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Reflexão do patrão sobre o discurso do estado da nação - Rafael Morais

Senhoras e senhores, Antes de mergulharmos em números e parágrafos, permitam-me uma pausa para reflexão. Ontem, o Presidente da República dirigiu-se à Nação com um discurso repleto de promessas, dados e conquistas. Disse-nos que, desde 2019, foram atribuídas 37 concessões petrolíferas, que os diamantes angolanos passarão a ser lapidados internamente e que, em breve, entrará em funcionamento a refinaria de ouro de Luanda. Palavras bonitas, polidas como as pedras preciosas que ele promete ver brilhar dentro das nossas fronteiras.

Mas qual é o impacto positivo real que o povo angolano sente no bolso, na mesa e na alma?
Acho que o nosso empregado devia pensar e refletir sobre como está o estado de saúde do seu patrão.

O Povo

O Chefe de Estado afirmou que o setor dos recursos minerais, do petróleo e do gás continua a ser um dos pilares estruturantes da economia nacional, contribuindo para a consolidação das finanças públicas e para o crescimento económico.

Mas as perguntas persistem, do lado de cá, onde o povo vive:

Consolidou para quem? Cresceu para quem?

Porque, nas ruas, nas comunidades, na maioria das escolas sem carteiras e nos hospitais sem medicamentos, o que se consolida é o desespero. Cresce, sim, mas cresce a pobreza, cresce a fome, cresce o desencanto com promessas que já não alimentam.

Riqueza e Desigualdade

Angola assinala este ano 50 anos de independência — cinco décadas de soberania sobre os nossos recursos naturais. O Presidente lembrou isso com orgulho.
E nós também lembramos, mas com dor.

Cinquenta anos a gerir riqueza e cinquenta anos a aprofundar a desigualdade.
A verdade nua, senhoras e senhores, é que nunca fomos tão ricos em concessões e tão pobres em condições.

Trinta e sete novas concessões petrolíferas e trinta e sete novas razões para o povo perguntar ao seu empregado:
Onde está o resultado disso na sua vida quotidiana?

O Contraste

O Presidente fala em “relançar a actividade de exploração”.
Nós, patrões deste país, falamos em “sobreviver à exploração”.

É esta a contradição que o discurso traz: enquanto o poder se orgulha dos números, o povo contabiliza as carências.
Enquanto se anunciam refinarias de ouro, as famílias continuam sem refinar a própria dignidade.

O discurso oficial fala de progresso.
A nossa reflexão fala de um país onde a riqueza é subterrânea e a pobreza é visível à superfície.

A pergunta que não se cala é:
“Se temos petróleo, diamantes e ouro, por que é que a panela continua vazia?”

Entre a abundância dos discursos bonitos, em salas cheias de gravatas, e a miséria das ruas, ficamos onde sempre estivemos — no meio da promessa e do esquecimento.

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