza do Futuro da Europa e da NATO - Carlos Kandanda

 A invasão da Ucrânia pela Rússia foi um acontecimento trágico de grande dimensão que aconteceu no centro da Europa no dia 24 de fevereiro de 2022. Na altura a Europa foi apanhada desprevenida. Pois, ela ficou sem as indústrias militares adequadas e sem as Forças Armadas robustas em termos de organização, de estruturação, de armamento, de logística militar e de prontidão combativa.

A Europa foi apanhada numa situação frágil e débil, isto é, militarmente dependente dos EUA, e economicamente dependente dos mercados asiáticos, sobretudo da Rússia e da China. Uma Europa dividida pelo «BREXIT» e pela Extrema-Direita, alinhada com a Rússia. Uma Extrema- Direita autoritária, ultranacionalista, eurocética, xenófoba, racista, anti migração, autoritária e contra a diversidade cultural.

Apesar de tudo isso, trata-se de uma Europa que desde a Antiguidade, desde a Idade Média e desde a Idade Moderna ela esteve sempre no centro das transformações humanas, que conduziram à escravatura, ao colonialismo, às duas guerras mundiais e à guerra fria, que terminou em 1991. As grandes potências mundiais, da época contemporânea, emergiram a partir da civilização europeia, que dominou o mundo durante séculos, espalhando a sua influência pelo todo o globo.

Apesar do papel muito grande que a Europa desempenhou, mas com o andar do tempo ela foi perdendo a sua influência na Comunidade Internacional. A Europa perdeu todas as suas colonias em África, na Ásia e nas Américas. Muitas dessas antigas colonias, como os Estados Unidos da América, China, India, Brasil e Canada suplantaram a Europa. Na realidade, a natureza humana é revolucionária e evolutiva. Cientificamente, as leis da natureza têm a «dinâmica interna» que impulsionam a transformação das sociedades humanas. Por isso, ao longo da História da Humanidade se observou um fenómeno constante da «ascensão» e do «declínio» de grandes Instituições Humanas, as quais, em cada Idade Histórica desenvolveram Civilizações distintas.

A título de exemplo, a ascensão e o declínio do Império Egípcio e dos Impérios Romano- Bizantino são uns dos exemplos mais notáveis da obra humana, cujos valores culturais permaneceram no tempo e no espaço, que são patrimónios universais da humanidade. Como sabemos, o Império Romano-Bizantino e o Sacro Império Romano Germânico, que dominaram a Europa, o Médio Oriente e o Norte da Africa, a uma dada altura entraram em decadência e em desmoronamento gradual. Dali para diante a Europa entrou no processo irreversível da edificação de novos Estado-Nações independentes da dominação romana.

Portanto, o fim do Império Romano foi marcado por sucessivas guerras interétnicas que conduziram às duas guerras mundiais de 1914-1918 e de 1939-1945. Em seguida entrou-se na guerra-fria que terminou em 1991, marcada pelo colapso e pelo desmembramento da União Soviética. Seguiu-se a expansão da União Europeia e da NATO, sob o domínio dos EUA, como protetor da Europa. A presença em peso dos EUA no centro da Europa revela explicitamente a «importância estratégica» do Velho Continente na Geopolítica mundial – em torno do Mar Mediterrâneo.

Convinha salientar que, o fim da Guerra Fria trouxe a Ordem Mundial Unipolar, dominada por EUA. Mas isso durou pouco tempo. De seguida surgiram os BRICS como «contrapoder» à hegemonia norte-americana. Emergindo assim a Ordem Multipolar com vários centros de poderes. Infelizmente, essa Ordem Multipolar transformou-se na Bipolarização do mundo em duas esferas de influências sob a liderança dos EUA e da China. Em termos concretos o mundo regressou a Ordem Bipolar que dominou a Guerra Fria – entre 1945 e 1991.

