Trata-se de uma conversa gravada entre o Dr. Savimbi e a senhora Jornalista portuguesa Dra. Maria Antónia Palla, em Marrocos, Junho de 1995. Maria Antónia Palla (MAP) – Depois do fracasso das eleições de 92, a guerra recomeçou com uma ferocidade nunca atingida. Agora voltam a falar de paz e de reconciliação nacional: porque nenhuma parte venceu a outra ou porque reconhecem que não existem condições internas e externas para prosseguir a guerra?
Jonas Savimbi (JS) – De uma parte e outra, as pessoas querem a paz. Só um pequeno grupo tira vantagens da guerra. Mas queremos uma paz acautelada: com quem e como? Pessoalmente, como patriota, não gosto dos capacetes azuis. Trazem muitos vícios ao país. Mas é o povo que o diz: para evitar fraudes e massacres, precisamos de um árbitro.
MAP – No próximo encontro com o Presidente José Eduardo dos Santos vai abordar o problema das eleições presidenciais, da segunda volta que ficou por fazer?
JS – É um ponto a discutir com o Presidente. Se formos para a segunda volta já em 97, como se falou, haverá problemas sérios. As pessoas ainda não esqueceram e corremos o risco e o levantar dos demónios, como dizem os franceses. Mas se quiser avançar para isso, estou preparado, embora pense que seria melhor consolidar a paz e a estabilidade. Isso passa, naturalmente, por um acordo com o governo: querem-nos como coligação ou como oposição? Estar coligado tem vantagens e desvantagens, porque seremos parte de uma má governação. Haveria então que discutir um programa de governo. Apenas exigimos garantias.
MAP - …É o problema do seu estatuto? Fala-se de que poderia ficar vice-presidente da República…
JS - …Eu sei lá o que eles querem dizer com isso…! Eu penso que posso desempenhar um papel na paz, na reconciliação, no respeito mútuo, na defesa da vida, na busca de oportunidades iguais, sem discriminações. Em tudo: no acesso à educação, à tecnologia, ao desenvolvimento. A Angola de hoje é o petróleo e a corrupção: eu não faço parte disso. E sem a UNITA não se pode fazer nada.
MAP – Mas, em termos pessoais e políticos, põe-se o problema da sua segurança: como fazer uma democracia sem garantir a segurança dos líderes políticos?
JS -É um facto. No que me toca, sei que no programa do MPLA está a minha eliminação física. Tive três atentados sérios e por isso disseram que eu estava morto. O que vou dizer ao presidente dos Santos é que se ele precisar de mim para apaziguar inimizades no país, eu estarei com ele. Se ele aceitar que os mercenários partam, estaremos juntos. Mas isso não é discutir o estatuto do Savimbi. Eu não penso ser vice-presidente, como dizem: seria recuar trinta anos.
Eu tenho outro pensamento, outra cultura e só posso ser útil se, em vez de cargos, discutirmos princípios. Como ele me quer utilizar e à UNITA. Eu não peço dinheiro a ninguém. São os outros que me oferecem e só aceito quando preciso.
MAP – Com tudo isso, acha que existe um clima de confiança que possibilite, por exemplo, a desmilitarização da UNITA e a formação de um exército único, como é normal em qualquer país?
JS – Esse problema já está resolvido. Parte dos soldados da UNITA e do Governo vão formar um exército. É normal e é uma necessidade. Mas há cláusulas que têm de ser discutidas para proteger os que, desde 1966, só sabem dar tiros. Não receberam outra instrução, não sabem fazer outro ofício. Eu tenho de ter a certeza de que não estou a sacrificar os meus homens. É verdade que terei ministros, embaixadores. Mas o que acontecerá à maioria que fez luta desde o Leste? Alguns tinham dez anos nessa época e agora têm trinta, quarenta, mulher, filhos: o que vou fazer com eles? É um ponto humano de que não abdico.
MAP – Mas não é esse o problema de todas as desmobilizações? A paz tem custos. JS – Repare: agora é preciso um exército profissional e a maior parte dos soldados da UNITA não são elegíveis para o novo exército porque são homens de guerrilha. Não os podemos atirar para o lixo. Até porque só se sentirem segurança na vida irão colaborar no processo. É preciso integrá-los na vida social do país e para isso são necessários programas de reinserção, de educação, de aprendizagem de ofícios, em suma, de desenvolvimento. Caso contrário, resta-lhes voltar a uma guerrilha de sobrevivência que a UNITA não conseguirá sequer controlar.
MAP – Uma das dúvidas que persiste nos observadores deste processo é: conseguirá a UNITA transformar-se de Partido armado em partido político, à maneira ocidental?
JS - … Mas isso está aceite! Estamos a fazer um trabalho de base para que as pessoas se instalem numa lógica da paz. Desde que rubricámos os Acordos de Lusaka em 31 de Outubro, não desenvolvemos mais nenhuma acção militar. O MPLA, no entanto, atacou-nos no Huambo, no Uíge, no Cuito: não somos nós que estamos em falta e por isso não podemos ser acusados de má-fé. São eles que estão a armar-se, a contratar mercenários, dando indícios que continuam a apostar na solução militar. Nós forçamos a barra da política e da diplomacia. Queremos implantar uma cultura de tolerância.
MAP- Desmilitarizar neste ambiente não representa para a UNITA um grande risco? Mas se não desmilitarizarem, não correm o risco de serem novamente condenados? JS – É sempre um grande risco. Mas o que será Angola dentro de dez ou vinte anos se continuar a esbanjar os seus bens naturais, sem beneficiar o povo, e a sacrificar a sua gente?
Preocupa-me, contudo, que o Presidente dos Santos fale mais
de legalidade e soberania do que de Pátria e Nação. Para mim, é a pátria e a
nação que criam o país. E através dele se exprime a legalidade e a soberania. a
nação tem de se fazer. A pátria é um sentimento. Os que estão inscritos no MPLA e na UNITA não representam sequer a
maioria. Na pátria estão todos.
Um dia, a manter-se este estado de coisas, Cabinda olhará
para Angola como inimigo quando deveríamos ser os seus amigos privilegiados.
MAP – Apesar de tudo, está optimista quanto ao próximo encontro com o Presidente José Eduardo dos Santos, em Lusaka? JS – Vamos discutir. Hoje entendo melhor o MPLA do que em 91. Se estivéssemos na mesma posição, nunca teríamos assinado os Acordos de Bicesse. Nós pensamos, por exemplo, que seria a ONU a organizar as eleições. E foi o Governo. Onde se viu uma transição do monopartidarismo para a democracia organizada pelo Governo (de partido único)? Ninguém entrega o poder. Mas está feito.
MAP – O mundo mudou muito nestes três anos. Os republicanos, tradicionais amigos da UNITA, voltaram a ser maioria no Congresso americano e talvez voltem a ter um presidente: o seu amigo Chirac ganhou nova importância em França; no Parlamento europeu, a UNITA ganhou votos favoráveis de personalidades indiscutivelmente de esquerda, como Bernard Kouchner e Cohn-Bendit; hoje tem Governos africanos que mostram disponíveis para o ajudar. Foi difícil o isolamento por que passou a seguir às eleições?
JS – Ninguém gosta de estar isolado. Eu tenho uma vantagem: fiz vinte e oito anos de mata. Por isso, quando disseram que morri, fiz-me de morto.
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