O Tribunal da Relação de Luanda decidiu, no passado dia 6 de outubro de 2025, suspender o juiz de Direito Paulo Henriques, da Comarca de Belas, por suspeita de parcialidade e favorecimento de uma das partes no processo de herança do falecido general Jorge Manuel dos Santos “Sukissa”.
A decisão foi proferida pelo Juiz Desembargador Presidente Vidal Romeu Francisco, no âmbito do Incidente de Suspeição n.º 520/2025 – TRL, após queixa formal apresentada pela viúva, Ana da Conceição Ferreira dos Santos, que acusou o magistrado de agir como “advogado dos herdeiros” e de violar os princípios de imparcialidade e legalidade processual.
De acordo com o acórdão a que o Club-K teve acesso, o Tribunal da Relação considerou procedentes as alegações de suspeição, determinando que o processo de partilha do património do general falecido — que corre sob o número 487/2022-G — seja transferido para um juiz substituto, com efeito imediato.
“Não se verificou a devida cautela por parte do juiz recusado, o que o torna parcial”, lê-se na decisão, que sublinha que a atuação do magistrado “influenciou o andamento do processo, em prejuízo da meeira e dos menores”.
Segundo a denúncia apresentada pela viúva, o juiz validou atos irregulares e documentos falsificados praticados por alguns herdeiros, que se autoproclamaram sócios e gestores da empresa SACCIR - Comércio Geral e Prestação de Serviços, Lda, deixada pelo falecido general.
Ana da Conceição Ferreira dos Santos alega que o magistrado ordenou, sem despacho formal, o bloqueio das suas contas bancárias no BIC e no BFA, tendo permitido a movimentação dos fundos em favor dos outros herdeiros. Apenas após diversas reclamações e alertas do Ministério Público, parte das decisões foram parcialmente revertidas.
“O juiz Paulo Henriques atuou como verdadeiro advogado dos herdeiros,
favorecendo claramente um grupo com o qual mantém proximidade”, acusou a requerente
no processo.
O Tribunal da Relação reconheceu a existência de “indícios concretos de falta de imparcialidade”, reforçando que a juíza recusante “não agiu de má-fé”, mas foi “prejudicada pelos atos processuais do juiz natural”.
Relação com rede de extorsão ligada a Joel Leonardo
O nome de Paulo Henriques já vinha sendo citado em denúncias sobre uma alegada rede de tráfico de influência e extorsão ligada ao antigo presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo.
Em julho de 2025, a mesma viúva apresentou ao Departamento Nacional de Investigação e Ação Penal (DNIAP) uma participação criminal (processo n.º 61656/25) contra o juiz Henriques e outros magistrados, acusando-os de exigirem 1,5 milhões de dólares e 35% de uma dívida pública de uma empresa do falecido general como contrapartida para decisões favoráveis no processo.
A denúncia também mencionava o nome do advogado Carlos Salombongo, assessor de Joel Leonardo no Conselho Superior da Magistratura Judicial, que teria atuado de forma encoberta através da advogada brasileira Maria de Lourdes Luz Nascimento.
A suspensão do juiz Paulo Henriques ocorre num momento em que o Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ) conduz investigações internas a diversos magistrados, incluindo antigos colaboradores de Joel Leonardo, por suspeitas de corrupção, manipulação processual e favorecimento judicial.
Fontes judiciais indicam que esta decisão do Tribunal da Relação “poderá marcar um precedente importante” na luta contra a impunidade dentro do sistema judicial angolano, ao reconhecer formalmente a parcialidade de um juiz em exercício.
A medida é vista como uma vitória simbólica para a viúva Ana Ferreira dos
Santos, que há mais de dois anos denuncia pressões, extorsões e bloqueio
indevido de bens no âmbito da disputa pela herança do falecido general.
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