Esta nova “Ordem Bipolar” tornou-se mais evidente com a invasão da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022. A NATO percebeu-se que a invasão da Ucrânia não era uma operação qualquer. Mas sim, tinha uma dimensão estratégica global, visando a «restauração do status quo de 1991», que resultou-se no desmembramento da Uniao Soviética e na expansão da NATO. Neste âmbito, os EUA reagiu rapidamente e em força para impedir a tomada da Ucrânia pela Rússia.

Nesta operação de grande dimensão o Kremlin aplicou a táctica de “Blitzkrieg” (guerra- relâmpago) que consistia na ocupação rápida da Ucrânia sem dar o tempo de reagir e de organizar a sua defesa ou de receber a ajuda logística da NATO. Contudo a visão estratégica do Kremlin que consistiu na táctica de Blitzkrieg falhou redondamente. Ela ficou frustrada pelas medidas preventivas da defesa do Kiev e da faixa leste da Ucrânia. Porque, desde a ocupação da Crimeia em 2014 a NATO percebeu que a Rússia visava tomar conta da Ucrânia e expandir-se pelo interior da Europa.

Em termos da doutrina militar, a táctica de Blitzkrieg (guerra relâmpago) permitiu a Alemanha Nazi, do Adolfo Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial, conquistar rapidamente (em pouco espaço de tempo) a grande parte da Europa e do Norte da África. O Arquiteto da táctica de “Blitzkrieg” foi o General Alemão «Heinz Wilhelm Guderian», nascido em 17/06/1888 e faleceu na Baviera (Alemanha) em 14 de Maio de 1954.

Gostaria de sublinhar que, durante a Guerra-Fria a China manteve-se na posição equidistante, sem envolver-se nela directamente. Ela aproveitou a oportunidade para restruturar a sua economia e abrir o seu mercado aos investimentos das empresas ocidentais. O propósito estratégico da China consistia em ter acesso às novas tecnologias e ao know-how a fim de impulsionar a industrialização e a modernização da economia. Na altura a «visão estratégica» da China consistia em expandir-se economicamente no mercado internacional e implantar-se firmemente nos espaços vitais de recursos minerais estratégicos da África Subsariana.

Esta visão estratégica da China surtiu efeitos desejados, por exemplo: conseguiu atrair investimentos ocidentais ao seu mercado interno; ganhar o know-how e as tecnologias mais avançadas; desencadear a industrialização e a modernização; dominar as novas tecnologias; implantar-se no espaço extraterrestre; fazer crescer a economia; produzir em grande escala; competir no mercado internacional; suplantar a Rússia e a Europa; e dominar o mercado africano.

Quando olhamos ao mercado internacional veremos que, apesar dos EUA ser a maior economia do mundo, mas o seu capital é detido por privados que sabem como gastar o seu dinheiro e onde devem dirigir os seus investimentos, independentemente da visão estratégica do Estado. Ao passo que a China, embora tivesse uma economia mista, mas o seu capital é controlado pelo Estado que tem a última palavra a dizer na sua aplicação de acordo com a estratégia global do Estado.

Por isso, a China tem capacidade enorme de movimentar facilmente os seus investimentos aos projectos estratégicos, do que os Estados Unidos da América cujo capital é detido por capitalistas neoliberais, que não buscam o bem-estar público, mas sim, a acumulação e a concentração de capitais nas suas mãos. Devo destacar o facto de que, a Doutrina Capitalista e Socialista da China permitiu-lhe alcançar o nível elevado da produtividade e da produção, inundando assim o mercado internacional com as suas mercadorias. Este fenómeno, da economia de escala, induziu os outros mercados internacionais a depender excessivamente de mercadorias baratos da China. A Europa foi um dos mercados mais afetados, cuja dependência económica é excessiva. Por isso, a Europa não pode livrar-se totalmente da China, tal como da Rússia.

Para sair deste marasmo a Europa precisa da ajuda efectiva dos EUA na reabilitação das suas indústrias estratégicas que ficaram arruinadas desde o fim da guerra fria e da abertura do mercado asiático. Nas condições actuais a Europa não tem a capacidade económica, tecnológica e produtiva suficiente para que sozinha possa enfrentar a Aliança Militar Russo-Chinesa. Pois, a China e a Rússia estão bem implantadas no Médio Oriente e no Norte da África, em torno do Mar Mediterrâneo e das vias marítimas atlântica e indo-pacífica.

