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MPLA e o desafio de moralização a sociedade em meio a crise -Lucas Pedro

"Cumprir promessas é respeito ao próximo. Respeito ao próximo é respeito a si mesmo." - Rafael Baltresca

A recente solicitação do secretário-geral do MPLA, Paulo Pombolo, para que as igrejas colaborem na implementação do projecto de moralização da sociedade "Mais Angola mais cidadania" levanta questões sérias e cruciais sobre a eficácia desse projecto.

É difícil acreditar na moralização de uma sociedade quando aqueles que deveriam ser os primeiros a dar o exemplo falham repetidamente em cumprir as suas promessas eleitorais, que não são poucas. A moralização de Angola passa por acções concretas e significativas, não por discursos vazios e desprezíveis.

Angola é um país rico em recursos naturais – isso todos sabemos –, mas essa riqueza não se reflecte na vida quotidiana da maioria dos seus cidadãos. A distribuição desigual das riquezas é uma marca registada do governo do MPLA desde 1975, que privilegia um pequeno grupo de elite, hoje chamados de “marimbondos”, enquanto a grande maioria da população vive na miséria.

A falta de água potável é um exemplo claro dessa desigualdade. Em muitas regiões, os angolanos são forçados a buscar água em cacimbas e rios, ou seja, em fontes contaminadas, enfrentando diariamente o risco de doenças ou mesmo de serem atacados por répteis.

Na província do Cunene, por exemplo, mais de cinco mil habitantes da aldeia de Onanime, localizada no município de Namacunde, são obrigados a consumir água contaminada com urina, bebendo da represa que partilham com os animais, e sentem-se “abandonados” pelas autoridades.

Onanime, que dista cerca de 40 quilómetros de Ondjiva, capital da província, é considerado o epicentro da Verme de Guiné ou dracunculose, doença transmitida pela ingestão de água contaminada com a larva do parasita (vide aqui: Cunene: Seca leva habitantes de Onanime beberem água contaminada com urina).

É inconcebível falar de moralização quando a água, um recurso básico e essencial, não está disponível para todos, nem mesmo para aqueles que vivem na capital do país, Luanda.

A crise de energia eléctrica é outro sintoma da má gestão e do descaso do governo. Enquanto os dirigentes do MPLA desfrutam de vidas confortáveis, com eletricidade 24 horas por dia e acesso a todas as comodidades, a maioria dos angolanos vive na escuridão, dependendo de velas e candeeiros de petróleo, pois os geradores ficaram mais caros, tal como o combustível.

A falta de energia da rede – cito aqui o exemplo do bairro Bita Campo Escola, no município de Viana – não só compromete o conforto, mas também afecta a educação, a saúde e o desenvolvimento socio-económico. Como podemos esperar que a população se sinta moralizada quando enfrenta a escuridão literal e figurativa?

A pobreza extrema em Angola é um escândalo. Milhares de angolanos vivem em condições sub-humanas, em casas feitas de materiais inapropriados, como blocos de adobes, paus a pique, palha e chapas, e sem acesso a saneamento básico.

Enquanto os líderes do partido vivem "vidas mulatas" - quer dizer vidas luxuosas em português corrente -, as pessoas comuns lutam para sobreviver. Falar de moralidade para quem mal tem o que comer é uma afronta e vergonha.

O saneamento básico é praticamente inexistente em muitas áreas, com esgoto correndo a céu aberto – como no Zango, na Avenida Brasil, Cazenga, Kilamba-Kiaxi, Cacuaco e por aí em diante – e lixo acumulado nas ruas. Essas condições são um terreno fértil para a degradação da saúde pública e reflectem o abandono do governo.

A ausência de infraestrutura básica não só degrada o meio-ambiente, mas também a dignidade humana. Como pode o MPLA esperar moralizar a sociedade sem fornecer as condições mínimas de vida digna?

Nas zonas rurais, a falta de escolas é ainda uma realidade gritante. A maioria das crianças e jovens são privados de educação, e um número considerável estuda debaixo de árvores – como ilustram inúmeras imagens nas redes sociais –, perpetuando um ciclo de pobreza e desesperança nos chamados “futuros de amanhã”.

Promessas de construção de escolas e melhoria da educação são feitas repetidamente durante as campanhas eleitorais, mas não são cumpridas com a devida eficácia, pois quase todos os filhos dos altos dirigentes do MPLA e do governo estudam em instituições privadas (de grande qualidade) dentro e fora de Angola. Portanto, sem educação de qualidade, as oportunidades de melhorar a vida são quase inexistentes, e isso só reforça ainda mais a desigualdade.

A crise financeira e económica em Angola é um testemunho claro do fracasso da liderança do MPLA/Governo. A inflação, o desemprego – o fenómeno que aumenta a delinquência, a prostituição e a corrupção – e a desvalorização da moeda esmagam a população, enquanto a elite política continua a enriquecer e a consumir produtos de melhor qualidade.

É visível que a vida dos angolanos comuns é uma luta constante de sobrevivência, e a disparidade entre ricos e pobres só aumenta. Como podemos falar de cidadania quando o governo falha em proteger e prover para os seus cidadãos?

A moralização da sociedade angolana exige muito mais do que simples palavras; exige uma revolução na forma como o MPLA governa. O partido governo deve começar a cumprir as suas promessas eleitorais e a distribuir as riquezas do país de forma justa e equitativa.

É necessário investir mais em infra-estrutura básica, como água potável, energia eléctrica, saneamento, educação e saúde. Transparência, responsabilidade e um compromisso genuíno com o bem-estar da população são essenciais.

Em suma, a moralização da sociedade angolana só será possível quando o MPLA mostrar, através de acções concretas, que está comprometido com a justiça social e a equidade. Somente então será possível falar em “Mais Angola mais cidadania”. Até lá, qualquer discurso sobre moralização será percebido como uma hipocrisia cruel e infantil.

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