Além disso, o acesso ao petróleo do Médio Oriente e aos recursos minerais estratégicos da África Subsariana está a ser difícil ao Ocidente. Já existe uma disputa renhida pelo controlo da África Subsariana entre as potências asiáticas e as potências ocidentais. Pelos vistos a Europa já está a perder o terreno, sobretudo na Zona do Sahel. A República Democrática do Congo tornou-se o foco de disputas violentas entre as potências mundiais. O Mega Projecto do Corredor do Lobito se enquadra precisamente nesta disputa pelo controlo desta «Região Estratégica» e rica em minerais críticos e estratégicos.

Em síntese, na minha análise do contexto mundial, acho que os EUA continua a ser a maior potência mundial em todos os domínios. Somente ele está fragilizado interna e externamente. Pois, o seu sistema político e judiciário enfrenta grandes desafios. Acima de tudo, não existe o «consenso nacional» sobre a «Doutrina do Estado» entre os Republicanos e Democratas. Por um lado, a Europa tem muitas «reticências» sobre os EUA e sobre a estabilidade da Aliança Transatlântica. Por outro lado, a Europa sozinha não tem o «potencial económico e militar» suficiente para se defender da Rússia e dos seus aliados.

Acima de tudo, a Europa tem muitas dificuldades de livrar-se da dependência do mercado asiático, sobretudo da China. A influência secular da Europa em África está gradualmente a se desvanecer. No entanto, cresce globalmente a implantação económica da China no Continente Africano. Ao passo que, os EUA tem dificuldades enormes de competir economicamente com a China no mercado africano, sobretudo na África Subsariana. Neste panorama, vê-se uma tendência crescente da «aproximação» entre o Médio Oriente e as Potências Asiáticas. A Guerra genocida que Israel move contra os Palestinianos tem o impacto tremendo sobre a Geopolítica Mediterrânea.

Portanto, a médio ou longos prazos a China estará em vantagem de consolidar a sua liderança na Ásia e de afirmar-se como a maior potência mundial. O facto é que, a China tem uma postura pacífica que assenta na economia mista, na abertura do mercado, na competitividade e na expansão económica. A sua Política Externa se baseia nos cinco princípios da «coexistência- pacífica», que consistem no seguinte: no respeito mútuo pela soberania e pela integridade territorial; na não-agressão mútua; na não-interferência mútua nos assuntos internos de outros Estados; na igualdade e no benefício mútuo. De facto, há 75 anos, desde 1949, a China não envolveu-se directamente em nenhuma guerra de ocupação ou de expansão.

Este conjunto de valores e princípios constitui a «pedra-angular» da Política Externa da China que sustenta a sua Diplomacia Económica. Portanto, isso lhe coloca na posição vantajosa na Comunidade Internacional em relação às outras potências mundiais. Para dizer que, quando analisamos bem os factores que estiveram na base do desmoronamento do Império Romano- Bizantino, veremos que o mesmo contexto se manifesta claramente neste momento em relação ao Império Norte-Americano.

Neste âmbito, na minha visão pessoal, como aconteceu com o Império Romano-Bizantino, a mesma coisa que poderá acontecer com o Império Americano. A Europa poderá dar volta a isso e buscar outros caminhos para assegurar a sua defesa no caso de os Estados Unidos da América abdicar-se das suas responsabilidades junto da NATO. Que acho este cenário ser muito improvável, porque seria um suicídio dos EUA.

Só que, sejam quais forem as circunstâncias, a queda da Europa não será tão fácil, será feita nas circunstâncias de uma conflagração global com recurso às armas nucleares, terminado no apocalipse. Nisso reside a «incerteza» do futuro da Europa, da Aliança Transatlântica e do Mundo.

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